Mogwai proporciona catarse sônica no Circo Voador

Foto: Loquillo Panamá / Rock On Board
 
Fazendo post-rock há quase 30 anos, o Mogwai não é apenas uma banda; é um fenômeno de engenharia sonora, com um legado marcado por um catálogo aclamado de álbuns, como As The Love Continues (2021) e o mais recente projeto, The Bad Fire (2025).

​Às 21h da noite de 5 de novembro, o Circo Voador, no Rio de Janeiro, transformou-se em um epicentro do post-rock sísmico. A lendária banda escocesa começa as primeiras notas de "God Gets You Back" sem muito alarde nem anúncio. Desta vez, para uma performance noturna, íntima e visceral, um verdadeiro terremoto, em contraste com a apresentação contemplativa ao ar livre em São Paulo, no festival Índigo [saiba como foi o show do Mogwai em São Paulo] e, claro, com som mais baixo, no Parque do Ibirapuera.

​O público presente, uma verdadeira reunião de fãs do gênero, ostentava camisetas do Loveless, Alcest, Sigur Rós, Arcade Fire, Fugazi e Portishead. Uma cerimônia indie ou o line-up desejado para um futuro festival.

A atração principal, contudo, foi o próprio som da banda e a acústica do local. O volume, notoriamente excessivo para os padrões convencionais, era, paradoxalmente, cativante. O Mogwai usou o espaço confinado a seu favor, transformando a famosa casa de shows da Lapa numa câmara de ressonância sônica. A experiência era quase tátil: a trepidação sonora das caixas fazia o piso de madeira do Circo reverberar intensamente, com o crescendo instrumental arrastando a plateia em uma dança sonora hipnotizante.
 
Foto: Loquillo Panamá / Rock On Board
 
​Sim, na terra do samba, fãs de Mogwai dançam — sozinhos, em grupo ou até de olhos fechados. Mãozinha para o alto, batendo cabeça; em alguns momentos, parecia que o povo ia coreografar passinhos (baile tradicional dos anos 80/90, usado para dançar synth-pop e house).
Enquanto isso acontecia na pista do Circo, o Mogwai fazia sua barulhada orquestrada no palco, adicionava instrumentos e camadas de espessura sonora em crescentes monumentais para atingir ápices de densidade, sem nunca soar descontrolado.

A alternância de volume — o dedilhado lo-fi que desce para depois subir descomunalmente — foi sentida em um nível mais físico, com a distorção e o peso do post-rock atingindo a catarse máxima. Longe de afastar, o som parecia abraçar o ouvinte, convidando-o ao extremo (provavelmente por isso muitos dançavam). Bastante hipnótico, podendo chegar ao cântico de ninar, porém com decibéis de um quarto de máquinas ruidoso de uma fábrica.

É por isso que estamos aqui esta noite: Mogwai sabe como criar uma experiência ao vivo assustadora e ao mesmo tempo encantadora. A banda exibia seu poder sônico: de um lado, amplificadores Marshall do guitarrista Stuart Braithwaite, que falou "obrigado" praticamente após cada uma das canções da noite. Por cima deles, uma bandeira da Palestina; alguns fãs gritavam "Free Palestine". Do outro lado, três amps Orange, reforçando a poderosa parede sonora dos outros músicos.
 
Foto: Loquillo Panamá / Rock On Board
 
Aproximadamente após 50 minutos de show, o público foi envolvido por "Remurdered", que se estendeu em quase cinco minutos de uma faixa que remetia a uma trilha sonora futurista dos anos 80, evoluindo para um transe eletrônico e hipnótico. Depois de experimentar com vocoders, mudar de instrumentos, de teclado para guitarra, por exemplo. E aquela nota de piano no fundo que drasticamente muda a atmosfera climática do som que vem do palco.
​Agradecem e anunciam o final do set, adicionando mais uma guitarra ao palco para as últimas canções. A intensidade se elevou a níveis de show de metal, com a plateia batendo a cabeça ao som de "We're No Here" e "Lion Rumpus", embalada por solos de guitarra de timbres quase industriais.
O segundo bis, composto por duas faixas, começou com o momento sagrado e vocalizado de "Ritchie Sacramento". O grande final explosivo veio com "Mogwai Fear Satan", que em seus mais de dez minutos, demonstrou a perfeição dinâmica do grupo, alternando entre o minimalismo silencioso e a mais pura catarse ruidosa. Com luz vermelha e urros de satisfação, a missão estava cumprida.
A sabedoria de levar tampões de ouvido para um show indoor do Mogwai é uma tática eficaz. Com a idade, sabemos que isso garante aos tímpanos, que eles continuem sobrevivendo a shows também em casas fechadas. Que resistem a violência sonora de um Slayer, ou à turbina do Motörhead; e ao blast beat Gaba do Atari Teenage Riot, não fossem para o espaço. 

Para quem acompanhou ambas as apresentações no Brasil, o show do Circo Voador mostrou uma "alteração profunda na percepção e nos sentidos" com a força bruta do rock experimental, reforçando a maestria dos escoceses em serem, simultaneamente, um portal para a natureza e um martelo demolidor de sentidos.
 
Foto: Loquillo Panamá / Rock On Board
 
SET LIST COMPLETO (Circo Voador 5/11/2025)
 
  • "God Gets You Back"
  • ​"Hi Chaos"
  • ​"I’m Jim Morrison, I’m Dead"
  • ​"How to Be a Werewolf"
  • ​"Pale Vegan Hip Pain"
  • ​"Cody"
  • ​"2 Rights Make 1 Wrong"
  • ​"Summer"
  • ​"Fanzine Made of Flesh"
  • ​"Remurdered"
  • ​Bis 1:
  • ​"We’re No Here"
  • ​"Lion Rumpus"
  • ​Bis 2:
  • ​"Ritchie Sacramento"
  • ​"Mogwai Fear Satan"

Loquillo Panamá

Nômade agregador de ritmos musicais e fanático por shows. Está sempre correndo atrás de novidades para multiplicar e informar os amantes de boa música.

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