Kings Of Leon evolui em sua desconstrução no álbum 'Can We Please Have Fun'
PorLucas Scaliza-
0
Kings Of Leon
Can We Please Have Fun
⭐⭐⭐⭐✩4/5
Por Lucas Scaliza
Não, não é nenhuma volta aos primeiros anos da banda. Can We Please Have Fun é um passo mais fundo na tentativa do Kings Of Leon em manter sua alma (segura e fiel àquele rock rural pelo qual ficaram conhecidos), mas incluindo elementos que levam a música da banda para outras pastagens. Outro país, inclusive.
Em suma, não é agora que você vai ouvir o KoF fazendo cover de seus primeiros quatro discos, se é o que alguém esperava. Mas é interessante notar que elementos sonoros das origens da família Followill ainda estão presentes. Desenvolver essas raízes não é o foco, mas é um nice touch neste nono disco de uma discografia que já conta com 21 anos.
As três faixas iniciais sedimentam esse momento em que o grupo não busca mais a potência do rock'n'roll. Se permite ser mais solta e, de diversos modos, mais sofisticada também, ainda que abra mão daquela crueza roqueira que era tão boa. "Ballerina Radio" abre o disco com uma melancolia espetacular, já posicionando muito bem o que é esse momento musical e vulnerável da banda. Mesmo "Mustang," que traz uma tensão grave e tenta um estouro saturado no refrão, não tem fúria. Mas tem um rock poderoso no disco: "Nothing To Do"; e um mais divertido: "Hesitation Gen".
Traçando um paralelo não muito preciso, Can We Please Have Fun é para o Kings Of Leon o que After Laughter (2017) foi para o Paramore, embora a cisão para a banda de Hayley Williams tenha sido muito mais direta, já que essa mudança no som do KoF vem ocorrendo desde Walls (2016). Álbum após álbum, de tentativa em tentativa, os quatro músicos vão trocando a equipe de produção e a forma de pensar as camadas da música, para tentar chegar a algum lugar novo e que caia no gosto das pessoas de novo como nos idos de tempos em que "Sex On Fire" elevou a banda ao patamar de astros.
Se você é um ouvinte que não necessariamente precisa ficar preso ao que a banda já fez duas décadas atrás, Can We Please Have Fun mostra uma banda fazendo música boa. "Actual Daydream" é com certeza divisiva, a música que parece mais alien na discografia da banda. "Split Screen" e "Rainbow Ball" são outras que automaticamente apresentam uma atmosfera e uma marcação rítmica que não esperaríamos da banda. Os Followill estão tentando. E estão conseguindo, porque as faixas param de pé. Se o público que espera mais do mesmo vai gostar, aí é outra história.
O inglês Kid Harpoon foi o produtor dessa vez - e ele escalou outros conterrâneos para ajudar nos trabalhos sobre a mesa de som. É nítido como uma equipe britânica em um estúdio do Tennessee conseguiu fazer várias pequenas marcas da música inglesa vazar no jeito como o grupo americano se expressa. Definitivamente tem muito do molho inglês em CWPHF. Aliás, Harpoon foi nada menos do que o produtor de Harry's House, quarto disco de Harry Styles, e ganhou o Grammy de gravação do ano em 2023 com esse trabalho.
Para um disco que não é guitarreiro, as guitarras de Matthew Followill são muito presentes, mas como adornos na maioria das vezes. Surgem com muito bom gosto e muito bem timbradas, como se fossem estrelas brilhando, sujando um céu escuro com sua luz. E o baixo de Jared Followill continua desempenhando um papel central, afinal, é ele quem dá o pulso quando a banda envereda por grooves mais funkeados ou toma emprestado algo lá de Joy Division ou apenas está ali como o instrumento que mantém o tempo firme.
E vamos falar dos vocais de Caleb: é notável como ele evoluiu como cantor. Can We Please Have Fun não tem gritos e ansiedades que disfarçavam uma certa imaturidade de técnica e expressividade. O álbum é emocional acima de tudo, e a voz dele tenta ao máximo dar conta dessa emoção explorando uma variedade de técnicas e tessituras.
Ao final, fica a impressão de que o KoF tem uma proposta. Sem mudar um único membro da banda e da família, estão no ápice de suas habilidades (e sensibilidades) como músicos. Mas Can We Please Have Fun não parece ser esse grande momento de volta para eles ainda. Não é um som que clama por uma arena cheia e divertida. Também não tem músicas pensadas para viralizar nos vídeos de #getdressedwithme no TikTok. (Pelo menos a banda sabe o que não quer fazer para dar a volta por cima.)
Ah, e o álbum fica melhor a cada replay. Desde que você esteja comprometido em aproveitar esses 44 minutos de Kings of Leon em uma constante evolução de sua desconstrução.