Todos ao mesmo tempo agora: os Titãs dos sonhos no palco novamente

 
Os TITÃS são uma verdadeira instituição da música brasileira, todo mundo sabe quem são, todo mundo conhece a banda, nem todo mundo gosta, mas, quem gosta de rock, deveria. A história também é velha conhecida, dos meninos da classe média paulistana que se conheceram no popular Colégio Equipe e formaram a banda Titãs do Iê-Iê, que pouco depois virou apenas Titãs. Do sucesso de “Sonífera Ilha” no álbum de estreia, de1984, até a explosão em “Cabeça Dinossauro”, de 1986, do sucesso espantoso dos discos seguintes, das mudanças na formação, do trabalho solo de sucesso de vários membros que abandonaram o barco, do impacto causado pelo “Acústico MTV”, até a banda que um dia teve nove membros se tornar um trio, muita água rolou e, o que ninguém esperava, aconteceu: TITÃS ENCONTRO, uma reunião de velhos e bons amigos que tornou possível ver novamente nos palcos: Arnaldo Antunes, Branco Mello, Charles Gavin, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Brito, Tony Belotto, reforçados pelo Liminha, mítico baixista d’Os Mutantes e, talvez, o produtor mais famoso do país, muitas vezes chamado de “o nono titã”, pelo trabalho desenvolvido com a rapaziada, que aqui substitui o guitarrista Marcelo Fromer, morto em 2001, atropelado por uma moto.

Sucesso absoluto, tocando em grandes estádios e arenas por todo o país, quase sempre com lotação máxima, em junho de 2023 chegou a hora de brilhar em casa e na cidade de São Paulo, o Allianz Parque, com duas noites extras, teve lotação máxima vendida com antecedência.

Sexta-feira muito gelada na capital paulista e o que se vê em volta do estádio no final da tarde é uma verdadeira festa “50+”, público predominante presente ao local, muitos acompanhados de filhos e sobrinhos, é verdade, mas, a maioria ou estava sozinho, ou encontrando os velhos amigos de antigos carnavais.

Pontualmente às 19:00, a banda COLOMY sobe ao palco, visivelmente emocionados de encarar uma plateia tão grande, mandaram bem, com um som que mescla em medida certa psicodelia, MPB, um quê de Mutantes, e clara influência de Nando Reis, o baixista e vocalista dos Titãs, pai de Sebastião Reis, violão e vocal da banda que também tem no guitarrista e vocalista Pedro Lipatin uma dupla de cantores de bom nível, mas, para quem não os conhecia, como eu, o que mais impressionou foi o menino Eduardo Schuler, baterista de mão cheia, um verdadeiro “animal”, no melhor sentido que isso possa ter. Set curto, mas de bom tamanho, incluiu dois covers, um d’Os Paralamas do Sucesso e finalizando com “O Mundo é Bão, Sebastião”, música do pai famoso em homenagem ao filho.
Frio insano, algo entre 13°C e 14°C na capital paulista e a trilha sonora ambiente é repleta de sucessos da década de 80, Smiths, PiL e afins animando a velha guarda que chacoalha os esqueletos combalidos, todo mundo super animado, pois, está chegando a hora da grande atração.

Com vinte minutos de atraso, as luzes se apagam e uma tela branca se acende ao fundo palco, as sombras dos sete titãs vão caminhando ao som da introdução de “Diversão” e a catarse se estabelece com a voz de Paulo Miklos, “a vida até parece uma festa / em certas horas isso é o que nos resta”. Não foram poucos os que estavam ali chorando de emoção. “Boa noite, São Paulo! Bem vindos ao nosso encontro”, é o recado de Miklos.

Sem dar tempo para respirar, Arnaldo Antunes vem à frente do palco e “Lugar Nenhum”, com sua letra altamente anarquista, é a música da vez. Arnaldo foi o primeiro titã a abandonar a banda para se dedicar a carreira solo e ele é, talvez, o cara que mais representava a banda na década de 80, “a cara dos Titãs”, suas danças, seu corte de cabelo e a rebeldia, hoje, aos 62 anos, continuam intactos. E como nos velhos tempos: “Brasileiro o quê? Brasileiro o caralho! Pátria é o caralho!”. Puro êxtase.

Nova mudança de vocalista e a terceira faixa seguida do disco “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, de 1987, é tocada: “Desordem”, na voz de Sérgio Brito. “Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?”. Menos de quinze minutos de show e jogo totalmente ganho.

Hora de emoção, com o rouco e quase afônico Branco Mello à frente discursando “muito boa noite, São Paulo! E aí? Eu queria dizer pra vocês que estou muito feliz esta noite, com os meus velhos e queridos amigos, companheiros de uma vida! É foda! Queria falar para vocês também que eu estou muito feliz, por que passei um momento difícil, fiz uma cirurgia muito grande na garganta, tirei um tumor! E hoje estou aqui! Curado! Me divertindo! Falando! E ainda vou cantar pra vocês!”. E nunca imaginei que ficaria tão emocionado de ouvir e cantar junto “Tô Cansado”, música de “Cabeça Dinossauro”, disco de 1986.

