Bob Mould surge raivoso, urgente e necessário em 'Blue Hearts', seu 14º álbum de estúdio

Inquieto, Bob Mould lançou seu décimo-quarto trabalho de estúdio

Bob Mould
Blue Hearts
⭐⭐⭐⭐⭐ 5/5
Por  Luciano Cirne 


Talvez vocês, amigos(as) leitores(as) não tenham reparado, mas eu tenho uma curiosa sina aqui no ROCKONBOARD: Toda vez que Bob Mould lança um novo trabalho, sou convocado para fazer a resenha! Não que eu me importe, muito pelo contrário, fico sempre satisfeito pois quem me conhece sabe o quanto admiro esse inquieto senhor. E esse adjetivo "inquieto" resume bem o que Blue Hearts, seu mais recente álbum, é. Em nenhum dos discos anteriores Bob soou tão raivoso e desesperançoso. É quase como uma sessão de terapia ou um grito de desespero de alguém que não aguenta mais ver o mundo pegando fogo a sua volta.


A sensação de angústia é constante e permeia a obra mesmo nos momentos de sonoridade mais tranquila, como na faixa de abertura "Heart on my sleeve", com sua letra contundente alertando contra mudanças climáticas e a ganância do governo americano que observa tudo sem fazer nada (parece familiar?), em versos como "A costa esquerda está coberta de cinzas e chamas / continue negando os ventos da mudança climática / o sul está afundando no mar / mas você não acredita em mim" e até quando ele fala sobre amor e relacionamentos, caso de "When You Left" e "Everything To You", há, ainda que sutilmente, uma nuance política e de revolta por trás, como se quisesse passar a mensagem que só mesmo tendo alguém ao lado que te aceite e te dê amor pra conseguir passar incólume por tempos tão turbulentos.

 
Até agora só comentei as faixas mais tranquilas, porém é nos momentos mais 'porrada' que o bicho pega pra valer. Grande exemplo disso é "American Crisis", com sua letra direta que coloca o dedo na ferida sem meias palavras no governo dos EUA, nos pastores evangélicos picaretas e nas mentiras que são espalhadas dia e noite nas redes sociais que dividem e polarizam cada vez mais a população (de novo, parece familiar?). 

"Password To My Soul" é outra que deixa claro como o estado das coisas parece ter mexido com a cabeça de Bob. Afinal, ninguém gravaria um verso como "Essa crise constante me deixa frágil, com medo e fraco / Tento tanto me segurar, mas caio no fundo do poço" impunemente. Outros grandes destaques são as nervosas "Forecast of Rain", "Siberian Butterlfy" e a belíssima "The Ocean", a única que ultrapassa os três minutos de duração e que encerra "Blue Hearts" com chave de ouro maciço.

Talvez eu esteja exagerando, mas vamos lá: Se não fosse pela mixagem ruim, que deixou a voz de Mould enterrada ao ponto de às vezes não conseguirmos entendê-la, estaríamos diante de um dos melhores álbuns de rock dos últimos vinte ou trinta anos. Seu 14º disco solo é uma obra que consegue ao mesmo tempo ser urgente, nervosa, atual e sobretudo necessária nesses tempos cada vez mais obscuros em que vivemos, e apesar disso (ou por causa disso, quem sabe?), ter a energia dos discos clássicos de punk e hardcore dos anos 1980, chegando a soar quase que como um disco perdido da sua seminal banda Hüsker Dü

Bob Mould é um compositor preciso e conciso, com um dom único de compor canções com estruturas simples que grudam no ouvido e de novo, não decepcionou. É disparado o seu melhor trabalho em muito tempo e vai tranquilamente para a lista dos melhores de 2020!

Luciano Cirne

Jornalista, ama cachorros e aceita doações de CDs, DVDs, videogames e carrinhos! Possui textos publicados na revista Rock Press, no jornal International Magazine, no Portal Rock Press, no Pop Fantasma, no Célula Pop e aqui, no site Rock On Board, desde 2014.

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