Discos: Garbage (Strange Little Birds)

Foto: Divulgação
Garbage mantém vigor noventista em seu novo e ótimo disco
GARBAGE
Strange Little Birds
Stumvolume Label; 2016
Por Lucas Scaliza




A banda americana Garbage é um dos nomes mais interessantes do rock alternativo dos anos 90 e precisou de apenas quatro álbuns para isso. A estreia do grupo aconteceu num momento em que o grunge ainda estava muito presente no cenário musical americano, mas começava a dar espaço para outras vertentes do rock. Na mesma época, o rock chamado industrial, com influências da música eletrônica, também conquistava seu nicho de público com Trent Reznor, Marilyn Manson e diversas outras iniciativas da música eletrônica tanto nos EUA quanto na Europa. 'Garbage' (lançado em 1995) virou um clássico para a banda e para aquele momento da história, congregando aspectos deixados pelo grunge ao mesmo tempo que já apontava para o futuro. Após uma pausa, voltaram em 2012 com Not Your Kind Of People, álbum que atestou como o quarteto ainda era o mesmo e fazia música vigorosa. 

Strange Little Birds mantém o vigor do grupo e ainda consegue ser tão urbano e sombrio quanto os primeiros discos, mas dessa vez sem soar experimental. Butch Vig (bateria, sintetizador e produção), Steve Marker (guitarra), Duke Erikson (guitarra) e a icônica Shirley Manson mostram composições maduras e atestam como a banda está totalmente no controle do que criaram, misturam guitarras com distorção, groove e muitas texturas eletrônicas.

Apesar de possuir músicas que pedem para ser cantadas junto do público e compartilhadas com as pessoas, como o single “Empty” e “We Never Tell”, a maior parte de 'Strange Little Birds' é íntima e confia na relação do ouvinte com a voz de Manson e a forma como Vig, Erikson e Marker usam seus instrumentos, como já deixa claro a atmosférica “Sometimes”. Não é nada raro ouvi-los trocando seus instrumentos por sintetizadores, teclados e baterias eletrônicas. Duas da melhores músicas do disco comprovam a maturidade da manipulação eletrônica no contexto da banda. “So We Can Stay Alive” tem tanto estouros de guitarras distorcidas realmente pesadas quanto batidas eletrônicas programadas, solos com timbres metalizados e sintetizadores clubbers. “Night Drive Loliness” começa com um riff à Marilyn Manson, depois cai em versos bastante melódicos, refrão em que a voz de Shirley é quase um sussurro, acompanhada por guitarras barulhentas e sintetizadores que parecem vozes sombrias ao fundo. O trabalho acaba soando como um misto de ameaça e melancolia que definiram o clima down e urbano do Garbage há 21 anos e que volta com tudo agora.

So We Can Stay Alive” tem uma das letras mais distópicas do disco. É onde Shirley Manson reflete sobre o estado das coisas, da decadência do país e da fragilidade da sociedade e do indivíduo, tocando também no tema dos direitos humanos. E “Night Drive Loliness” veio de uma carta que uma fã russa de 19 anos da banda deu à cantora após um show. No texto, ela descrevia como era dirigir pela cidade e pensar no sofrimento a partir dos locais que visitava.

A introspecção também é exercida com um misto de eletrônica e banda, fazendo quase um chill out em faixas como “If I Lost You”, “Magnetized” e na excelente “Even Though Our Love Is Doomed”, composição de Vig (música e letra) e que usou a primeira versão de ensaio de Manson como linha vocal final. Se você é fã quase que exclusivamente do lado mais roqueiro da banda, não se deixe enganar. Mesmo nessas músicas mais eletrônicas temos não um computador executando a música pela banda, mas a mão de Erikson, Marker e Vig trabalhando para moldar sonoridades e criar ritmos. “Teaching” é tão bem moldada no techno pop que poderia estar num disco do Moderat.

Apesar das comparações que se possam fazer com o début de 1995, não espere ver Stranger Little Birds soar como Garbage ou como anos 90. Butch Vig e Shirley Manson são experientes o suficiente para não caírem nessa armadilha. O novo disco é um produto de nosso tempo, musicalmente e no conteúdo das letras que claramente mostram uma banda de quarentões tão descontentes com o mundo e a cultura atual quanto muitos dos jovens que estão descobrindo o Garbage agora. As músicas ainda são, definitivamente, rock alternativo, mas há uma predominância do eletrônico. O que há de mais parecido em 2016 com 1995 é, assim, a atitude contestadora – o que não é pouca coisa, já que a maior parte dos rockstars com 20 anos de carreira acabam estacionando, se acomodando, não querendo mais incomodar ninguém e nem contestar o status quo do qual também fazem parte.

Strange Little Birds é um disco para quem não se encontra no mundo atual e se sente meio perdido. Se você anda refletindo bastante sobre isso, saiba que não está sozinho(a). O Garbage te faz companhia e promete te manter angustiado(a).

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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