Nenhum artista, nem o mais inocente deles, compõe uma faixa como "Hello Heaven, Hello" e a coloca como abertura de seu disco à toa. Com seus nove minutos de duração e mudanças quase que surpreendentes, Yungblud a usa como uma declaração: ele pode ser um grande artista com aspirações realmente artísticas, trafegando com dignidade entre o rock e o pop, a superprodução e o espírito punk. É o tipo de faixa que faz o ouvinte perceber que o jovem inglês não se resume a pop punk. E fica ainda melhor.
O que se segue ao manifesto de abertura é um desfile de ótimas composições. Idols é o álbum que mostra toda a ambição de Yungblud em se posicionar como um roqueiro que não é (e não quer ser percebido) como descartável ou modinha de uma geração. Ele reverencia clássicos do estilo e consegue habilmente fazer cada uma das faixas soar contemporânea. E atinge esse resultado promovendo um casamento entre preocupação com a composição e uma bela produção, consciente do material que tem em mãos, sabendo quando dar um empurrão em tudo (como as partes orquestradas) e quando manter os pés no chão, fazendo os instrumentos e a voz de Yungblud soar orgânicos, humanos, como se tivessem deixado pequenas imperfeições tomarem conta da faixa. E são essas pequenas imperfeições, detalhes, que estalam nos ouvidos.
Acima de tudo, Idols traz Yungblud esbanjando carisma e melodia de sobra. Sua interpretação vocal vai de Blink 182 a Liam Gallagher, emulando a juventude de um Iggy Pop. Faixa após faixa, testa limites entre gêneros musicais e apaga com cuidado as linhas de fronteira entre eles. Combina o clássico do rock e do britpop com a abordagem mais moderna do indie e do alternativo ("Ghosts", "Lovesick Lullaby", "Fire"). E em "The Greatest Parade" pensei que ele tinha convidado Brian Molko, do Placebo, para cantar. O alcance e a tessitura vocal de Yungblud é explorada nesse disco mais do que nos três outros registros dele.
Yungblud já mostrou material no passado que não era grande coisa. Sempre ficou uma impressão de que era mais imagem e uma suposta marra do que qualidade musical. É difícil quebrar com essas impressões, sobretudo em um público mais velho de rock que não costuma dar chance para novas vozes. Contudo, o jovem se apresentou no evento de despedida de Ozzy Osbourne e Black Sabbath e surpreendeu ao cantar "Changes" por fazer isso respeitando a canção e ao mesmo tempo colocando sua marca nela, sem conflito.
Idols é o disco que aponta para esse amadurecimento em todas as áreas. É o álbum perfeito não porque todos e qualquer um que escutá-lo vai amar suas faixas. Isso não existe. Mas é perfeito por não ter faixas dispensáveis e sem personalidade própria, ao mesmo tempo que constroem, uma após a outra, uma fotografia de Yungblud muito mais preocupado com a qualidade da composição, variando os recursos de estilo e produção e garantindo que cada faixa tenha emoção. Em outras palavras, é um produto que empolga e serve de porta de entrada para um público mais exigente, que confia mais no canal auditivo do que no visual.
Toda a construção de seu quarto álbum durou quatro anos. Dominic Richard Harrison (nome real do cantor) se refugiou na cidade de Leeds, onde cresceu, e planejou tudo a partir dali e de vários sentimentos ao redor desse ambiente. A produção, e também cocriação das faixas, teve uma mão do produtor Matt Schwartz, que já tinha trabalhado com Yungblud em seu segundo disco. O resultado dessa vez é muito mais maduro e abre-se um novo olhar para o homem nu e tatuado na capa. Mais vulnerabilidade, menos marra à toa, e pegada muito mais consciente.
Com faixas que transitam bem desde o fone de ouvido até escalarem para arenas e estádios. E o público brasileiro poderá conferir isso não apenas ouvindo ao novo álbum, mas também em dezembro, quando Yungblud e sua banda desembarcam no país para abrir os shows do Limp Bizkit em São Paulo.