Kings Of Leon explora recursos de estúdio e acerta na sonoridade de 'When You See Yourself'

 

Kings Of Leon chega ao seu oitavo álbum de estúdio

Kings Of Leon

When You See Yourself
⭐⭐⭐ 3/5

Por  Lucas Scaliza 

O Kings of Leon não é mais a mesma banda de antes e isso não é uma constatação apenas deste resenhista ou de algum fã amargurado que sempre vai dizer que a banda "não é mais a mesma" quando ela lança um trabalho que não lhe agrada ou algo que não bate com as expectativas. O próprio baixista, Jared Followill, disse que cogitaram mudar de nome para lançar When You See Yourself, oitavo disco da carreira da banda, que permaneceu guardado por mais de um ano devido à pandemia de Covid-19.


De garotos simples e caipiras, transpirando rock rural e uma imagem setentista na juventude, chegam à maturidade incorporando elementos do indie e fazendo letras bem menos festeiras que antigamente, elementos que já estavam presentes no divisivo WALLS (2016). Erra quem acha que a banda está perdida. When You See Yourself é um projeto e sabiam no que poderia resultar, tanto é que o mesmo produtor do disco anterior, Markus Dravs.


Um produtor é capaz de influenciar enormemente o som final de uma banda. Dependendo de quem ocupa o posto, mais ou menos recursos de estúdio poderão ser utilizados em uma gravação, assim como o perfil do produtor pode ser o de quem lapida o som e a composição ou tenta extrair as performances mais intensas da banda. E a banda sabe muito bem disso quando contrata esse profissional. No caso aqui em questão, o Kings of Leon decidiu seguir modernizando seu som e alinhou essa direção com sua posição de banda já madura na estrada e no estúdio. Com Dravs no time, WYSY é o melhor disco da banda em termos de aproveitamento de recursos em estúdio. A crueza que antes os caracterizava dá lugar a um produto muito bem acabado. No entanto, é perceptível que algumas composições teriam muito a ganhar caso Dravs (e a banda) não fossem tão zelosos e deixassem as emoções do calor do momento virem à tona também.


"When You See Yourself, You Are Far Away" abre o álbum servindo como uma amálgama das intenções estéticas. O elemento levemente western e os vestígios de rock são misturados com algo do indie que é a especialidade do produtor. Há mudanças que mostram uma banda mais exploradora. Com teclados tão ou mais importantes que a guitarra.


"The Bandit" parece querer ir de volta a longos tempos idos, mas não retrocede o suficiente. Nada no álbum é tão diferente dos últimos três discos, nada chega perto do que havia nos primeiros quatro lançamentos. "100,000 People" congrega alguma coisa do cowboy triste que um dia já foi quase que uma marca da banda e uma sensibilidade pop que está muito bem colocada. Notável como a veia Arcade Fire do produtor se revela ali longo antes do refrão, quando Caleb canta "You do, you do, you do".


"Golden Restless Age" poderia ser o hit pop rock do álbum. É animada e mantém você empolgado, mas quando chega ao refrão toma de novo o caminho natural para o Arcade Fire (e para o produtor) ao invés de explodir num rock mais seco. Não que seja ruim, pois, como dito, souberam lapidar tudo como um bem-acabado produto de estúdio. A questão é que usam as armas do indie para resolver as canções quando poderiam ter usado as ferramentas do rock'n'roll. Isso não é um erro, nem a banda está perdida. Eles decidiram seguir por esse caminho.


"Farytale" é uma música incrível. Um musicão com atmosfera e produção cuidadosa. Num disco mais visceral, ela se destacaria sem precisar de nenhuma mudança. Mas em When You See Yourself ela pode passar por muitos ouvidos como uma ressaca. Espero estar errado.


Já há alguns anos se discute que a guitarra tem seu espaço na música contemporânea, mas em uma posição bem diferente de onde costumava fivar. WYSY é um exemplo disso. Matthew Followill, o guitarrista, passa 70% do álbum em seu canto, embelezando as músicas, não tomando a frente do palco e não abusando do volume. E assim transcorre o disco com poucos riffs, poucas passagens memoráveis nas seis cordas e apenas um solo. E pensar que "Molly Chambers" era praticamente duas notas de guitarra para um riff simples e eficiente. Mas "Molly Chambers" já faz muito tempo...


No entanto é Jared, o Followill do baixo, quem rouba a cena. Não tem uma canção em que o instrumento não seja decisivo. Não tenho a capacidade técnica de analisar se é a melhor performance do baixista na discografia do Kings of Leon, mas para quem ouve, é o disco em que o instrumento surge com maior presença. É o Drogba da banda, sempre bem posicionado para fazer seu lance certeiro. Sem riffs e sem a visceralidade, é o baixo que sempre está ali mantendo o ouvinte no ritmo e criando linhas melódicas satisfatórias.


No final das contas, não consigo desgostar da maioria das músicas. São boas canções, mas fica o sentimento de que talvez pudessem ter forçado a barra aqui e ali e entregado momentos mais marcantes. Em todo caso, o disco foi o segundo a ser lançado por meio de uma blockchain chamada NFT e foi um caso de sucesso como há anos o Kings of Leon. Isso pode ter mais a ver com a tecnologia empregada do que com o prazer das canções, é claro, mas isso também diz muito sobre o público consumidor e porque a banda explora sons hoje que não são os 20 anos atrás. Tudo mudou, inclusive os Followill.

Lucas Scaliza

Jornalista, músico sem banda e estrategista de marca. Não abre mão de acompanhar os sons do agora. Joga tarô e já foi host de podcast.

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