Nile Rodgers & Chic: avalanche de sucessos da maior banda de baile da história

Foto: Loquillo Panama / Rock On Board
 
Somente duas atrações do festival C6 - que aconteceu em São Paulo entre 22 e 25 de maio - se apresentaram no Rio de Janeiro: Kassa Overall, que tocou no Blue Note, e o lendário Nile Rodgers Chic Organization, que levou um bom público ao Vivo Rio. Quais são as chances de você presenciar um show onde as 20 ou 23 canções apresentadas ao vivo, no palco, foram hits globais? Assim é o show do Nile Rodgers, pela terceira vez no Rio, e a primeira fora do festival Rock In Rio.

Durante 1 hora e 30 minutos, a The Chic Organization, como chama o coletivo de músicos que o acompanha pelo mundo tocando as canções da sua autoria e produção, em homenagem ao seu primeiro projeto de sucesso global, Chic.

Uma introdução, em vídeo, mostrando as capas dos múltiplos discos gravados e produzidos por Nile Rodgers, com a narração de um locutor mencionando o título das diversas canções do repertório do Chic, empolga a plateia. O multi-instrumentista de 73 anos entra no palco explicando o que vai acontecer, vestindo sua touca branca por cima dos dreadlocks. Rapidamente fala ao microfone: "Quero ver vocês cantando e celebrando, estamos no Rio de Janeiro, não é?, vou mostrar muitas canções que tive a sorte de compor e produzir com artistas muito talentosos". A calorosa plateia carioca entra nos festejos e sabe que vai sacolejar o esqueleto. Muitos vestindo seus melhores "looks" com cetim, lantejoulas, muito brilho, maquiagem, e claro, também vemos muitas camisetas do Duran Duran, David Bowie, Madonna e Chic.

Repertório de discoteca

O show é feito em medleys, assim o início é com "Le Freak", "Everybody Dance", "Dance, Dance, Dance" e "I Want Your Love". Quatro mega sucessos do Chic, banda que Nile inventou em plena era disco music, inspirado na elegância que viu no Roxy Music. Chic dominou o planeta por 3 anos e foram inspiração para dezenas de artistas nas próximas 3 ou 4 décadas. O Vivo Rio explode em emoção, gritos, urros, todos cantam alto, muitos celulares filmando cada detalhe, mas o baile dos sonhos de todas as boates que passaram pela história de cada um dos presentes, está pulsando a cada nova canção apresentada. 

O medley dois é dedicado aos projetos com Diana Ross e Sister Sledge. Assim "I'm Coming Out", "Upside Down", "Greatest Dancer" e "We Are Family" fazem a casa de shows tremer de tantos pulos e passos de baile. Passaram 30 minutos do show e sinceramente poderia até terminar nesse bloco. Qual artista tem tanta munição para queimar assim para lançar logo de cara tantos sucessos seguidos tão rapidamente? Os músicos fazem malabarismos nos seus instrumentos em verdadeiras master classes de habilidades com muito groove, soul, funk. Sopros, teclados, baixo e bateria trincados numa batida impressionante, elegante e com pressão suficiente para derrubar um prédio.

As duas cantoras no palco com Nile fazem impressionantes interpretações de cada uma das canções do setlist. Cantoras de verdade sem auto tune ou backing tracks. Sem disputas ou rixas, um verdadeiro espetáculo de divas, elevando o show a momentos inesquecíveis, repito, sem nenhum recurso técnico para compensar absolutamente nada. Algo totalmente diferente em tempos em que multidões esgotam ingressos e lotam estádios para ver cantoras dançarinas fazendo mímicas.

Você pode até achar que Nile Rodgers não tem absolutamente nada rock no seu som, mas baixo guitarra e bateria podem tornar um esboço de canção em algo orgânico pulsante que nas rotações e decibéis adequados pode fazer teus ossos mexer até o balanço deixar tudo mais animado. A disco music foi durante anos vista como inimiga do Rock and Roll, quando na verdade nunca deixou de ser uma filha direta do Blues.
 
De David Bowie à Madonna

Foto: Loquillo Panama / Rock On Board
 
Chega o momento Madonna do show. Nile explica que queria que ela lançasse "Material Girl" como primeira música de trabalho e desse o nome ao álbum. "A Madonna me mandou para aquele lugar e exigiu "Like A Virgin" como primeiro single, e nome do projeto. Ela estava certa, posso cantar as duas canções?", pergunta para a plateia que continua extasiada mesmo no intervalo para ouvir a história toda. O que ninguém esperava era ouvir "Modern Love" de David Bowie neste bloco da Madonna - outros urros de satisfação no recinto (a canção está muito popular atualmente no Brasil, devido a sua inclusão na trilha sonora de uma novela, na voz de Zaho de Sagazan). Quem canta, com a voz muito parecida à do Bowie, é o tecladista. O saxofonista faz uma execução praticamente idêntica à gravação original (imagina como devem ser essas audições e práticas para ser membro da The Chic Organization!). Mais um golaço antes de completar uma hora de show. 

