A essa altura e depois de seis álbuns lançados, o Ghost perdeu um pouco do seu mistério. Pelo menos desde 2017, dois anos depois do lançamento de Meliora, seu terceiro álbum, se sabe que a mente por trás da banda e das diferentes encarnações dos Papas que lideram o grupo é o cantor Tobias Forge. No entorno dele, o Ghost teve diferentes músicos. Alguns dos quais se sabe o nome, outros não. O que importa é que eles são sempre conhecidos como Nameless Ghouls. Um ghoul é uma entidade maligna originária do folclore árabe que invade tumbas para se alimentar de corpos.
A história de Forge ajuda a entender a mistura interessante que a banda apresenta. O cantor cresceu num lar predominantemente cristão, cheio de histórias sobre Jesus. Quando chegou a adolescência, mais óbvio impossível, se revoltou e abraçou o satanismo como uma resposta ao que considerava uma ideologia opressiva. Daí para se envolver no cenário de black metal, que é cheio de adoradores do Coisa Ruim, foi um pulo (para o buraco do inferno).
Só que Forge é sueco. E se tem uma coisa que os suecos sabem fazer é música pop. Não por acaso, Max Martin, é o terceiro compositor com mais números 1 na parada da Billboard com 21 hits. Só atrás de... bem, Paul McCartney (32) e John Lennon (26). Não por acaso, a Suécia é a terra de Abba, Ace of Base, Roxette e The Cardigans. E aí veio o pulo do gato (preto) de Forge. Juntar o visual do black metal com o que de melhor o rock e o pop sabem fazer em termos de letra e, especialmente, melodia. O resultado, é puro entretenimento de qualidade. É um cruzamento de Abba com Kiss abençoado pelo Alice Cooper e com pitadas de Europe.
E assim chegamos a Skeletá. Sucessor do ótimo Impera (2022), o álbum não apresenta grandes novidades em comparação com o disco anterior ou mesmo com Prequelle (2018). A maior novidade, na verdade, está no “novo vocalista”, o Papa V Perpetua, que, curiosidade mórbida, ascendeu ao trono do império do Ghost justamente no momento em que a Igreja Católica perdeu o seu Papa com o falecimento de Francisco na semana passada. Conhecemos o Papa V Perpetua quando o Ghost lançou o primeiro single do álbum, "Satanized", no dia 5 de março. No videoclipe e na letra, acompanhamos a história de um clérigo que, por amor ao demônio, cai nas suas garras, cedendo à possessão demoníaca e se transforma na entidade que canta as músicas novas do Ghost. O clipe é divertidíssimo, a canção é deliciosa e com um refrão que tem tudo para ser cantado como um hino nos shows.
"Satanized" foi apenas um gostinho de um álbum que se revelou muito consistente. Skeletá abre com "Peacefield", que lembra muito as boas canções de pop rock dos anos 1980. Na sequência vem "Lachryma", segundo single da banda, e música que tem aqueles riffs típicos do Ghost e uma mistura de um rock mais pesado, mas com uma pegada melódica.
Quarta música do álbum, "Guiding Lights" é o Ghost batendo ponto na clássica balada, que marca toda banda de hard rock. Na letra, um contraste entre uma abertura de sentimentos e a caminhada para a escuridão da incerteza.
O disco volta a ter um dos seus pontos altos em "De Profundis Borealis", música que começa lentamente com um teclado, mas logo depois ganha o peso da bateria e uma guitarra que lembra algumas canções do Iron Maiden. Especialmente no refrão e nas guitarras. Em entrevista para a Metal Hammer, Forge disse que gostaria que "De Profundis Borealis" se assemelhasse com a sensação de passar por uma tempestade de neve, que é uma analogia bem curiosa. Inclusive, recomendo a entrevista, pois Forge comenta Skeletá faixa a faixa (Clique aqui para ver a entrevista – infelizmente somente em inglês).
"Cenotaph" talvez seja o ponto mais baixo do álbum, que na sequência vem com uma de suas melhores faixas: "Missilia Amori", ou “Mísseis do Amor”, em latim. Essa é uma das músicas que nos anos 1980 fariam a carreira de uma banda de glam rock ou de hard rock e tocaria insistentemente nas rádios. Ela tem tudo o que uma banda precisa para ter um hino para chamar de seu. O riff pesado, a bateria dando o ritmo, o solo de guitarra, o ritmo envolvente e uma letra que fala sobre os perigos e as delícias de um amor intenso a partir da metáfora com a guerra. Em outros tempos, não ia faltar gente fazendo coreografias com o refrão “Love rockets/Shot right in between yor eyes” (Foguetes do amor/Lançados bem entre os seus olhos”).
Os temas bíblicos e religiosos voltam na boa "Marks of the evil one", mas é em Umbra que o álbum ganha o seu segundo ponto altíssimo. O hard rock oitentista e o duelo entre guitarra e teclado são puro ouro.
O disco encerra com "Excelsis", um tipo de canção que vem se tornando uma marca registrada do Ghost em seus últimos álbuns. Assim como "Respite on the Spitalfieds", de Impera e "Life Eternal", de Prequelle, "Excelsis" funciona como um momento de descanso e descompressão após a viagem intensa do resto do álbum. Forge compara "Excelsis" aos créditos de um filme depois de "Umbra", que seria na verdade a última “cena” de Skeletá.
E qual o resultado da viagem de Skeletá? Se por um lado o sexto álbum do Ghost não traz grandes novidades e nem é exatamente superior a Impera, Skeletá tem muitas virtudes e é quase uma homenagem ao rock dos anos 1980, década em que Forge nasceu. Podemos dizer que Papa V Perpetua inicia o seu papado pregando para convertidos. E manter os fiéis na igreja também é importante.
Assista o nosso review em vídeo de "Skeletá" no podcast Redação