O cenário do metal extremo carioca viveu uma noite histórica. Na sexta-feira, 26 de setembro, a região portuária do Rio de Janeiro foi o palco de um evento impensável no Sacadura 154 graças à Liberation Agency que não desistiu de trazer a turnê The Unholy Trinity para a cidade do samba e Carnaval, reunindo três gigantes do death metal em uma única apresentação de tirar o fôlego: os grupos veteranos, da Flórida, Deicide, e da Polônia Behemoth, e como abertura, também da Polônia, o convidado em ascensão Nidhogg.
Foto: Amanda Respicio / Rock On Board |
Nidhogg: Black Metal e Anarquia na Abertura da "The Unholy Trinity Tour
O Nidhogg enfrentou a difícil tarefa de ser a banda de abertura da The Unholy Trinity Tour de 2025, e entregou uma dose crua e inegável de black metal que cumpriu seu propósito: introduzir sua brutalidade sonora a uma plateia de fãs de música extrema. O setlist, conciso e direto, com faixas como "Horda" e "Mental Lycanthropy and the Calling of Shadows", focou em criar uma atmosfera de fúria e caos imediato, mantendo a autenticidade underground de seu som.
Apesar de ser oficialmente um duo, a banda no palco, em meio às sombras, contou com o apoio de músicos de tour para alcançar a sonoridade completa, com cinco integrantes em ação. A produção visual, embora modesta, foi artisticamente executada. O jogo de luz impecável no palco criava a ilusão de lanternas perfurando a profundidade de uma caverna no fundo do oceano, e a introdução da terceira canção foi desenhada de forma tão cinematográfica que parecia a abertura de um filme épico.
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No centro do palco estava o vocalista Jakub "Boruta" Śliwowski, coberto em tinta preta e vestindo calças de couro justíssimas, ostentando seu físico musculoso e uma presença que beirava a anarquia. Em um momento de fala, o músico e boxeador polonês revelou que sua cerveja "não tem álcool" pois está "livre há 6 anos", e alertou o público: "Mas se vocês querem diversão com Satã, estejam preparados."
Śliwowski manifestou profundo respeito pelo Brasil, mas rapidamente mudou o foco para a guerra na Europa, declarando um categórico "Foda-se a guerra! Os dois [Rússia e Croácia] sabem o que querem: Territórios", antes de surpreender o público com uma dedicação atípica: o clássico "Territory" do Sepultura. A banda polonesa apresentou uma introdução sólida e furiosa de metal extremo, estabelecendo o tom para a noite e homenageando, à sua maneira, a cena brasileira.
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Para cantar o clássico do album Chaos A.D., do Sepultura, o vocalista vestiu uma camiseta amarela escrita Brasil que, ao final, estava toda manchada pela tinta negra do seu corpo suado, um símbolo visual do confronto e paixão da sua performance.
Em um dos vários diálogos com o público, o vocalista revelou uma curiosidade pessoal: sempre teve vontade de ver o Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Segundo ele, acordou cedo e foi ao monumento no Cosme Velho, mas seus cartões de crédito foram recusados 8 vezes. Frustrado, foi até a loja de souvenirs e, para sua surpresa, o cartão passou, permitindo-lhe levar para casa uma réplica miniatura. O músico concluiu, com humor ácido, que "tomou como um aviso que o Cristo não queria vê-lo."
A performance do Nidhogg, mais do que uma mera abertura, foi um espetáculo de black metal intenso, teatralidade e comentários provocativos, deixando a marca de sua autenticidade no público brasileiro.
O Deicide subiu ao palco na The Unholy Trinity Tour para provar que a ferocidade de seus mais de 30 anos de carreira permanece intacta. Liderados pela presença dominante de Glen Benton, a banda apresentou um setlist também conciso e brutal que serviu como o ponto de equilíbrio implacável entre o black metal cru do Nidhogg e o espetáculo teatral do Behemoth.
Em uma performance cronometrada de 50 minutos de urros e gritos perfeitos, o colosso do death metal da Flórida demonstrou porque sobrevive a todas as modas. O Deicide utilizou somente a beira frontal do palco, com um banner pendurado atrás do baterista que mal dava para ler o nome da banda no minúsculo espaço deixado pelo headliner. Uma apresentação impecável que provou que a banda não precisa de artifícios: a música falou mais alto.
