Vs. O disco grunge do Pearl Jam

Foto: Pearl Jam / Vs.

Por Bruno Eduardo

Em 1993, o Pearl Jam iniciava uma verdadeira fuga do sucesso.  Quando o rock fervilhava em Seattle, houve um equívoco por parte do público/imprensa em geral. Erroneamente, definiu-se o movimento grunge como uma inserção sonora, um estilo de música – que acabou se tornando um rótulo castrador. Para eles, tudo o que vinha de lá era grunge, e ponto final. Essa generalização, fez com que o Pearl Jam fosse confundido como o produto comercial da cena, o “grunge da MTV” - uma grande injustiça, já que o grupo trazia uma sonoridade próxima a de grandes nomes do rock setecentista, além de revelar um intérprete dos bons.

Não era tão complicado entender essa confusão - que serviu inclusive para criar uma animosidade de Kurt Cobain ao grupo de Eddie Vedder. Afinal, as melodias ostensivas de Ten eram muito mais adequadas à sugestão do mercado do que a obscuridade de Alice in Chains ou Soundgarden, por exemplo. Além do mais, o Pearl Jam surgia também, como uma favorável opção ao modelo que Kurt Cobain propunha ao mundo. A MTV por sua vez, se apropriou do grunge por completo, ajudando a alavancar a carreira de todos os seus expoentes - causando respingos consideráveis em mais uma geração de bandas como Silverchair e Stone Temple Pilots. Clipes como “Jeremy”, alçou o Pearl Jam aos píncaros do sucesso - tendo metade de seu disco de estreia transformado em hit-power.

Coincidência ou não, o Pearl Jam seguiu firme e forte em sua estrada enquanto a cena era extinta - com seus principais personagens sucumbidos pelo doce veneno do sucesso. O que muita gente não sabe (ou se lembra), é que a grande sacada de Eddie Vedder e Cia. se deu no lançamento do segundo disco, Vs - que definitivamente salvou a carreira desse, que é hoje, um dos grupos de rock fundamentais da década.
  
Vs. traz uma ferocidade desenfreada - típica do punk anos 70 - permeada principalmente na potente combinação de "Go" e "Animal", que iniciam o disco como uma tempestade capaz de derrubar qualquer porteira. As letras de Vedder eram como uma faca afiada, abordando temas ousados como controle de armas ("Glorified G"), brutalidade policial ("W.M.A."), e abuso físico e mental ("Rearviewmirror"). Tamanha intensidade das faixas era quebrada apenas pelos repousos deslumbrantes de "Daughter", e no sentimentalismo desafiador de "Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town".

Vs é Pearl Jam contra a máquina. O título não foi um acaso - na verdade o disco se chamaria Five Against One (Cinco contra um) -, eles estavam realmente incomodados com o todo aquele cinismo típico do jogo, e enxergaram o álbum como um contra-ataque. O primeiro passo da banda foi renegar aquela, que até então, tinha lhe proporcionado uma ascensão meteórica para o sucesso: a MTV. O grupo se negou a gravar qualquer videoclipe de Vs. Eles diziam temer que a imagem das músicas ficasse restrita a um script apenas. Segundo Eddie Vedder, qualquer música deveria ser imaginada de acordo com a interpretação do ouvinte, e não resumida ao que fosse enxergado na TV. Outro ponto que consolidaria de vez a nova postura da banda se deu no boicote à Ticketmaster. Ao saber que a empresa havia cobrado uma taxa em cima da venda dos bilhetes em um show da turnê, o grupo não só moveu uma ação, como se recusou a tocar em todos os eventos com a participação da mesma - além de definir um limite nos preços dos ingressos. O grupo também começou a se opor a festivais patrocinados por empresas que não mantivessem identificação com a ideologia da banda – em 1993, recusaram convite para tocar no Hollywood Rock, por se tratar de uma marca de cigarros. A nova postura da banda acarretou no cancelamento de todo um semestre de shows no ano de 1994.

Ironicamente, apesar das melhores intenções do grupo em se distanciar das armadilhas da indústria musical, o disco acabou se tornando um recorde de vendas - bateu 1 milhão de cópias em sua primeira semana. Nos anos seguintes, a conta nunca mais foi a mesma. A agenda foi limitada, as vendas ficaram regulares, e com Eddie Vedder assumindo cada vez mais o controle do grupo, eles seguiam colecionando uma legião de fiéis, que os acompanhavam não apenas pela música em si, mas pela ideologia – algo parecido com o messianismo de bandas como U2 e REM.

Após duas décadas, já é sabido que o Pearl Jam ganhou o mundo com o disco Ten. Porém, o rock and roll ganhou muito mais com o lançamento de Vs. Explico: O disco não é apenas uma coleção de grandes canções. Vs. é um grito de liberdade. Ou seja, ele é tudo aquilo que o grunge quis ser (e foi) um dia.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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