É chegada a vez do baixista e vocalista Nando Reis ficar em destaque e mais uma do “Cabeça” é tocada: “Igreja”, aquela música que minha mãe detestava que eu ouvia e cantava a plenos pulmões em 1986, afinal, pra ela era pecado dizer que “não gosto da igreja, não entro na igreja, não tenho religião”!

Novamente à frente do palco, Sérgio Brito puxa a plateia com “Homem primata, capitalismo selvagem... Ô Ô Ô”, à capella. O rodízio de vozes continua e volta Pualo Miklos, agora com “Estado Violência”, música que o baterista Charles Gavin trouxe de seus tempos de IRA!, e chamava “Homem Palestino”, com uma letra diferente, mas mesma melodia e que foi recentemente lançada em vinil pela gravadora independente Três Selos, num disco especial do IRA!, contendo gravações demo de 1983/84.

Tudo apagado, de repente luzes vermelhas acesas, com Arnaldo Antunes atrás da bateria, no alto e ele solta que “O Pulso, Ainda Pulsa” com a sequência interminável de doenças incrivelmente cantada sem erro por todos os presentes, coisa que apenas o poeta Arnaldo é capaz de tirar do público. Pausa para pequeno discurso de agradecimento, enfatizando o fato de o show ser em São Paulo, onde tudo começou e finaliza com “a gente ainda tem sede” e vem “Comida”, outro clássico de “Jesus Não tem Dentes...”.

Nando Reis volta a ser o centro das atenções e faz pequeno discurso de agradecimento onde enfatiza o fato ser muito bom estar novamente com esses amigos e tocando músicas gravadas há tanto tempo e que assustadoramente continuam se comunicando com eles e com o que acontece no mundo ao nosso redor, e manda uma dobradinha: a canção título de “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, seguida de uma versão de “Nome aos Bois”, atualizada, com o nome do ex-presidente Bolsonaro no lugar de Afanásio, na extensa relação de fascistas que compõem a letra da canção. Delírio da plateia.

Agora quem retorna em destaque é o velho Branco Mello com “Eu não sei fazer música”, do álbum “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, de 1991. A sequência é enlouquecedora: a batida tribal de “Cabeça Dinossauro” toma conta do ambiente e se encerra assim a primeira parte do espetáculo.

Trechos do documentário “Titãs – A Vida Até Parece Uma Festa”, dirigido por Branco Mello, em 2008 e lançado em 2009, com destaque para cenas onde aparece o guitarrista Marcelo Fromer, são projetadas no telão enquanto a equipe faz mudanças no palco para se iniciar um set acústico. Com Sérgio Brito ao piano e os companheiros todos sentados, ele pede que apaguem as luzes e todos acendam seus celulares para a próxima música e “Epitáfio” tem uma execução simplesmente linda. É a vez de Nando Reis assumir o vocal principal e tocam “Os Cegos do Castelo” na sequência. Paulo Miklos se levanta e canta a sua acústica de pé, vem “Pra Dizer Adeus”, cantada com entusiasmo por todos que “... é cedo ou tarde demais... pra dizer adeus, pra dizer jamais...”.

Arnaldo Antunes, que já estava fora da banda na época do “Acústico MTV”, e faz apenas uma participação especial no disco, aparece acompanhado e apresenta a todos ALICE FROMER, filha do Marcelo Fromer e que cantará com eles a próxima canção, e vem “Toda Cor”, música do Fromer, que está no disco de estreia da banda, de 1984 e ouvimos “O telefone tocou, fui atender, na madrugada, quero estar com você... eu preciso de você agora, por favor, meu bem não vá embora”. Muita emoção instalada.

Ainda com Alice Fromer, a banda manda “Não Vou Me Adaptar”, música presente no disco “Televisão”, de 1985. E, a grande surpresa e que não aconteceu em nenhum outro show da turnê pelo país, Sérgio Brito anuncia uma homenagem da banda à “Santa Rita de Sampa”, e tocam, ainda com a participação de Alice Fromer, “Ovelha Negra”, clássico de Rita Lee, que recentemente faleceu. Momento fantástico da noite.

Enquanto a equipe vai arrumando o palco rapidamente, é a vez de Tony Belotto ir ao microfone conversar com a plateia e chamar ao seu lado a presença de Liminha, que apresenta como ex-membro dos Mutantes e um dos melhores produtores do país, responsável pela produção da maioria das canções tocadas na noite e que está reproduzindo fielmente o trabalho que era de Marcelo Fromer. Liminha agradece ao convite de participar do encontro e, lembra o fato especial de estar justamente nesse estádio, que ficar no bairro da Pompeia, onde os Mutantes ensaiavam, e lembra, “é o berço do rock brasileiro”.

