Foo Fighters conta com 45 mil vozes em Curitiba e faz show arrebatador

Foo Fighters no primeiro show com Josh Freese no Brasil [Foto: Alessandra Tolc]
 
 Por Abonico Smith  

Bogotá, 25 de março de 2022. A notícia vinda da Colômbia caía como uma bomba entre os espectadores do festival Estéreo Picnic que aguardavam ansiosamente para ver o show do headliner Foo Fighters. Horas antes, no quarto do hotel, o coração do baterista Taylor Hawkins não resistia a mais uma experiência química depois de tantos abusos. A banda, atônita e sem ter o que fazer, cancelava em cima da hora a apresentação no evento e tudo mais que ainda faria na perna sul-americana da turnê. A data subsequente seria no dia seguinte, no Brasil, em outro evento de grande porte, o Lollapalooza.

Curitiba, 7 de setembro de 2023. Para fazer dois concertos no Brasil, o Foo Fighters faz uma pequena pausa na tour norte-americana, que trouxe a banda de volta aos palcos em maio último. Um deles dentro de um festival, o The Town, em São Paulo. Dois dias antes, porém, o sexteto comandado por Dave Grohl pagou aos fãs daqui uma dívida de gratidão ao realizar na capital paranaense o primeiro show em solo brasileiro após a trágica morte de Hawkins e a confirmação de que a carreira da banda seguiria em frente. E o que se viu foi uma intensa troca de emoções. De um lado, uma plateia de cerca de 45 mil pessoas em êxtase, cantando de cabo a rabo todos os versos. Do outro, um frontman aliviado, agradecendo todo o apoio dado depois do baque. “Espero agora que, de alguma maneira, nós ajudemos vocês a sobreviverem, porque vocês nos ajudaram a fazer isso”, disse.

O responsável pela continuação da engrenagem, segundo o vocalista apontou, é o novo membro Josh Freese. “Ele já tocou em trezentas bandas. Vocês podem não reconhecê-lo mas com certeza conhecem algo de algum trabalho que já tenha feito”, disse. Baterista bastante requisitado tanto para estúdios como palcos, ele já tocou e gravou com gente como Nine Inch Nails, Guns N’Roses, Devo, Queens Of The Stone Age, A Perfect Circle, Weezer, Miley Cyrus, Selena Gomez, Katy Perry, Ricky Martin, Avril Lavigne, Danny Elfman e Sting.

Comparado por muita gente na pista com o ator Ryan Gosling (astro de filmes como Barbie e La La Land), o “novato” mostrou ter sido mesmo a melhor escolha para a substituição de Hawkins. Destreza, segurança, habilidade, virtuosismo, diálogo com vários gêneros (hardcore, hard rock, heavy metal, pop, reggae, punk, new wave, industrial, indie) fazem parte de seu currículo. A única coisa que não dá para fazer mesmo é ocupar o lugar do falecido integrante à frente do palco.
 
Foto: Alessandra Tolc
 
Taylor era responsável por uma parte bem divertida dos shows do Foo Fighters: a hora dos covers variados e inusitados. Com a desenvoltura de rockstar, largava as baquetas para ocupar por duas ou três canções o microfone de Grohl, que, temporariamente, voltava a relembrar seus tempos de bateria no Nirvana. Agora, esses covers viraram apenas citações introdutórias durante a apresentação de cada um dos seis integrantes – pena que nada na íntegra, por Dave não saber a letra. No Couto Pereira, os fãs tiveram um pequeno aperitivo de Beastie Boys (“Sabotage”), NIN (“March Of The Pigs”), Ramones (“Blitzkrieg Bop”), Devo (“Whip It”) e um até então inédito na turnê Led Zeppelin (“Stairway To Heaven”, em um momento-piada sobre o tempo da gig). Ainda deu para acrescentar os enxertos de riffs de Black Sabbath (“Paranoid”), Jethro Tull (”Aqualung”) e Metallica (“Enter The Sandman”) no arranjo para “No Son Of Mine”, porque o vocalista queria “conhecer a plateia”.

O show foi extenso, repertório idem. Em 2h45 de apresentação, a banda tocou 23 canções, pinçando faixas de nove dos dez álbuns da discografia. Teve espaço até para surpresas. Na volta para o bis, foi encaixada a recentíssima “The Teacher” (de But Here We Are, disco lançado no último mês de junho). Um pouco antes rolaram o reggae “Shame Shame” (de Medicine At Midnight, de 2021) e a semiconhecida “Generator” (de There’s Nothing Left To Lose, de 1999, quando o FF ainda dava seus primeiros passos como banda). Volta e meia, inclusive, Grohl exaltava a longa trajetória de 28 anos e celebrava a primeira vinda de muitos a um show do sexteto.

Musicalmente uma apresentação de Dave e sua turma é tiro certeiro. Hit atrás de hit praticamente, com a ajuda de coros em uníssono da plateia. Também ajuda a angariar uma ampla gama de fãs distintos toda a variedade de referências sonoras trazidas pelos seis músicos – valem aqui, aliás, os mesmos gêneros descritos mais acima para Josh. Em questão cênica, Grohl também é irrepreensível. Sabe como poucos comandar uma multidão. Segura sem parar, tanto em gestos quanto em palavras, a plateia durante quase três horas. Não existe quem não saia extasiado do local ao acender de todas as luzes. Banda e audiência.

Set list Foo Fighters: “All My Life”, “The Pretender”, “Learn To Fly”, “No Son Of Mine”, “Rescued”, “Walk”, “Times Like These”, “Under You”, “La Dee Da”, “Breakout”, “My Hero”, “This Is A Call”, “The Sky Is A Neighborhood”, “Shame Shame”, “Nothing At All”, “These Days”, “Generator”, “The Glass”,”Monkeywrench”, “Aurora” e “Best Of You”.Bis: “The Teacher” e “Everlong”.
 
