Living Colour mantém relevância quando o assunto é um ótimo show de rock

Vernon Reid e Corey Glover brilharam numa noite irretocável [Foto: Rom Jom]
Por Bruno Eduardo

"Você gosta de rock and roll?". Essa é a pergunta retórica para quem pensa em perder uma apresentação do Living Colour. O fato é que todo e qualquer amante de rock, nascido nesse tempo, não pode partir de sua existência sem assistir a pelo menos um show desta banda novaiorquina. "Trinta anos!", bradava o vocalista Corey Glover ao público presente no Circo Voador. Na verdade, ele parecia incrédulo de como o tempo teria passado tão rápido, e sem causar qualquer dano ao legado sonoro da banda, que continua massacrante em cima dos palcos. 

Essa é a oitava passagem do grupo pelo Brasil, sexta no Rio. Dessa vez, a motivação foi o 30º aniversário de seu álbum de estreia, Vivid, que segue até hoje como o seu trabalho mais característico ao público geral. E não importa qual seja o número de shows que você tenha assistido da banda, certamente o Living Colour continuará te surpreendendo pelo simples fato de ter um som permanentemente fresco e poderoso em cima do palco, além de um nível de profissionalismo e musicalidade que poucas bandas na história um dia chegarão a alcançar.

O fato de ser um show que busca revisitar seu trabalho mais crú, não impediu que a banda extraísse todo o suco sonoro e virtuoso que corre em suas raízes. E quando você assiste execuções tão primorosas e robustas de um álbum lançado há mais de três décadas, você tem a constatação de como aquilo tudo envelheceu tão bem - e você se sente rejuvenescido de alguma maneira também. Afinal, estamos falando de uma banda que segue sendo fantástica ao vivo, e que continua dando ao público uma das melhores performances de rock ao vivo que você poderia assistir em vida. E embora seja um show calcado no hard rock, as infusões de funk e soul conseguem trazer um groove consistentemente fresco à apresentação, que mantém uma energia alta e implacável, não agressiva, mas bombástica e alegre durante toda noite.

Antes de embarcarem em Vivid, eles apresentam duas versões que estão presentes no último disco, o ótimo Shade, lançado em 2017 (o blues pesadão "Preachin Blues" e o já novo hit da banda, "Who Shot Ya?"). A partir daí, a festa começa e eles seguem o álbum na íntegra. Quando os PA's iniciam a narrativa que introduz o clássico "Cult Of Personality", a catarse é total. O bom público presente no Circo Voador responde de forma exemplar, canta o refrão e promove um pula-pula junto com o riff levanta-defunto de Vernon Reid.

É necessário dizer, que as gravações de estúdio nunca irão fazer justiça à experiência de assistir Corey Glover ao vivo, tamanha a exuberância de sua performance. Aos 54 anos de idade, Glover parece estar cada vez mais em forma. A voz segue potente, com habilidade e riqueza de tons intactos. Ele é descaradamente o centro das atenções. Utiliza um traje exótico, com direito a chapéu e óculos escuros. Quando tira o chapéu, o cabelo cheio de trancinhas coloridas serve para evidenciar que o espírito divertido do grupo está tão vívido quanto o som da banda. 

Já num dos cantos do palco, no mesmo estilo de sempre, com seu boné, brincos de argola, está Vernon Reid e suas palhetadas frenéticas e hipnotizantes. Seus riffs saltitantes eram acompanhados pelas grossas e fluidas linhas de baixo de Doug Wimbish, que assim como o baterista Will Calhoun, também tem o seu momento solo. A virtuose do grupo nunca foi qualquer nota. Há emoção, expertise, bom gosto e habilidade instrumental sobre-humana.

É importante dizer também que o Living Colour nunca teve medo de confrontar assuntos sérios como raça, pobreza ou humanismo.Tanto que um dia antes, em entrevista ao Rock On Board, o baterista Will Calhoun lamentou o fato de algumas letras continuarem ainda tão atuais. A balada anti-gentrificação Open Letter (To A Landlord) é um dos destaques do repertório de Vivid - com atuação vocal divina de Corey Glover na introdução. Destacam-se também as versões de "Funny Vibe" - um rolo compressor instrumental com uma levada funk de quebrar os quadris - e a alegre "What's Your Favorite Colour?". 

O complemento do show veio com canções apenas do segundo álbum da banda, e preferido da casa, Time's Up, lançado em 1990. A divina "Love Rears It's Ugly Head", foi uma das mais cantadas pelo público presente. Já "Elvis is Dead", apareceu em versão ultra-rápida, com uma sensacional inclusão de "Hound Dog", onde Corey Glover arrancou risos da plateia ao imitar a dancinha clássica de Elvis. No final, "Type", outro hit de Time's Up, com refrão cantando à capela no final da apresentação.

O rock sempre foi uma união exata de espírito e entranhas. Ele precisa estar no palco, sendo edificante e significativo. E poucas bandas na história captaram isso tão bem como o Living Colour, que dispensa pirotecnias, telões e cenografias. Eles apenas transpiram música e humor. E por isso, continuam sendo um dos melhores shows de rock que você pode ter na vida.
   

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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