Iggy Pop troca os solos de guitarra pelos sopros do jazz urbano em "Free"

Aos 72 anos de idade, Iggy Pop segue na ativa com mais um novo álbum
Por  Lucas Scaliza 

A primeira informação para quem pretende ouvir Free é saber que não se trata do mesmo Iggy Pop dos Stooges. Na verdade, essa informação é inócua, pois há décadas Iggy Pop se libertou do estilão da banda que o revelou e vem fazendo diversos trabalhos explorando uma musicalidade mais horizontal. Mas fica o aviso, válido para quem não tem acompanhado de perto como o ícone do rock tem se transmutado ultimamente.

Quando ele diz "Eu quero ser livre" logo na primeira faixa do disco, que se resume a uma fala do cantor e algumas poucas notas no trompete, é tanto uma afirmação política quanto estética. De forma geral, Free carrega um subtexto que leva em conta a realidade atual dos Estados Unidos e de outros lugares do mundo, ao mesmo tempo em que diz "me deixa fazer a música que eu quiser".

O álbum, como o próprio Iggy diz, é a resposta para a exaustiva turnê de Post Pop Depression. O vigor do rock'n'roll feito em conjunto com Josh Homme (do QOTSA) dá espaço para uma vertente mais meditativa e canções bastante climáticas que eram inéditas na longa discografia do cantor. E para se certificar de que Free realmente seja um trabalho distinto de qualquer outro, o produtor texano Leron Thomas trocou os solos de guitarra por solos de instrumentos de sopro, o que confere uma vibe cinematográfica de arthouse films ao trabalho, com uma pegada de jazz subjacente.

O single "James Bond" e "Loves Missing" são as faixas mais comuns, que podem fazer o velho fã de Iggy reconhecê-lo mais facilmente. Mas a verdadeira beleza está em reconhecer como o cantor se entrega às composições de Thomas, como na linda "Sonali", na atmosférica "Glow In The Dark" e em "Page", talvez a mais meditativa de todas em que Iggy realmente canta.


Chegar ao final do álbum é como entrar em uma caverna. Lá no fundo, você encontra as imersivas "We Are People" (letra de Lou Reed) , "Do Not Go Gentle Into That Good Night" (poema de Dylan Thomas) e "The Dawn". São basicamente produções musicais às vezes tensas, às vezes misteriosas que contam com uma narração de Iggy Pop por cima de solos de trompete e sintetizadores. É neste momento que o ouvinte precisa se desgarrar do velho rock'n'roll e entrar na proposta de Iggy e Leron. Há muito o que querem dizer e escolheram uma forma mais cinematográfica para isso.

Não vai agradar a todos, principalmente aos mais desavisados, mas é eficaz. A voz grave e experiente de Iggy empresta drama e profundidade às letras. Se você acha que não dá para se divertir ouvindo a trinca é porque, provavelmente, não é para se divertir mesmo. Iggy, Thomas e a compositora de trilhas Noveller esperam uma postura diferente também do ouvinte.

Free não é difícil de ouvir e mal passa dos 30 minutos de música no total. Mas não é um álbum de rock. De qualquer forma, é um trabalho bastante bonito, simples e direto, que se preocupa com os detalhes. Ver que o velho padrinho do punk, agora aos 72 anos, se permite sair da zona de conforto dessa forma só me faz pensar que ele envelheceu como Nick Cave e David Bowie: bem pra caramba!
Cotação:

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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