Para
muitos especialistas em música, 1994 foi o ano que marcou o início do fim do
grunge. É claro que há divergências sobre quando o gênero de fato começou a
deixar os palcos para entrar para os livros de história, mas a morte de Kurt
Cobain, no dia 8 de abril daquele ano, certamente acelerou o processo. De
repente, as letras sombrias, niilistas e cheias de angústia, as músicas sobre
isolamento social e traumas psicológicos encapadas pelas guitarras distorcidas
a partir da fusão do punk rock com o heavy metal deixaram de ser uma forma para
os adolescentes e jovens adultos manifestarem seu desejo de liberdade e viraram
uma preocupação para seus pais, ainda que o debate sobre saúde mental ainda
estivesse longe de entrar na ordem do dia. Algo que só veríamos mesmo ganhar
força na primeira década do século XXI. Tudo isso é reflexo do fato de o maior
expoente do gênero, o lendário vocalista do Nirvana, ter tirado a própria vida
naquele ano.
Um mês
antes, porém, o grunge não parecia muito perto do fim. Isso porque, no dia 8 de
março, uma das bandas seminais do movimento nascido em Seattle lançava um dos
seus álbuns mais importantes. Falamos do Soundgarden e de Superunknown.
Quarto
disco daquela que é considerada uma das cinco bandas mais importantes do grunge
– e para muitos é a mais importante – o Superunknown elevou o Soundgarden a
um patamar que até então ainda não havia atingido. Sucesso de público e crítica
naquele ano, o disco foi o primeiro do grupo a estrear no primeiro lugar na
parada da Billboard, vendendo 310 mil cópias na sua semana de lançamento,
ajudou a banda a conquistar dois Grammys no ano seguinte, como melhor
performance de Hard Rock por “Black Hole Sun” e melhor performance de metal por “Spoonman” e jogou a banda definitivamente no mainstream, onde já estavam
seus pares de Seattle Nirvana e Pearl Jam.
É
claro que o Soundgarden já havia conquistado alguma notoriedade no álbum
anterior, o Badmotorfinger (1991), disco que tinha o sucesso “Outshined” e a
polêmica “Jesus Christ Pose”, mas foi em Superunknown que a banda rompeu
definitivamente todas as barreiras do seu nicho. Furou a bolha, como se diz
hoje em dia. Talvez a história até tivesse sido diferente se Badmotorfinger não tivesse enfrentando uma concorrência raras vezes vista na história da
música, uma vez que foi lançado quase imediatamente depois de Ten, do Pearl
Jam, Nevermind, do Nirvana, e Blood Sugar Sex Magik, do Red Hot Chilli
Peppers, simplesmente os álbuns mais importantes das histórias destas três
bandas.
Completando
30 anos do seu lançamento, Superunknown continua um dos álbuns mais
relevantes do grunge, mas também mostra como naquele momento o Soundgarden era
a mais versátil banda do movimento nascido em Seattle em meados dos anos 80. Enquanto Nirvana, Alice in Chains e Pearl Jam
ainda estavam se mostrando relativamente presos à fusão de estilos que os
consagrou, o Soundgarden já demonstrava querer experimentar novas camadas
sonoras e estilos diferentes, ainda que não quisessem deixar de ter os pés fincados
no grunge e nas letras depressivas que eram a marca registrada do estilo. Mais
tarde, em novembro daquele ano, o Pearl Jam também começaria a se aventurar na
saída do grunge com o lançamento de Vitalogy, mas esta é uma conversa para
outro texto.
Pioneiros
e fundamentais para o grunge
Formado
em 1984 pelo então cantor e baterista Chris Cornell, o guitarrista Kim Thavill
e o baixista Hiro Yamamoto, o Soundgarden logo ganharia um novo membro no ano
seguinte, com chegada do baterista Scott Sundquist. Em 1986, Sundquist seria
substituído por Matt Cameron, hoje baterista do Pearl Jam. Com a entrada de Ben
Shepherd no baixo em 1989, o grupo ganhou aquela que seria conhecida como a sua
versão mais clássica: Cornell, Thayill, Cameron e Shepherd.