Atrações de luxo na abertura

Um encontro com o FF já valeria por toda a noite, ainda mais em se tratando de uma volta por cima de maneira efusiva e perfeita como já era antes da tragédia colombiana do ano passado. Só que a noite do Dia da Independência no estádio do Coritiba ainda teve de brinde duas grandes bandas como entradas para o prato principal.
 
Foto: Alessandra Tolc
 
Às seis e meia, já escurecendo, o Wet Leg abriu os trabalhos. Idealizado e comandado pelas vocalistas, guitarristas e BFF Rhian Teasdale e Hester Chambers, o quinteto formado durante a pandemia é a mais deliciosa surpresa do rock guitarreiro deste último par de anos. Suas letras são exemplo da mais bela despretensão literária, celebrando coisas cotidianas como a nota baixa da escola, um pedaço de merda, uma desilusão amorosa, o tédio ou o prazer de se divertir solitariamente em uma festa. Rhian, especialmente, dialoga muito bem com o universo adolescente. Veste roupas esportivas oversized a la Billie Eilish, Enche sua guitarra toda de adesivos brilhantes, coloridos e com motivos de bichinhos. Tenta se comunicar com a plateia falando ao microfone o máximo que sua visível timidez permite. Já tem 30 anos de idade mas achou um ponto de conexão com a molecada mais nova, que compõe boa parte do fanbase do grupo.

Seu homônimo álbum de estreia, lançado no ano passado pelo cultuado selo independente Domino, foi celebrado como um dos grandes títulos britânicos da temporada passada. Entre os prêmios conquistados neste ano estão dois Grammy (música e disco alternativos) e dois Brit Awards (banda e revelação). O show ainda é curto – são apenas dez canções (sendo seis singles celebrados por fãs, imprensa e até mesmo Barack Obama) e quarenta minutos que voam se você estiver dançando e curtindo sem parar. Mas a festa é garantida, a barulheira também. Já dá para prever um longo e excelente caminho para as meninas e seus companheiros. Em Curitiba, o Wet Leg foi bem recebido apesar do desconhecimento total de boa parte da plateia. Conquistou muita gente nova e ouviu os gritos de “what?” de seu hit maior, “Chaise Longue”, ecoando por todo o estádio.

Set list Wet Leg: “Being In Love”, “Wet Dream”, Supermarket”, “Convincing”, “Oh No”, “Piece Of Shit”, “Ur Mum”, “Too Late Now”, “Angelica” e “Chaise Longue”.

Foto: Alessandra Tolc
 
Como segunda atração da noite, às quinze para as oito, um nome de luxo: o Garbage. De carreira tão extensa quanto o FF, o grupo norte-americano é formado por três amigos superprodutores (os guitarristas Duke Erikson e Steve Marker, mais o baterista Butch Vig) e uma vocalista poderosa e carismática (a escocesa mais californiana que existe, Shirley Manson). No Couto Pereira, equilibrou o set list entre clássicos dos dois primeiros álbuns (o homônimo, de 1995, e Version 2.0, de 1998) e algumas faixas do mais recente (No Gods No Masters, de 2021). Ainda apresentou um convidado mais do que  especial: o baixista Eric Avery, também fundador do Jane’s Addiction. Depois de um começo morno, virou o jogo com “Cities In Dust”, cover de Siouxsie & The Banshees puxada para o lado industrial e lançada para o Record Store Day de 2022 como lado B do single de “Witness To Your Love”). Daí vieram os hits nineties “I Think I’m Paranoid”, “Stupid Girl”, “Vow”, “Push It” e “Only Happy When It Rains”. Esta última ganhou nova introdução, com veia bluesy, levada ao piano por Erikson e cantada com muito mais melancolia por Manson.

É pública e notória a química entre Vig, Marker e Erikson, que já produziram muitos discos de qualidade no Smart Studios, pequeno e aconchegante local de gravação situado em Madison, Wiscosin, e de propriedade dos dois primeiros. Garbage, Nirvana, Smashing Pumpkins, L7, Soul Asylum, Tegan & Sara, Sparklehorse, Fall Out Boy, Death Cab For Cutie e Tad, por exemplo, produziram boas faixas e álbuns clássicos ali. Manson soltando o gogó, performando como diva em estiloso vestido vermelho e sendo muito simpática com a plateia é a cereja do bolo. Contudo, alguma coisa incomoda no Garbage quando o assunto é a banda ao vivo. Chama a atenção nos arranjos muito das bases eletrônicas disparadas. Parece que os três músicos (exceção feita justamente ao extra Avery) estão ali apenas para soltar peso, distorção e presença de palco, preenchendo espaços que são bons aos olhos e à comunicação com a plateia mas que em um todo sonoro ficam aquém do esperado para tamanha magnitude deles nos estúdios. Claro que não compromete em nada o resultado final, mas para quem espera um pouco mais de entrega musical ali no cara a cara esta combinação entre o live e o pré-gravado soa como algo entre o preguiçoso e o relaxado.

Set List Garbage: “Supervixem”, “The Men Who Ruled The World”, “Wolves”, “Cities In Dust”, “I Think I’m Paranoid”, “Godhead”, “Stupid Girl”, “Vow”, “Only Happy When It Rains” e “Push It”.

Esse texto é uma colaboração de Abonico Smith, editor do blog Mondo Bacana, e que fez esta cobertura pelo site Rock On Board.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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