Lembro de, adolescente, querer fortemente uma calça jeans nova, justa e rasgá-la nos joelhos, para usar com uma meia arrastão por baixo. Nunca a tive. Acho que fiquei com pena de rasgar uma calça nova (na época não se vendiam farrapos por preços exorbitantes, ainda). Ai, ai...
O telão mostra cenas da extensa carreira da cantora e compositora Marina, hoje com Lima, quando despontou de uma MPB para as fileiras do pop rock. Fotos e mais fotos, sob o som de trechos de suas músicas rodando como um dial de rádio, com gente importante, com momentos importantes. E de repente: MARINA, sem o Lima, como nos velhos bons tempos, encerra o carrossel e diz ao público: o show vai começar. E a Marina que embalava os verões dos anos 80 irrompe no palco de blazer de largas ombreiras e calça cinzas, com uma aura eufórica, e grita "Chegou a minha vez". Demorou, Marina, demorou.
"À Francesa", clássica que indica de cara que é só a primeira dos próximos cerca de 60 minutos de pura nostalgia, revela também de cara a fragilidade de uma voz naturalmente rouca. Mas sua alma também se revela, ela está em fogo, e é isso que vai manter Marina no controle o tempo todo.
"Vamo botar pra quebrar essa porra", com um sorrisão enorme no rosto, dá um quentinho no coração de quem vê esse ídolo do passado tendo o seu spot ligado sobre si, merecidamente. Eis que uma bailarina surge no palco, para a execução da icônica "Fullgaz". Meio deslocada, sei lá. Já em "Fullgaz", Marina mostra a voz já ressentida, ressentimento esse ocasionado por lesões anteriores, provocando um abandono das melodias, lançando mão de frases e palavras faladas e jogando pra galera as notas mais altas.
"Pra Começar", canção que a alçou na segunda metade dos anos 80 como principal representante feminino do rock nacional (algo como a Pitty dos anos 2000) é tocada com um arranjo bem fiel à original, poderiam ter modernizado um pouco, para arrebanhar os mais jovens.
"Me Chama" cuja versão com Lobão sempre foi minha preferida, me dá uma ansiedade, se Marina alcançaria as notas. O backing vem em seu socorro, e a ajuda a segurar. Em seguida, Marina pega a guitarra e ao dedilhá-la, descobre-a muda e gesticula aos técnicos de som: "É um festival, AUMENTA A GUITARRA!". Não seria a última vez. A melodia de "Bloco do Prazer" é tocada pelas mãos de Marina, e acho que pode ter sido uma música meio nada a ver com o repertório escolhido, assim como a bailarina, que retorna em "Árvores Alheias" pra dançar com Marina, que não é dançarina. Pra quê?
Enfim, Marina e a bailarina se deitam em um divã posicionado no palco e direcionam sua atenção para o telão, em uma tocante homenagem a Antonio Cícero, escritor, poeta, membro da Academia Brasileira de Letras, compositor, filósofo, que teve uma morte assistida na Suíça no final de 2024, por conta de Alzheimer. Seu irmão e parceiro.
Após uma sofrida "Virgem", e sustentada pelo backing da multi-instrumentista Carol Mathias, Marina se irrita mais uma vez com a equipe de palco, ao ter seu fio de microfone agarrado e grita ao microfone: "Ajuda aqui". Cabeças não rolarão, mas alguém tomará uns esporros nos bastidores.
O desfile de clássicos continua com "Eu Preciso Dizer Que Te Amo" e "Difícil"; Em "Na Minha Mão" Marina mais uma vez se irrita, e pra valer: "Um bando de homem lerdo". Provavelmente vai virar meme. A bailarina volta, mais uma vez, e dança de rosto colado com Marina, ao som de "Nada Por Mim", desta vez abdicando dos vocais, esses assumidos por Carol.
Um inusitado cover de Billie Eilish, "Lunch", pra mostrar que sim, Marina procura estar antenada, e pra confirmação, Pablo Vittar é chamada ao palco para cantar "Mesmo Que Seja Eu", que foi um sucesso de Erasmo Carlos ressuscitado por Marina, e "K.O." da própria Pablo, que faz a galera vibrar!
Rita Lee, a mãe do rock nacional, também é lembrada Em "Nem Luxo, Nem Lixo", e Marina interrompe o show para apresentar a sua banda, numa apresentação incomum em grandes shows: instrumentos em silêncio. Segue "Não Sei Dançar" e talvez a mais esperada de todos, "Uma noite e 1/2", cantada pela galera e com Carol Mathias fazendo a vez de Renato Rockett, compositor da música que embalou o verão de 1988 à exaustão. Foi realmente o ponto alto, instrumentalmente, vocalmente, energeticamente. Foi um bom fim de um show sofrido e prazeroso, ao mesmo tempo.