Pode-se
dizer que o grupo foi fundamental para a popularização do grunge. Quando lançou
o seu primeiro álbum, Ultramega OK (1988), Nirvana, Pearl Jam e Alice in
Chains ainda não existiam e o Mudhoney, a banda mais alternativa do movimento
de Seattle e hoje a mais longeva de todas elas, estava dando seus primeiros
passos. Após gravar de forma independente Louder than Love (1989), o
Soundgarden foi a primeira banda do grunge a assinar com uma grande gravadora,
a A&M Records. Assim, o segundo disco do grupo tornou-se o primeiro a sair
por um selo importante. Isso ajudou a abrir as portas para os demais grupos de
Seattle e, consequentemente, no estouro do cenário.
A
chegada de Badmotorfinger no início dos anos 90 elevou o patamar do
Soundgarden. Álbum claramente mais palatável e até comercialmente viável do
grupo até então, o disco tinha uma excelente canção e que era igualmente fácil
de vender com seu refrão fácil de cantar e que ficava marcado na memória das
pessoas. Era o caso de “Outshined”. Tudo isso não significa que o Soundgarden
tivesse mudado completamente o seu estilo. As guitarras distorcidas estavam lá,
ainda que Thayill tenha adicionado em músicas como “Outshined” e “Face
Pollution” mudanças de compasso que deram dinamismo e diferentes cores ao
álbum. A voz única de Cornell, um vocalista que sabia cantar nos mais variados
tons e sustentar tanto uma melodia cada vez mais alta quanto dar uma certa
aspereza nas canções mais amargas e lamentosas, também estava lá.
A
diferença entre Badmotorfinger e os dois álbuns anteriores do Soundgarden
estavam claramente na produção e no fato de ser um álbum mais colaborativo da
banda. Ultramega Ok e Lounder than Love eram mais crus, mais sujos como a
pré-história do grunge. Como Bleach (1989), do Nirvana, e Superfuzz Bigmuff (1988), do Mudhoney. Badmotorfinger já era o Soundgarden com o dinheiro da
gravadora, ainda que mantendo a sua identidade calcada numa fusão maior com o
heavy metal. Também foi fundamental a chegada do baixista Ben Shepherd ao grupo
em substituição a Jason Everman. Shepherd foi um refresco para a banda, trouxe
novas ideias para as composições e colaborou em algumas das melhores músicas do
álbum, como “Jesus Christ Pose”, “Slaves & Bulldozers”, “Face Pollution” e
“Somewhere”.
Foi mantendo
este espírito que a banda começou a trabalhar em Superunknown dois meses após
o fim da turnê do álbum anterior. Produzido por Michael Beinhorn, que já havia
trabalhado com Red Hot Chili Peppers, Living Colour e Soul Asylum no lançamento
do álbum Grave Dancers Union (1992), do sucesso “Runway Train”, a banda
estava em busca de uma mudança na sonoridade, mas que não representasse uma
perda de identidade. E Beinhorn chegou com muitas ideias que agradaram a banda,
ao mesmo tempo em que fez o grupo experimentar diferentes sons de bateria e
guitarra e tocar as músicas até a exaustão ao longo dos seis meses de produção
do álbum, o que fez com que gerassem brigas entre produtor e banda. Para os
vocais de “Black Hole Sun”, o produtor fez Cornell ouvir Frank Sinatra com o
objetivo de que o vocalista pudesse incutir um espírito semelhante a balada que
seria um dos grandes sucessos do disco.
“Eu
queria aproveitar todas as oportunidades possíveis para fazer o melhor, mais
interessante e mais cativante disco que pudéssemos fazer, então esse era o meu
objetivo. Acho que houve muita pressão extra porque eu fiz isso muito. Ficou
claro para eles o que eu sentia em relação ao projeto e o que esse disco
significava para eles. Quer dizer, eu nem pensei nas ramificações de longo
prazo de algo assim, embora esse tipo de coisa também seja muito, muito
importante. Tenho certeza de que esses caras não viram o processo de fazer o
disco da mesma perspectiva que eu. E acho que isso causou muito atrito. Você
sabe, e o fato de que esses caras nem sempre se deram tão bem. Houve muita
cabeçada”, disse Beinhorn, em 2014, em entrevista à revista americana “Spin”.
Por
trás dos atritos estava um produtor que queria tirar o máximo de uma banda na
qual ele acreditava no potencial para escrever um álbum que entraria para a
história da música. Na mesma entrevista para a “Spin”, Beinhorn disse que havia
um potencial no grupo para fazer um grande álbum, mas era preciso puxar e
exigir o grupo a escrever letras e músicas melhores.