Na sequência e sem demora, Nando Reis chama “Família Ê, Família Á, Família!”! Em seguida desta e no mesmo estilo, Sérgio Brito vem à frente e chama “Só quero saber, do que pode dar certo!”, e com “Go Back” o show fica tranquilinho, mãos pra cima e coro de 40 mil vozes. E Paulo Miklos volta à frente do palco contando história para introduzir outra balada, “É Preciso Saber Viver”, música do Tremendão, do Gigante Gentil, Erasmo Carlos.

Branco Mello agora dá uma agitada na conversa e trás “32 Dentes”, música com influência nordestina presente no disco “Õ Blésq Blom”, de 1989, e continua à frente, agora com o clássico “Flores”, do mesmo disco. Destaque todo especial para Paulo Miklos, que, além de ser o, talvez, mais carismático dos vocalistas, ainda manda muito bem no saxofone.

Novo vocalista à frente e o sempre querido Arnaldo Antunes chega gritando “Ô Cride! Ô Cride!”, e “a Televisão me deixou burro, muito burro demais” chega ovacionada pelo público extasiado! E da dobradinha com Arnaldo, a próxima sai do disco “Cabeça Dinossauro” e chega “Porrada”. Mantendo o clima de protesto e é a vez de Sérgio Brito, que inicia “acorda Maria Bonita,levanta vai fazer o café... que o dia já vem raiando e a polícia já tá de pé”, que introduz “Polícia” há muitos e muitos anos, emendando em seguida o grito de “AAUU”.

O fim se aproxima, e um emocionado Paulo Miklos diz que assim como o público, para ele é uma emoção muito grande estar ali, e poder “apresentar todos ao mesmo tempo agora”, que faz um por um: Tony Belotto, Arnaldo Antunes, Branco Mello, Charles Gavin (“o motor da banda”), Nando Reis, Sérgio Brito “e aqui o bicho escroto que vos fala, Paulo Miklos” e exorciza tudo com “Bichos Escrotos”.
Como não poderia deixar de existir, a banda se despede, se abraça, reverencia o público, sai e retorna em seguida para o bis, logo após a vinheta “Introdução de Mauro e Quitéria”, que abre o álbum “Ô Blésq Blom”, com Miklos e Brito cantando juntos “Miséria”. Nando Reis novamente à frente e inicia “e então um dia uma forte chuva veio” e “Marvin” é cantada por todo o estádio.

Paulo Miklos conta uma pequena história e avisa que a próxima música era o primeiro sucesso da banda e no começo, eles a tocavam para abrir o show, como só tinha essa conhecida, tocavam de novo no meio e depois encerravam com ela, como farão agora, para manter o astral lá no alto: “Sonífera Ilha” encerra uma noite maravilhosa!

É muito gratificante ter participado disso tudo. E não vou dizer que os Titãs são melhores que “A”, “B” ou “C”, isso é algo muito subjetivo e reflete apenas e tão somente o gosto pessoal de cada um, mas, afirmo sem qualquer medo de errar, com a experiência de frequentar a quase 40 anos os mais diversos shows de rock, dos mais alternativos aos maiores nomes do planeta: os TITÃS no palco não devem nada a ninguém! E no mundo todo! A banda fez um espetáculo grandioso com 32 hits, um seguido do outro, sem deixar cair o ritmo em momento algum! Tenho orgulho de tê-los visto em palcos pequenos em 1986 e estar agora de frente a eles com um estádio absolutamente lotado, foi emocionante, como 150.000 pessoas que já viram em todo o país durante esta turnê podem confirmar comigo!

Ricardo Cachorrão

Ricardo "Cachorrão", é o velho chato gente boa! Viciado em rock and roll em quase todas as vertentes, não gosta de rádio, nunca assistiu MTV, mas coleciona discos e revistas de rock desde criança. Tem horror a bandas cover, se emociona com aquele disco obscuro do Frank Zappa, se diverte num show do Iron Maiden, mas sente-se bem mesmo num buraco punk da periferia. Já escreveu para Rock Brigade, Kiss FM, Portal Rock Press, Revista Eletrônica do Conservatório Souza Lima e é parte do staff ROCKONBOARD desde o nascimento.

2 Comentários

  1. Caracas!!!! Cada parágrafo seu desse show teve um brilho diferente e emoção idem, repito, que emoção. Frio? que nada, 150.000 pessoas em muito calor Titânico. Valeu Ric.

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  2. Foi Duca...... do início ao fim!!! Concordo total, dancei muito, cantei, me emocionei. Na minha humilde opinião, foi um show que trouxe o que de melhor pode-se ter em um palco em vários aspectos e com o Plus de serem eles, os Titãs!

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