CRÍTICA: Os erros e acertos do filme "Bohemian Rhapsody"


O ator Rami Malek encarnou Freddie Mercury de forma honrosa
Por Rosangela Comunale

“Ele era um gênio mesmo, né?”, sussurra a voz de um espectador ao fim da cena em que Freddie debate com seus colegas de banda como, afinal, ele imaginava a canção título do filme “Bohemian Rhapsody”.  Eu, que sempre observei, incólume, a todo o mise-en-scène do líder do Queen em clipes e vídeos de shows, nem me deixei levar muito pela expertise  demonstrada na tela na pele do ator Rami Malek. Este, aliás, reencarnou Freddie Mercury, morto há exatos 27 anos, de modo bem caricato com lentes de contato e dentes que mais pareciam “ovnis” em sua boca. E, de fato, o intérprete, chegou a revelar o desconforto em entrevista no programa  de televisão de Ellen DeGeneres "Foi difícil cantar, falar, beijar com eles", afirmou. "Mas gostei tanto deles que, no final, quase que me sentia despido sem os ter postos", confessou.

O início do filme, impactante, com amplas cenas do Live Aid e gatos por todos os cômodos de uma casa (meus animais preferidos) já davam sinal de que o apelo emocional  estaria chegando. A impressão é de estar mesmo numa volta ao tempo e naquele concerto. Tanto é que, desde o último dia 17, a rede Cinemark resolveu oportunizar aos fãs uma versão Karaokê do filme. Para quem curte, vale a dica desta versão.

Bom, voltando ao filme propriamente dito, amor sublime pela eterna namorada Mary Austin, a relação conflituosa com sua sexualidade, a pressão da mídia e a consequente solidão mostraram um Freddie frágil, apesar de cheio de autoestima, talento, empreendedorismo e liderança. E, talvez, estas sejam as tônicas verdadeiras da película que vem arrebatando públicos diversos pelo mundo.

Com um roteiro desestruturado e personagens fictícios, está longe de ser uma fiel cinebiografia do cantor. Pelo contrário, para quem não entende bem do assunto,  a obra chega até a colaborar para interpretações indevidas. Eu, que nem sou fã ardorosa dos caras, questionei vários fatos e, sim, fui pesquisar pois pareceram-me duvidosos. Por isso, vamos mostrar alguns pontos que não batem com a realidade dos acontecimentos:
 
- Rock in Rio: O novo look de Freddie, com cabelos curtos e bigode, aconteceu antes do Rock´n Rio e, não, depois.

- Ele não conheceu Mary Austin (Lucy Boynton )na mesma noite que os membros de banda. Na verdade, ele frequentava a boutique Biba  na qual ela trabalhava. Ela, inclusive, já havia tido um rapport antes com Brian May (Gwilym Lee).

- Antes do Live Aid, a banda não estava separada  e, seus integrantes estavam sim, trabalhando paralelamente em carreiras solo.  Segundo a biografia de Lesley Ann-Jones chamada “Mercury”, o grupo fez uma pausa real depois do álbum Hot Space, de 1982. Em seguida, voltaram um ano depois para gravar “The Works”, que conta com a faixa “Radio Ga Ga”.
       
- Nunca existiu o personagem Ray Foster (Mike Myers) e também não houve momento de contrato de 4 milhões de dólares  em que Freddie sucumbiria à tentação de aceitá-lo. Aliás, nunca teve um término oficial da banda.
       
- Freddie não conheceu Jim Hutton (Aaron McCusker) enquanto trabalhava como garçom nas esbórnias promovidas por ele. Os dois se encontraram, pela primeira vez, num numa boate mas Hutton não reconheceu o rock star e até recusou um drink oferecido por ele. Em entrevistas, alegou ser comprometido na época. Reencontraram-se um ano e meio depois, também numa boate, e aí começaram o relacionamento.
       
- Mercury descobriu ter contraído o vírus HIV em 1987, ou seja, dois anos depois do Live Aid. No filme, a história mostra que o diagnóstico foi dado antes.
    O desencontro de informações talvez possa ser explicado pela saída de Bryan Singer no projeto algumas semanas para o término da produção que acabou ficando nas mãos de Dexter Fletcher.  Mas, como a indústria cinematográfica também está atrelada a cifras e melodramas, há também de se considerar o fato de que, na lógica dualística de vilão x mocinho, alguém  teria que cumprir esta parte. E a partir desta premissa, teríamos o personagem Foster (Mike Meyers), Paul Prenter (Allen Leech), parceiro e empresário pessoal e até o próprio Freddie pegariam a parcela de algozes.

    De certo, nem tudo é ficção em Bohemian Rhapsody, claro: a adoração de Mercury por gatos, chegando a personificá-los, o grande show do Live Aid com um dos maiores públicos na história do rock´n roll e até mesmo o fato de o cantor ter 4 dentes a mais (sim, ele realmente acreditar que isto impactava na ressonância de sua voz, por mais bizarro que possa parecer). Fiel ou não, a cinebiografia vem sendo aclamada pelo público.  A bola dentro do filme, ao contrário do que aconteceu com  Cazuza- O tempo não pára,  poupou as prováveis cenas sofridas dos dias finais de sua vida. Inclusive as que poderiam remeter a quando, na véspera de sua morte, resolveu, finalmente, publicar seu real status de saúde, comprometida por decorrências de infecção pelo HIV.

    Se vale a pena assistir? Sem dúvida. Para quem curte um bom rock´n roll, sendo ou fã ou não do Queen, o filme garante reflexões sobre valores da vida e relações humanas, principalmente, quando se chega ao topo.

    Bruno Eduardo

    Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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