É dele e para ele! Novo disco do Cólera é melhor tributo que Redson poderia ter um dia

Cólera retorna com "Acorde! Acorde! Acorde",  primeiro disco sem Redson
Por Ricardo Cachorrão Flávio

Esse é um álbum que me trás uma mistura de sentimentos e reações. Estou junto da banda há muitos anos, somos amigos próximos e me considero parte da “família Cólera”, vi este projeto nascer por volta de 2006, ouvi histórias, planos, sonhos. Tudo interrompido de forma abrupta e inesperada em setembro de 2011, com a morte precoce do mentor de tudo isso, Edson Lopes Pozzi, o Redson, aos 49 anos.

Lembro claramente das palavras do Reds, todo empolgado, sempre que nos encontrávamos: “Cachorrão, farei uma parada louca, ninguém espera isso, será a ÓPERA DO CAOS, uma ópera punk, músicas interligadas, uma história contada com início, meio e fim, saca, man? Esse disco vai chamar Acorde! Acorde! Acorde!”

Acorde! Acorde! Acorde!, é um título de duplo sentido, primeiro seria um grito de ordem, para o ser humano acordar e se mexer contra tudo o que está errado, sair da zona de conforto, não ser guiado e obedecer passivamente a tudo o que o oprime. E num segundo ponto, é para lembrar musicalmente o punk rock, os três acordes básicos da música, que são o fio condutor, mas não são únicos, pois, em constante evolução, o Cólera trás sempre novas tendências e sonoridades, neste trabalho, além da pegada forte de sempre com baixo, guitarra e bateria, temos um trio de metais trazendo um ar de novidade.

Voltando no tempo, fico me lembrando das inúmeras vezes em que o Redson mandava mensagem via MSN: “está de boa, man? Passa aqui em casa pra trocar ideia... trás cerveja”! E assim era... 12 cervejas normais pra mim, meia dúzia pra ele, sempre escura! Nas caixas de som, New Model Army e Mestre Ambrósio... E senta que lá vem história a noite inteira! Boa parte do que é o punk rock brasileiro ainda está dentro daquelas gavetas, hoje sob a guarda do menino Wendel, fiel escudeiro muito antes de substituir o mestre! Os moldes das capas dos clássicos “Grito Suburbano”, “Sub”, “Tente Mudar o Amanhã”, “Cólera & Ratos Ao Vivo”, “Pela Paz em Todo Mundo”, tudo ali em minhas mãos! As fotos originais, fanzines diversos, que ele mostrava com orgulho e um largo sorriso no rosto!

Toda a satisfação com o passado nunca o impediu de pensar adiante, e era aí que sempre chegávamos em “Acorde! Acorde! Acorde!”, e o sonho da ópera do caos! “preciso terminar umas letras, mas teve ensaio e gravamos isso aqui, diz aí o que você achou”, e lá estava eu ouvindo demos embrionárias do que hoje é realidade! Honra é a melhor definição que tenho.

Quando fui informado de seu falecimento, e fui a terceira pessoa a saber do fato, antes mesmo da família, incumbido de passar a notícia adiante, me veio o pensamento: e agora? Acabou?

Foi uma noite de tristeza extrema. Já pela manhã o pai dele se aproximou, não me conhecia, e perguntou educadamente: “Te vi a noite toda ao lado do meu filho, o senhor era amigo dele?”. A resposta foi direta: “Seu filho foi muito mais que meu amigo, é referência e influência, muito do que sou hoje, é graças a ele”. Cumprimentou-me e agradeceu. Acredito que ele não tinha noção do tamanho do legado que o filho estava deixando, ver aquele cemitério lotado de punks de todas as idades mexeu com ele, que pediu ao Pierre na hora de fecharmos o caixão: “Carlos, você pode pedir para seus amigos cantarem aquela música da paz?”. E assim foi, centenas de vozes cantando entre lágrimas, “Pela Paz em Todo o Mundo”! Seis foram as pessoas que carregaram seu caixão: eu, Pierre, Val, Ariel, dos Invasores de Cérebros, Clemente, dos Inocentes e Finho, do 365. E foi ali mesmo que Val e Pierre decretaram: “não é o fim, esse grito nunca será em vão, vamos em frente”.