Na
mesma reportagem, o hoje falecido cantor Chris Cornell reconheceu as tensões na
gravação do álbum, mas via como algo natural, visto que o Soundgarden era uma
banda que, nas palavras do seu vocalista, não sentia que tinha a necessidade de
ter um produtor e agora havia um elemento estranho ali no meio do grupo.
“Acho
que “Superunknown” teve mais tensão do que alguns dos discos porque era um cara
novo com quem nunca tínhamos trabalhado antes, que parecia estar realmente
interessado em tentar reinventar a roda a cada passo, e quando não funcionava,
o que foi quase o tempo todo, simplesmente tirávamos o disco dele”.
O
objetivo em “Superunknown” era claro. Puxar a banda a fazer algo nunca antes
feito em sua história.
“Começamos
como uma banda em 1984, então vejo “Superunknown” como sendo um período
posterior, o momento em que estávamos realmente reinventando quem éramos e
ultrapassando os limites do que fazíamos, ampliando nossa abordagem criativa
para um disco”, disse Cornell na mesma reportagem.
O
resultado desse esforço foi um disco que recebeu inúmeros elogios da crítica e
teve uma resposta positiva do público. Superunknown afastou o Soundgarden das
suas raízes, trazendo mais psicodelia, experimentalismo e hard rock e até uns
elementos da música pop (em “My Wave” e “Fell on Black Days”, por exemplo).
Cornell definiu na ocasião o álbum como o mais desafiador e versátil do grupo.
O disco tinha canções com afinações de guitarras alternativas e diferentes
tipos de compasso, algo identificado em “Spoonman”, “Black Hole Sun”, “Let me
Drown”, “The day I tried to live” e “Like Suicide”.
Acima
de tudo, Superunknown mostrava o Soundgarden transcendendo o grunge, quase
como se anunciasse que o estilo estava perto do fim e era preciso seguir em
frente e explorar novas camadas. Paradoxalmente, no entanto, as letras do álbum
eram extremamente ligadas a temática do grunge. Liricamente, Superunknown é
um álbum sombrio, que lida como temas como suicídio, depressão, abuso de
drogas, vingança, reclusão e morte. Para escrever as letras, Cornell se
inspirou no trabalho de Sylvia Plath, importante escritora americana, mas que
sofria de depressão e tirou a própria vida em 1963.
O fim
Após
Superunknown, o Soundgarden ainda lançaria mais um álbum, “Down on the Upside”
(1996), disco menos pesado e sombrio em comparação com os anteriores, mas a
banda já estava insatisfeita com o momento que vivia. O Soundgarden havia sido
engolido pelo sucesso e pelo showbusiness, como descreveu na ocasião o
baterista Matt Cameron. Algo que também havia vitimado o Nirvana anos antes,
uma vez que Cobain detestava tudo o que estava no entorno do show business.
Naquele momento, o próprio grunge já tinha sido engolido pela pasteurização e
virado mainstream demais, fazendo o movimento perder as suas características
originais. Não faltavam grupos que imitavam os expoentes do grunge e até já
começavam a existir o post-grunge com bandas como Bush, Silverchair, Collective
Soul e Nickelback. Ao mesmo tempo, o Nirvana já não existia mais, o Alice in
Chains estava num hiato após o lançamento do seu terceiro disco, em 1995, e o
Pearl Jam, a única banda que permaneceu unida, já tinha se afastado das raízes
do movimento.
Engolidos
pelo sistema, entediados com uma vida repetitiva de shows e viagens e
detestando estar em turnê, o Soundgarden anunciou o seu fim em abril de 1997.
Nos 12
anos seguintes, Cornell lançou discos solos e formou o bem sucedido grupo
Audioslave com integrantes do Rage Against the Machine, onde lançou três
álbuns. Em 2010, porém, e para a alegria dos seus fãs, o grupo anunciou um
retorno. O Soundgarden chegou a lançar um novo álbum, King Animal (2012),
disco que recebeu muitas críticas positivas. Contudo, em maio de 2017, Cornell
foi encontrado morto num quarto de hotel em Detroit após um show da banda. A
tragédia marcou o fim definitivo de um grupo que tinha um dos melhores
vocalistas do grunge e que foi fundamental não apenas para o desenvolvimento e
a popularização do gênero, como também expandiu as próprias fronteiras dele. E
o maior exemplo disso está em Superunknown, um álbum que permanece como um
dos mais relevantes da história do rock.
Assista abaixo o vídeo especial sobre os 30 anos de 'Superunknown' do Soundgarden no canal Rock On Board
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