Sem esquecer as raízes, Gojira traz emoção e equilíbrio sonoro no excelente 'Fortitude'

Gojira é um dos principais nomes do novo metal mundial 
 

Gojira

Fortitude
⭐⭐⭐⭐ 5/5

Por  Lucas Scaliza 

"O grande milagre está sendo destruído pelo fogo", canta Joe Duplantier no refrão de "Amazonia". No clipe da música, cenas do quarteto tocando são entrecortadas por imagens de povos indígenas do Brasil. Não demora para o que era verde surgir queimando. Toda uma tradição e dezenas de povos ameaçados, sem falar em fauna e flora. São todas cenas reais captadas em 2020 quando a Amazônia fervia e chamava a atenção do mundo. 


A banda francesa Gojira, conhecida por riffs destruidores e por ter Mário Duplantier no kit de bateria (um dos melhores do metal atual) é também famosa por sempre se aliar à causas ecológicas. Quando lembramos do disco anterior, Magma (2016), um dos versos que mais ecoam até hoje é aquele em que Joe grita: "Quando você muda a si mesmo, você muda o mundo".


Fortitude é o sétimo disco da banda. Está tão comprometido com a mensagem que cada uma de suas faixas carrega quanto na manutenção do poder que o quarteto ainda tem de empolgar o público com seus ritmos cheios de vigor e técnica. É também o disco mais abrangente da discografia: abraça a melodia e as vocalizações sem deixar de praticar o death metal que os fãs de longa data já esperavam. O que há cada vez mais nessa receita da banda é emoção.


Desde o primeiro álbum já se vão 20 anos e o grupo percebe que não é só de brutalidade e técnica que vive o metal. Há outros caminhos possíveis. Ao invés de se preocuparem apenas com o peso mais elementar de uma faixa, adicionando camadas e camadas de guitarras, perceberam que adicionar mais arranjos e camadas de vozes traz uma nova qualidade para as músicas. Esse aprendizado, que já se via em Magma, está presente em Fortitude e vão além.


Há mais de um minuto de trabalho vocal em "Hold On" antes que os riffs devastadores tomem os nossos ouvidos. "The Chant" foi inteiramente desenvolvida ao redor das vocalizações de Joe, soando como um mantra. Mas diferente de "Shooting Star", mantra do álbum passado, "The Chant" é menos doom e mais hard rock. Possui três solos de guitarra - um elemento musical de que a banda quase nunca lança mão. Ainda no campo mais da emoção do que do peso, "The Trails" é o que podemos chamar de a canção mais calma da vez e, ainda assim, está longe de ser uma balada. A danada tem bite.


Mas como eu disse, o que a banda sempre foi não se perde. Em "Sphinx", Joe Duplantier grunhe como um animal numa caverna ao observar um mundo emergir e se desfazer. Enquanto isso, Jean-Michel Labadie (baixo), Mario Duplantier e Christian Andreu (guitarra) atacam sem dó como se estivéssemos na era The Way Of All Flesh (2008).


"Into The Storm" mantém essa mesma vibração e adiciona um dos temas principais do álbum: a desobediência civil. "Que triste, quanto tempo leva pra gente se erguer e lutar?", a banda questiona, como se convidasse quem está no mosh pit de seus shows a ter uma vida questionadora. "Grind" é ágil e fecha o disco com violência. Até ela, o ouvinte terá sentido Joe e Christian Andreu cortarem a mix tantas vezes com ataques rápidos nas cordas mais agudas da guitarra, no meio do groove pesado de bateria e baixo, que terão a certeza de que a banda acrescenta novos elementos sem perder a assinatura que os colocaram no mapa do metal contemporâneo.


Não passa despercebido também que a banda achou a veia do heavy metal mais palatável, quase sempre usando os refrãos para isso. Nightwish e Slipknot estão entre as diversas bandas que em lançamentos mais recentes constroem músicas em que há intros, versos e pontes cheios de riffs e ataques em cordas mudas, mas o refrão é análogo ao da música pop: mais acessível, com acordes bem definidos e abertos sonoramente, a bateria mais domada. Diversas músicas de Fortitude (como "New Found" e "Into The Storm") usam esse recurso de maneira muito mais evidente do que em todos os discos anteriores. Como emitir musicalmente uma emoção capaz de conduzir o ouvinte é um dos aspectos chaves dessa obra, o recurso está muito bem empregado e não chega a atrapalhar ou a roubar a cena de todas as passagens eminentemente heavy metal que o quarteto realiza.


Se Magma ampliou os horizontes da banda com um clima de lamentação e introspecção, dessa vez o Gojira está muito mais preocupado em falar para o mundo com uma atitude contestadora e ainda assim positiva ("Born For One Thing" é sobre encarar viver encarando a morte como um processo natural, não um medo constante. E "New Found" sobre encontrar o que dá novo sentido a sua vida toda).


O quarteto não se perde no experimentalismo e cuida para que nada desça seco demais ou amargo. Fortitude é o álbum mais equilibrado da discografia e funciona como aquele novo trabalho abrangente, que traz o peso de uma história e ao mesmo tempo é a porta de entrada perfeita para um novo ouvinte.

Lucas Scaliza

Jornalista, músico sem banda e estrategista de marca. Não abre mão de acompanhar os sons do agora. Joga tarô e já foi host de podcast.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem
SOM-NA-CAIXA-2