Foto: Ricardo A. Flávio |
A
banda GAROTOS PODRES, formada no
grande ABC Paulista em 1982, durante a efervescência do movimento punk
brasileiro, tem uma jovem formação, estável e competente, que conta com o único
membro fundador ainda presente, Mao,
no vocal e gaita, Deedy, na guitarra,
Uel, no baixo e Negralha, na bateria, e estão em festa: o primeiro e icônico álbum,
“Mais Podres do que Nunca”, completou 40 anos em 2025, e acaba de ser relançado
numa edição luxuosa, em vinil colorido de 180g, capa gatefold (a original era
simples), com pôster e encarte, que só a Nada
Nada Discos é capaz de fazer.
Esse
disco é um marco na história do rock brasileiro e é considerado um dos discos
independentes mais importantes lançados no Brasil, com vendagem expressiva, a
edição original vendeu mais de 50 mil cópias, o que é impressionante, ainda
mais levando em conta que a gravação era para lançamento de uma fita demo, produzida por Redson Pozzi, vocalista e guitarrista
do CÓLERA, mas a qualidade final
agradou tanto que fizeram da então fitinha ser o primeiro álbum da banda.
Nesta
reedição, o álbum sofreu uma alteração, foi limada a faixa “Führer”, que por
muitos anos fez a banda ser perseguida e acusada, injustamente, em minha
opinião, de antissemita. Para quem sempre acompanhou os Garotos Podres, sabe
que além de toda a veia de protesto e apoio à classe trabalhadora, o bom humor
sempre fez parte das letras da banda, neste caso, um humor politicamente
incorreto, e a piada nunca foi entendida. Em seu lugar, foram colocadas duas
gravações ao vivo da banda SUBMUNDO,
que era a primeira banda de Mao, com as faixas “Johnny”, gravada pelos Podres
no primeiro disco e “Verme”, que gravaram em seu terceiro disco, “Canções para
Ninar”, de 1993.
O
show começou pontualmente às 20h30 e tocaram o disco inteiro com a mesma
sequência de faixas: a primeira música foi “Não Devemos Temer”, seguida da
clássica “Johnny”, quando Mao lembra que em 1985, apesar de estar no final,
ainda vivíamos sob a ditadura militar e todos os artistas eram obrigados e
enviar suas letras à Divisão de Censura de Diversões Públicas, órgão oficial da
Polícia Federal do Brasil, e foi a primeira música censurada da banda.
“Insatisfação”
veio a seguir e logo depois “Maldita Preguiça”, que foi cantada como “Maldita
Polícia” – a explicação é de que para burlar a censura, muitos artistas mudavam
suas letras e, sob o jugo de um governo militar, “Maldita Polícia” jamais seria
liberada. Com o bom humor característico, Mao apresenta a próxima canção como a
segunda bloqueada pela censura, ele diz “censuraram
o coco” e a banda manda a divertida “Vou Fazer Coco”.
Chega
a hora do primeiro grande sucesso da banda: “Anarkia Oi”, que invadiu as rádios
rock do país em 1985 e foi responsável direta por eles aparecerem para o grande
público. Em seguida vem “Eu Não Sei o que Quero” e logo depois mais história:
Mao explica que em 2025 a banda foi chamada a dar explicações na Polícia Federal
sobre o que querem dizer com “Papa-Noel Velho Batuta”, foram acusados de
incitar a violência, pois a letra diz “mas
nós vamos sequestrá-lo e vamos matá-lo”. Como sempre, com o humor em alta,
Mao pergunta ao baterista Negralha “o que
você disse lá na polícia federal?”, e a resposta veio imediata “Papai Noel nem existe”! Legal lembrar
que essa música é daquelas em que mudaram a letra para tapear a censura, a
versão original é “Papai Noel Filho da Puta”!
Dedicam
a próxima canção ao pastor Silas Malafaia e a banda toca “Miseráveis Ovelhas”!
E encerram o primeiro disco com “Liberdade (Onde Está?”. O guitarrista Deedy
vai ao microfone e diz “poxa o disco é
tão curtinho que a gente poderia tocar várias vezes”, o guitarrista disse
também que não poderiam deixar passar o aniversário de 40 anos do icônico álbum
e que procurou selos diversos para o relançamento, e foi isso também que os
levou novamente à Europa – a banda recentemente tocou em Portugal e Inglaterra,
e o baterista Negralha diz “vamos tocar
uma que todo mundo conhece agora”, e a banda executa “Garoto Podre”, faixa
presente no segundo disco da banda, “Pior que Antes”, de 1988.
O
show segue com repertório de clássicos do cancioneiro punk nacional e o público
recebe com entusiasmo tudo o que vem do palco: “Oi, tudo bem?”, “Vomitaram no
Trem”, até que Mao dá mais uma de suas explicações, ao dizer que sempre
perguntam qual o tipo de som que eles tocam, se é punk, se é oi, e ele solta
que tocamos “Rock de Subúrbio”. A banda sempre foi extremamente política e de
esquerda, e a sequência agora não deixa margem para dúvidas: “Subúrbio Operário”,
“Avante Camarada”, “A Internacional”, “Grândola, Vila Morena”, “Aos Fuzilados
da C.S.N.” e “Repressão Policial (Instrumento do Capital)”.
Mao
no palco sempre encarna o ótimo professor de História que é, dá explicações com
datas e dados precisos de tudo o que canta e, antes da banda tocar “Anistia?”,
do disco “Pior que Antes”, ele explica que a Lei da Anistia de 1979, além dos
presos políticos e exilados que eram vozes contra a ditadura militar,
beneficiou torturadores e demais agentes da mesma ditadura, e é sobre isso a
canção “não queremos anistia aos
torturadores, não queremos que os assassinos fiquem impunes”. E, também,
explica que não tem o menor cabimento o pedido de anistia que a extrema-direita
brasileira tenta forçar no congresso nacional, para beneficiar os julgados e
condenados pela tentativa de golpe de estado e abolição do estado democrático
de direito, ocorrida e tramada desde a derrota nas eleições de 2022 e que
culminou na invasão e depredação do congresso e supremo tribunal federal em 8
de janeiro de 2023. Foi ovacionado e o grito de “SEM ANISTIA” ecoou por todo o
Sesc Belenzinho.
O
show vai chegando ao fim e três faixas cheias de humor encerram a festa: “Mancha”,
do disco “Com a Corda Toda”, de 1997, “Kim Jonguinho”, single lançado ano passado e “Verme” encerra a festa. E que festa!
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