Em show memorável, Morrissey oferece espetáculo sublime e perturbador

Foto: Alessandra Tolc

Por Bruno Eduardo

Recentemente, foi divulgado que Morrissey estaria à beira da morte. Inclusive, correram boatos na internet de que ele teria realmente batido as botas. Tudo isso, motivado por um câncer e diversos cancelamentos de shows - incluindo o Brasil, em 2013. Morto? Balela! O icônico cantor do The Smiths está vivaz, radiante e afiado. Em cima do palco, Morrissey ainda é capaz de causar gritos histéricos de fãs e desmaios (sic). E faz sangrar. O número que ele apresentou no Metropolitan nesta terça-feira é digno de moldura. A voz aveludada está mais do que presente - em dia mesmo - e o discurso ainda é capaz de atingir estômagos sensíveis e desafiar o óbvio. Mas o que Morrissey propõe ao público em seus shows? Respondo: Arte em todos os aspectos - rica em musicalidade e altamente perturbadora.

Na abertura, nada de banda convidada, apenas uma tela de projeção gigante que exibia clipes antigos, como Jefferson Airplane, Ike & Tina Turner e New York Dolls. Até que foi legal ver uma montagem de tudo o que inspirou o cantor ao longo dos anos, mas as coisas realmente ficaram interessantes para o público quando as luzes se apagaram e ele surgiu - com uma blusa em decote V e ostentando o seu generoso topete - ao som de "Suedehead", do magnífico disco de estreia, Viva Hate. A seqüência com "Alma Matters", e o hino smithiano "This Charming Man" já tinha descabelado os fãs, que grudados na grade, tentavam chamar a atenção do cantor sempre que podiam: "Morrissey, quero você para mim!", suplicou um dos apaixonados. 

A composição do palco foi outro destaque. Além de um telão de ponta a ponta com imagens que iam se modificando a cada música, eles também utilizaram muito bem as luzes. Já a banda de apoio do cantor, ajudou a causar um efeito interessante ao espetáculo - tanto visual (pelos figurinos) quanto musical. Em "Speedway", por exemplo, coube ao multi-instrumentista colombiano, Gustavo Manzur, a tarefa de cantar os últimos versos da canção. A atmosfera pesou um pouco em "Ganglord", onde o telão exibia uma série de abusos policiais de todos os tipos - contra mulheres, jovens, animais e deficientes físicos. Nesse momento, era possível ver fãs evitando olhar para o telão, tamanho era o efeito de angústia que as imagens provocavam. O mesmo aconteceu em "Meat is Murder", hino do The Smiths que luta pela causa animal. A execução da música foi acompanhada por cenas tiradas de diversos matadouros. Inclusive, há relatos de que uma fã teria desmaiado na apresentação de São Paulo. O vídeo, recheado de sofrimento animal e muito sangue, termina com uma mensagem em português: "Qual é a sua desculpa agora? Carne é assassinato!". Este tema é um dos preferidos do cantor. Camisas com estampas de touros assassinando toureiros foram as mais vendidas pela produção de Morrissey, e no palco, sobraram citações a cultura dos espanhóis.

Embora se ampare num violento discurso, Morrissey surpreende em gestos gentis e canto macio. De poucas palavras, o cantor chega a interromper a apresentação para distribuir autógrafos na beira do palco - assinando capas de discos, bloquinhos, fotos e cartazes. O show desta noite faz parte da turnê de divulgação de seu último álbum, World Peace Is None Of Your Business - o mais citado na apresentação, com sete músicas. O repertório ainda conta com um cover de Elvis ("You'll Be Gone") e chega ao fim de sua primeira parte com mais uma consagrada pelos Smiths, "What She Said".

No bis, eles voltam homenageando a capital francesa com "I'm Throwing My Arms Around Paris" e explodem no hino "The Queen Is Dead" - com Morrissey sem camisa. Olho para o lado e vejo uma fã em lágrimas, e noto que era mesma que se recusava a olhar imagens de animais sendo abatidos. Ali, naquele momento, havia a certeza de que a euforia tinha vencido afinal. Isso sim, pode ser chamado de entretenimento de primeira.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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