Anos se passaram e com a formação estabilizada, que conta, além de Pierre e Val, na bateria e baixo, com Wendel Barros, voz e Fábio Belluci, guitarra, e é hora de retomar o que havia ficado parado. A entrada do garoto Fábio na banda, a partir de 2014, tem muito a ver com essa retomada, o menino trouxe um novo vigor e inquietude, é hora de “ACORDE! ACORDE! ACORDE!”

Para falar do disco, é importante mencionar a parceria com o selo EAEO Records e seu responsável, outro menino, o João Noronha, produtor do novo álbum, que trás um trabalho extremamente bem gravado. Bom lembrar que o selo é responsável, também, pela remasterização e reedição de todo os catálogo do Cólera, que pode ser encontrado em todas as plataformas digitais para audição.

Com previsão de chegada das cópias físicas em 21/03/2018, desde o dia 16/03, “ACORDE! ACORDE! ACORDE!” foi oficialmente lançado em todas as plataformas digitais e o que se ouve é o Cólera, puro e simples, com a mesma pegada de sempre, mas com uma qualidade de gravação pouco vista antes, está acima da média.

Para quem sempre acompanhou a banda ao vivo, a trinca que abre o disco não é totalmente desconhecida, pois foram tocadas algumas vezes em shows: “Somos Cromossomos”,”Festa no Rio” e “Capacete Vermelho”.

A música de trabalho do disco, “Somos Cromossomos” é urgente, trás uma chamada de baixo bem característica da banda, Pierre destruindo tudo na bateria e backing vocals e Fábio e o Wendel fazendo na guitarra e vocal o que se esperaria do Redson, os garotos estão ótimos! Quando ouço “Festa no Rio”, lembro-me da sua origem e a necessidade da banda de agradecer aos cariocas todo o carinho com que sempre os receberam. O Rio de Janeiro chegou a ser “casa” do Cólera numa boa fase dos anos 80, quando ficaram anos sem tocar em São Paulo em virtude de tanta confusão e brigas no movimento.

Vale lembrar que além do Redson, Val, Pierre, Wendel e Fábio, aparece como co-autor de algumas faixas o amigo Alonso Góes, baterista e técnico de som do Cólera, Plebe Rude, Inocentes, dentre outros. O “Low” sempre foi um cara presente, e tocava bateria na super banda-tributo ao The Clash, a Combat Rock, formada pelo Redson, Clemente (Inocentes / Plebe Rude), Ari Baltazar (365), Mingau (Ultraje a Rigor). “Creation” é uma dessas faixas.

“Mil Turbulências” empolga com a metaleira presente neste autêntico ska-core! E o Wendel cantando num ritmo rap no meio da canção é outro diferencial que ficou ótimo, já é das minhas favoritas. Supressão” e “Ska-Metal” são a sequência e mantém o bom nível do disco, guitarras cortantes, boa marcação de baixo e bateria e o Wendel cantando cada vez mais parecido com o Redson. Essas faixas preparam o terreno para a esperada “ÓPERA DO CAOS”, que é o que vem a seguir, cinco faixas seguidas, interligadas, o sonho do “Filho Vermelho” realizado.

Mr. Gamble”, “Mezza Mezza”, “Fá Dó Lá”, “O Caos” e “Hino”, são as faixas que compõe a ópera punk, e dá uma grande satisfação ouvir isso pronto e gravado, passando por cima de toda desconfiança e críticas de tanta gente que não queria que a banda se mantivesse na ativa, mesmo sem conhecer as pessoas que estão por trás disso tudo, sem saber o quanto significa a cada um deles, preferiram os chamar de “oportunistas”, mas, está aí, o Cólera está vivo, Redson vive através de sua música e letras. O grito não foi em vão!

E para finalizar, uma grande e grata surpresa, como bônus, vem a repetição das três primeiras faixas do disco, mas aqui nas versões demo originais, de 2009, com a voz e a guitarra do Redson, e é difícil para quem o conheceu segurar a emoção, e, como me disse o Val logo após eu ouvir todo o disco e comentar minha emoção: “Cara, ninguém mais do que o Redson merecia estar nesse disco, isso é dele e para ele”.

Este é o CÓLERA! Forte e grande é você!
Cotação: 

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

1 Comentários

  1. PArabéns !!! No sepultamento do Red, lembro da galera cantando Águia Filhote com o verso
    " O mundo da volta e a gente volta pra se reencontra ... E a gente volta pra se reencontrar" foi um dos momentos mais emocionantes hummm. SOMOS VIVOS !

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