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A performance foi marcada por uma execução técnica afiada, com o baterista Steve Asheim garantindo uma parede sonora incessante. A experiência auditiva foi completada por um duelo de guitarra que soou como um filho direto da técnica do Judas Priest, mas carregado com a visceralidade impetuosa do Slayer. Essas referências de peso mostram a base do estilo inconfundível do Deicide.
O setlist foi um ataque direto de death metal, combinando a promoção do novo álbum, Banished By Sin (com faixas como "Sever the Tongue"), com uma celebração da discografia clássica. A lista de canções foi uma sucessão implacável de blasfêmia e velocidade, onde a intensidade não deu trégua, transformando o palco em um verdadeiro campo de batalha de riffs e blast beats. O repertório escolhido é uma celebração equilibrada da trilogia inicial da banda, com os álbuns Once Upon the Cross (1995), Deicide (1990) e Legion (1992) sendo os mais representados. Cada um contribuiu com três músicas para os 50 minutos de mais puro death metal.
Foto: Amanda Respicio / Rock On Board |
Com músicas que cobrem sua discografia mais agressiva, a banda manteve o público em estado de êxtase extremo do início ao fim. As faixas foram recebidas com intensidade fervorosa pelo público, consolidando o show do Deicide como uma verdadeira aula de death metal tradicional e demonstrando a forma excepcional em que a banda se encontra em 2025. O Deicide não apenas toca death metal; ele o personifica com uma ferocidade inabalável.
Behemoth: Uma Cerimônia de Blackened Death Metal e Visões Cinematográficas
O Behemoth encerrou a The Unholy Trinity Tour com um espetáculo de blackened death metal que transcendeu um mero show, configurando-se como uma cerimônia ritualística completa. Liderados pelo carismático Nergal, a banda polonesa, com quase 35 anos de carreira desde o demo Cursed Angel of Doom (1991), apresentou uma produção de altíssimo nível, provando seu status como uma das mais teatrais do metal.
O Efeito Cinematográfico do Sacadura 154
No Sacadura 154, o local de teto baixo não foi uma limitação. Pelo contrário: permitiu que a produção cênica de um intenso show de luzes criasse uma atmosfera "ectoplásmica" e proporcionasse uma ampla percepção cinematográfica. O deleite visual foi um espetáculo à parte, fazendo da experiência algo atraente e prazeroso, mesmo se você nunca ouviu um riff do Behemoth.
A atmosfera construída era a de assistir a um filme de terror com uma trilha sonora composta por metal extremo. A bateria anunciava uma batalha enquanto vocais, guitarra e baixo cavalgavam em vingança rumo ao enfrentamento, em uma experiência esplendidamente cinematográfica. O palco, com a ausência de amps e o auxílio de um sistema de som como o Franctel, permitiu um efeito luminoso totalmente submersível. A cada toque, o show perecia uma tormenta elétrica ou um bombardeio vulcânico, digno de uma cena de O Senhor dos Anéis. O espetáculo visual estava preparado nos mínimos detalhes.
Foto: Amanda Respicio / Rock On Board |
A precisão técnica da banda foi impecável em canções poderosas como "Blow Your Trumpets Gabriel" e faixas clássicas como "Demigod". O setlist fez uma excelente ponte entre os sucessos mais antigos e o material mais recente, como as músicas do álbum The Shit Ov God, demonstrando a evolução da banda sem perder sua essência blasfema.
Com intensa manipulação de sombras e luz, figurinos elaborados e adereços cenográficos (máscaras, corpse paint, sangue, capuz, batinas), a performance do Behemoth é um triunfo de execução e conceito. A luz de diversas cores para cada número do set, a fumaça e as sombras foram coreografadas para amplificar a escuridão da música. Eles não apenas tocaram as canções, mas as encenaram com convicção, consolidando o show como o clímax visual e sonoro da noite e um evento inesquecível para os fãs de metal extremo.
me senti vendo o show, que resenha!
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