Algo entre 3 ou 4 mil pessoas ocupavam as pistas e camarotes do Espaço Unimed, na Barra Funda, em São Paulo. Era possível comprar na hora, na bilheteria da casa de shows, ingressos de meia entrada para qualquer uma das pistas. Algo pouco comum no mercado do entretenimento em São Paulo, atualmente. A congregação de fãs era para ver muito mais do que um mega hit de rádio que ofuscou o resto do catálogo da excelente banda de Glasgow, Escócia.
O Simple Minds não trabalhou o mercado brasileiro constantemente como A-ha, Information Society ou Simply Red, e assim, virou um grande desconhecido das multidões na América do Sul. Atravessar o atlântico talvez não fosse rentável para uma banda de arenas na Europa.
Turnê mundial e cancelamento no Rio
A banda decidiu fazer uma celebração antecipada de 40 anos do álbum de 1985 . A turnê comemorativa está com datas marcadas e esgotadas nos Estados Unidos e Europa no verão de 2025. A banda também fez apresentações no Chile e Argentina, e se dirige à cidade do México após a noite paulista. O Rio de Janeiro teve seu encontro cancelado por motivos logísticos, com o evento "Todo Mundo No Rio" e seu público recorde de mais de um milhão de pessoas na praia de Copacabana para ver Lady Gaga.
O Show
Às 19:58h desligam as luzes e o telão, que recepcionava o público com os símbolos da banda (a coroa, o mundo e o coração), começa a ficar borrado e fora de foco. "Waterfront", canção do sexto álbum em estúdio da banda, Sparkle in The Rain lançado em 1984, é a introdução para a noite da volta à São Paulo. Hoje o repertório visitará 8 dos seus 21 álbuns de estúdio.
A famosa e consagrada "Don't You Forget About Me" foi uma encomenda para a trilha sonora do filme "O Clube dos Cinco" de John Hughes, de 1985 e nunca foi incluída num álbum a não ser ao vivo. O Simple Minds lançou 12 discos ao vivo, incluindo o mais recente, de 2025 , Live In The City Of Diamonds, gravado na arena Ziggo Dome em Amsterdam, na turnê de 2024.
Sem avisar, São Paulo festeja os 40 anos do álbum Once Upon a Time de 1985. Mas isso só vamos saber ao final da jornada. Assim, vamos recebendo temas de diversas épocas sem anunciar a procedência ou o motivo.
O vocalista Jim Kerr, de óculos escuros e jaqueta de couro, dança a noite inteira, levanta os braços como um pastor fazendo bênçãos para a multidão, e fica de joelhos no palco constantemente, como faz desde os anos 1970.
Praticamente a noite toda, Jim passeia por toda a extensão do palco, de ponta a ponta, acenando e apontando para a plateia. São mais de 48 anos na estrada, e raras vezes tocam em locais pequenos como o Espaço Unimed.
Sem parar um segundo e com a ajuda da cantora de apoio, faz tudo ser mais espirituoso. Bem vindos à igreja do Simple Minds. O guitarrista Charlie Burchill - um dos membros fundadores da banda - faz múltiplos solos, riffs e dedilhados, preenchendo dinamicamente as novas interpretações do catálogo da banda. Poderia ser tão famoso como The Edge ou Johnny Marr, mas o Simple Minds nunca trabalhou o rótulo "Guitar Hero".
Exatamente como unidade, o Simple Minds usa todos os recursos com ajuda de teclados, violões e solos de guitarra para criar um som característico de Glasgow, Escócia. O baixo pulsante, post punk, de Ged Grimes e a bateria de Cherisse Osei deixam tudo mais visceral e moderno.
De 1984 pulamos para 2018, com "The Signal And The Noise", e vamos para 1984 novamente com "Speed Your Love To Me", e voltamos mais atrás, para 1982, com "Big Sleep". A plateia respondeu timidamente, não conhecem o catálogo "velho", mas o vocalista pergunta a noite toda: "Is everything okay?" (está tudo bem?). E respondemos o tempo todo com gritos, entre os "muito obrigado, São Paulo" e "deixem-me ver as suas mãos". Suavemente o veterano vocalista sabe o que está por vir, e gentilmente continua na sua dança tribal preparando o momento ecumênico.
Vamos para 1995 com "Hypnotized", talvez a última canção da banda a tocar nas rádios FM, no Brasil. Recuamos para 1980 com "This Fear Of Gods", e pulamos para 1995 com "She's A River". Para fechar o bloco inicial, "See The Lights" do álbum de 1991, Real Life.
Timidamente e sem muito alarde, Jim anuncia "Once Upon A Time", mas não avisa que vão tocar o album completo, ou o que estamos por presenciar. O telão mostra a capa do disco de 1985, e enfileiradas, cantam a faixa título, seguida depois por "I Wish You Were Here" e "All The Things She Said". (3 canções do mesmo álbum num bloco). O público não está percebendo o que está acontecendo, e tímido, reage acolá.
Um hino é sempre um hino
Chega o momento mais esperado: o "tra-lá-la" de "Don't You Forget About Me". A gritaria deixa a plateia em conexão direta com o palco, e Jim decide brincar eternamente com os fãs. Por mais de 4 minutos ficamos repetindo os "la la la". O vocalista fala "esta canção é bastante difícil, vamos a cantar em francês, agora em italiano, vamos em japonês, agora vamos baixinho" e todos continuam cantando "Don't You Forget About Me" até chegar ao clímax, quase aos 7 minutos, sob as instruções de "cantem agora em português brasileiro".
Quem queria somente ouvir esse verdadeiro hino dos anos 1980, poderia ter ido embora com a melhor versão ao vivo jamais ouvida pelo cliente. A banda sabe servir bem seu buffet musical para deixar todos vendo borboletas e amando o momento.
Mas para terminar o set básico, mais uma de "Once Upon a Time", "Ghost Dancing" com suas guitarras sempre confundidas com o som do U2 clássico. Falando da África do Sul e das crianças irlandeses, a letra sempre foi um protesto pela humanidade e os direitos humanos. A banda se despede e sai do palco sem muita ovação ou gritaria. Mas o público presente sabe que faltam mais clássicos. Batem palmas por algum tempo, mas o silêncio da espera deixa em dúvida se realmente teremos um bis.
Uns 5 minutos passaram, o Simple Minds volta para tocar "Dolphin" de 2005, e alguns começam a pensar se realmente a banda não vai tocar nada conhecido.
Jim acalma todos e diz: "podemos estender isto aqui?". Começa "Someone, Somewhere in Summertime", já há alguns buracos visíveis na cansada pista premium, e não são nem 21:30 ainda.
O vocalista pede "podemos tocar mais uma?" Começa a introdução de "Alive & Kicking", os urros e gritos se sentem. Sabemos que teremos mais cantoria pastoral e uma carga emocional de arrancar o fôlego, braços abertos, gritos e mais "la la la la lá parara oh". Novamente pedem licença e mandam para os retornos a sexta canção do "Once Upon A Time", "Sanctify Yourself", que se encarrega de fazer a limpeza espiritual final de uma noite que tentou não ser saudosista e nostálgica.
O Simple Minds deixou a sua marca no público presente que esgotou as camisetas oficiais de 200 reais e as piratas do lado de fora. E sim, "Não esqueceremos deles". Emocionante.