Em novo álbum, Alice Cooper canta as histórias de sua Detroit natal

Alice Cooper chega ao seu vigésimo primeiro disco solo na carreira
 

Alice Cooper

Detroit Stories
⭐⭐⭐ 3/5

Por  Marcelo Alves 

Em tempos de confinamento causado pela pandemia de Covid-19, o que fez toda a indústria musical estar longe da estrada há mais de um ano, o veterano cantor Alice Cooper, de 73 anos, se voltou para as suas origens para contar as histórias de Detroit, sua cidade natal. Vigésimo-primeiro álbum solo e 28º álbum de estúdio de sua carreira, Detroit Stories é um mergulho nas ruas, nos bares, nos acontecimentos e nos personagens, especialmente os foras da lei, que permearam a vida de Vincent Damon Furnier, o homem por trás da persona Alice Cooper.


Embora não se considere um artista nostálgico, o álbum de Cooper, curiosamente, parece impregnado por este sentimento. E talvez o momento atual do planeta ajude a aflorar este sentimento, pois, ao longo de 15 canções, 11 delas originais, Cooper canta sobre mulheres, bebedeiras, aventuras, encontros com amigos no bar, contravenções e transgressões, transparecendo um sentimento de saudade de uma aglomeração, de estar junto de um grupo de amigos, se divertindo ou fazendo um som com o que Cooper faz com sua banda. Algo que ainda está distante mais de um ano depois do início da pandemia.


Além disso, Cooper faz seus retratos particulares de uma Detroit suja, aquele sentimento de submundo, de rebeldes de uma “Juventude Transviada” (1955), mas com seus personagens transpostos da Los Angeles para esta Detroit berço da indústria automobilística americana, uma das grandes cidades mais violentas dos Estados Unidos e com uma taxa de 21,7% das famílias que vivem abaixo da linha da pobreza.


Cooper parece querer que o álbum tenha o gosto desta cidade de contrastes, problemas e beleza tão particular para ele. Imagino que para quem conhece Detroit o álbum deve ganhar diferentes cores do que para quem nunca pisou na cidade. E é no meio desta cidade que Cooper sente-se em casa, desfilando imponente pelo circuito noturno enquanto se considera um “lixo social”, como na letra de “Social Debris”.


Mas não é apenas a vida em confinamento em oposição às letras que exaltam toda uma vida agitada nesta Detroit lá de fora que nos conduz à nostalgia. O próprio som do álbum nos leva a isso, com músicas que remetem ao rock mais tradicional cheio de riffs, batidas, onomatopeias, como em “$1000 High Heel Shoes”, e uma influência direta do blues, que vemos em “Drunk and in love”, apenas para ficar em um exemplo. Além de canções que se enquadram no terreno de um amálgama entre o classic e o hard rock, e aqui poderíamos citar “Detroit City 2021” ou “Hail Mary”, onde a voz de Cooper sente-se à vontade para criar um magnetismo todo próprio de um estilo mais cavernoso-declamado do que cantado. Estilo este que funciona tão bem para a atmosfera teatral que Cooper gosta de criar tanto em seus shows-solo quanto em suas apresentações com o Hollywood Vampires.


“Detroit City 2021”, aliás, é a música mais direta em que Cooper fala sobre a sua relação com a cidade. Começa com Cooper citando companheiros como Iggy Pop, Bob Seger e a banda MC5, e desenvolve a letra falando sobre o clima musical da cidade em contraposição com uma cidade caótica, maluca, onde o dinheiro continua fluindo. Á moda Alice Cooper, é uma canção de amor à cidade de Detroit, com seu solo sagrado (“all around, hallowed ground”) e o som característico que advém do de todo esse caldeirão que a cidade pode produzir.


Mas Detroit não seria nada sem seus habitantes, e Cooper faz questão de exaltar seus personagens, especialmente os foras da lei que conheceu em sua vida e que ajudaram a construir a sua imagem da cidade. Em entrevista recente para a “Variety”, Cooper disse que os personagens de suas letras são pessoas que ele conhecia, “caras saindo da prisão, roubando carros e sendo convencidos a fugir de trens pela namorada”. Assim são os homens cujos dias giram em torno de uma mulher na letra de “Hail Mary”, o homem que acabou de sair da cadeia em “Go Man Go”, bem como o traficante de “Independence Dave”, exaltado como um espírito livre, numa letra com um certo tom de sarcasmo.


Em meio a um punhado de boas canções de rock, com riffs e solos de guitarra que vão agradar aos seus fãs, Cooper ainda incluiu quatro covers. Se “Rock and Roll”, do Velvet Underground, funciona bem como uma boa abertura do álbum e “Sister Anne”, do MC5 combina bem com o clima do álbum, “Our love will change the world”, do Outrageous Cherry e “East side story”, de Bob Seger, têm pouco a acrescentar ao disco. Nem para exibir diferentes maneiras de Cooper interpretar músicas elas servem, pois no restante do álbum o cantor mostra toda a sua versatilidade de interpretar e fazer vozes diferentes e alternar ritmos dentro da sua identidade hard rock.


Como Detroit não está isolada do mundo, Cooper ainda incluiu uma canção escrita sobre a pandemia de Covid-19. “Hanging on by a thread – don´t give up” é uma música que clama as pessoas a cuidarem da saúde mental, que entende a dificuldade do momento em que todos passamos e um pedido de Cooper para que os que o ouvem não desistam. Originalmente, esta música foi lançada como um single em maio do ano passado e o objetivo de Cooper era mandar um recado aos seus fãs durante a pandemia. Antes de ser incluída no álbum, a letra passou por algumas alterações no sentido de aumentar a conscientização sobre as questões envolvendo a saúde mental.


Cooper pede na letra que não entremos em pânico e afirma que somos todos um mundo com sete bilhões de irmãos e irmãs que compartilham do mesmo drama e estão no mesmo barco. O cantor ainda define a doença como “um monstro, um fantasma mortal e frio” que “se esconde no coração e no cérebro, terrível e impiedoso”. E encerra a letra divulgando o número do telefone da linha direta de prevenção ao suicídio.


Mesmo sem conhecer Detroit, e ainda mais a Detroit particular de Cooper, “Detroit Stories” é um álbum que dialoga bem com os fãs do cantor. Se não traz grandes inovações ou canções diferentes do que ele já produziu em sua carreira, e talvez este nem seja o desejo do cantor, tem todos os elementos sonoros e vocais que fizeram Cooper ser quem ele é na indústria. E que fizeram seus fãs gostarem do seu trabalho. 

Marcelo Alves

Acredita que o bom rock and roll consiste em dois elementos: algumas ideias na cabeça e guitarras no amplificador. Fã de cinema e do rock nas suas mais variadas vertentes, já cobriu três edições do Rock in Rio e uma do Monsters of Rock. Desde 2014, faz colaborações para o site "Rock on Board". Já trabalhou em veículos como os jornais "O Globo" e "O Fluminense". Twitter: @marceloalves007

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem
SOM-NA-CAIXA-2