E o que mais pode entrar? Nile fala dos Grammys e da sua colaboração com Beyoncé, e começa o bloco anos 2000. "Cuff it" é emendada com "Get Lucky" do Daft Punk e mais uma vez a plateia dá um show de cantoria, imagens dos robôs franceses e do Pharrell aparecem nos telões que fazem desde o início do show parte importante da apresentação. O recurso visual faz um efeito bonito, com cortinas, espelhos, e zooms gigantescos dos músicos. Podemos por exemplo, ver o baixo do Jerry Barnes, explodindo na técnica sem palhetas e com muito bater de dedos (slapping) até na parede mais distante do palco.

O foco é uma jam session com sucessos de cinco décadas da obra do Nile. O baile eterno dos sonhos é uma benção infalível para rejuvenescer constantemente. Seguimos com mais Daft Punk, agora é "Lose Yourself to Dance" e vemos na pista mãos para o alto, coreografia de passinhos e muita diversão numa quinta feira às 22h. Voltamos para Sister Sledge com "Lost In Music" e aparece o esperado Duran Duran. "Notorious" ainda causa alegria em 2025. 

Para fechar "Soup For One", faixa do Chic , de 1982, que não foi muito bem nas paradas na época. Até que em 2000, o duo francês Modjo usou um sample na canção "Lady (Hear Me Tonight)" e foi sucesso avassalador nas raves e pistas. Ninguém esperava que o criador usasse a versão dentro do seu show. Nile rodgers e as vocalistas, Kimberly Davis e Audrey Martells fazem a transição ao vivo entre as duas canções que provavelmente nem o mais poderoso pro tools na mesa de um DJ conseguiria fazer com tanta destreza. 

A metralhadora de sucessos continua, porém, entra o momento dedicado aos ex- integrantes, já falecidos, do Chic, o baixista Bernard Edwards e o baterista Tony Thompson. Os músicos gravaram discos do Chic, Madonna, Sister Sledge e Diana Ross. Fotos de todos os músicos e cantores como os que Nile trabalhou são mostrados num carrossel de memórias num momento ecumênico, dezenas de fotos de festas e estúdios, selfies com Prince, Michael Hutchence, Stevie Wonder, David Bowie, Billy Idol, Cyndi Lauper, David Lee Roth, Madonna. Seria Nile o primeiro influencer antes das redes sociais? O desfile de canções continua: "My feet Keep Dancing", "Chic Cheer", "Love Like This" e "My Forbidden Lover".

A maior banda de baile da história 

Eis o momento em que a festa realmente chega ao clímax, o baterista Ralph Rolle começa a agitar a plateia: "batam palmas, gritem, estamos no Rio, né? Aqui vocês sabem festejar, aqui é a cidade do fervo". Após quase 3 minutos de interação e muita percussão e bateria. Ralph continua no microfone falando ao tocar: "vocês sabem esta canção, quero a ajuda de vocês, ela foi composta por um músico extraordinário que nos deixou muito cedo". Assim começa "Let's Dance", de David Bowie, com o baterista cantando perfeitamente, com vozeirão impressionante. O que restou da energia da plateia do Vivo Rio acende numa maré de hedonismo e alegria. Muitos esperavam somente por este momento. O raio vermelho do Bowie decora o telão, "Let' Dance" é cantada até o último refrão e o saxofonista novamente faz múltiplos exercícios de destreza. Estamos vendo provavelmente a melhor banda baile do planeta, e não estamos numa festa de formatura.

Para fechar o setlist ouvimos uma versão de "Good Times" com quase 10 minutos de extensão, ele mesmo fala a versão de 12 polegadas (um maxi mix). No meio da canção chama o Jerry Barnes e avisa: "agora vamos fazer um "'free style'" e começam a fazer solos de guitarra e baixo, soltando notas num desafio de cair o queixo. No intervalo começam a cantar "Rapper"s Delight" do Sugarhill Gang, que foi feita em cima de um sample de "Good Times" e foi a base do Hip Hop e Rap por décadas até chegar no "Aserege" de Las Ketchup / Rouge. Visivelmente emocionado com a plateia carioca ovacionando-os, decidem tocar "Le Freak" novamente, porém, completa. Ninguém quer ir embora. Nile fica no palco, tenta conversar com a galera na grade, assina um "Random Acess" do Daft Punk, entrega o set list para um fã e palhetas para outros, até ser retirado por um assistente do palco.

O melhor baile festa da Terra sempre teve um exímio mestre de cerimônias, o senhor NiLE RODGERS. O guitarrista e criador do CHIC é a verdadeira lenda viva da diversão. Um precursor do baile eterno que vivemos em boates e pistas de dança entre 1977 e 2017 e que não existem mais. Um sobrevivente do câncer, dos excessos com substâncias e bebidas, e da fragmentação da indústria do disco. Nile sempre soube reinventar regras e modalidades. Multi-instrumentista, compositor, diretor musical e produtor. Nunca faltou parceria para voar.

Um show da CHIC ORGANIZATION é uma avalanche de sucessos e garantia de celebração.

Loquillo Panama

Nômade agregador de ritmos musicais e fanático por shows. Está sempre correndo atrás de novidades para multiplicar e informar os amantes de boa música.

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