Em exclusiva, Edu K fala sobre carreira do DeFalla, briga com Jerry Cantrell e disco novo

Foto: Divulgação
DeFalla retorna com formação clássica em "Monstro", lançado esse ano
Por Bruno Eduardo

Uma das bandas mais influentes do rock nacional está de volta com um novo trabalho após 14 anos. O público carioca poderá ver isso de perto no dia 7 de outubro no Imperator, quando eles sobem no palco antes do Cachorro Grande, que também lança novo disco [veja detalhes desse show no fim da matéria]. Formado nos anos oitenta, o DeFalla conseguiu reunir sua formação consagrada com Edu K (vocal), Castor Daudt (guitarra), Carlo Pianta (baixo) e Biba Meira (bateria) no ótimo Monstro, que conta com participações especiais respeitadas - Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii), Beto Bruno (Cachorro Grande) e Pitty [leia a resenha do disco AQUI]. Com ânimo renovado e material que traz de volta a essência da banda, o vocalista Edu K falou sobre essa nova fase e também relembrou acontecimentos marcantes do grupo nessa exclusiva concedida ao Rock On Board.

Fale um pouco da essência desse novo disco. Eu diria que é um álbum que consegue reunir todas as aberrações musicais da história da banda. Você concorda com isso?

Sim, eu concordo com você. Esse disco conseguiu reunir todo esse espectro da carreira do Defalla, que é coisa para caramba. A gente nunca teve um estilo definido. Na verdade a gente sempre gostou dessa liberdade de fazer música, entendeu? A gente faz música. Claro que existem algumas influências bem explícitas e outras nem tanto na história da banda. Mas o Defalla tem essa doideira de ser bem livre, musicalmente falando. E isso é uma característica que existiu em todas as fases e formações. E agora não seria diferente.

Vocês ficaram muito tempo sem trabalhar juntos num estúdio. Como foi esse processo de gravação?

O processo de gravação desse disco foi mais longo do que a gente esperava. No entanto, o importante disso tudo é que apesar de a gente ter começado isso em 2011, a banda sempre teve uma maneira muito orgânica de lidar com a música, e com isso, a música está sempre se movendo, sabe? As canções foram crescendo e evoluindo junto com a gente nesse período. Isso foi acontecendo até chegar à fase final do estúdio, para mixar, e consequentemente mudarem mais uma vez. Isso acontece porque eu, como produtor, costumo utilizar o estúdio como um quinto elemento da banda. Eu sou de criar muita coisa nessa fase de mixagem. Então posso dizer que foi um processo bem longo e divertido, e que realmente capta toda a essência da banda, que são todas essas essências juntas ao mesmo tempo.

Como se deu essa reunião de vocês, já que ficaram tantos anos separados?

Em maio de 2011 fomos chamados para um evento que se chama Discografia do Rock Gaúcho, que consiste na banda tocar algum álbum na íntegra. A gente escolheu tocar o nosso primeiro disco, e foi a primeira vez que nós tocamos juntos em mais de vinte anos. Quando falo mais de vinte anos, é porque a Biba saiu da banda em 1989. Então, quando a gente se encontrou para ensaiar e fazer esse show, cada um estava morando em uma cidade diferente e não nos víamos mais com freqüência. Na verdade, a gente se falava muito pouco mas sempre havia uma vontade de fazer alguma coisa juntos de novo. E quando surgiu esse show, nós abraçamos a oportunidade de poder tocar outra vez com o DeFalla.

E por que demorou tanto tempo para isso acontecer?

Nesse meio tempo, cada um esteve cuidando de sua própria vida. Eu virei um cara mais produtor de bandas, produtor de música eletrônica e DJ. Inclusive toquei como DJ no mundo inteiro. Quando nos demos conta, já tinha passado quinze anos desse distanciamento.

E como foi esse primeiro encontro?

Foi louco, porque no primeiro ensaio, nos primeiros acordes a gente se olhou e falamos: "a magia está aqui ainda". Na mesma hora chegamos a conclusão que tínhamos de fazer um disco. Só que a gente não imaginava que iria demorar quatro anos para esse disco sair (risos).

Foi fácil reunir as influências do grupo depois de tanto tempo separados?

Nós temos um pouco dessa mentalidade de deixar o som fluir. Tanto que nos juntamos durante uns quatro dias no estúdio e ficamos tocando de uma maneira total free, meio jam mesmo. Fomos gravando tudo que a gente ia fazendo sem se importar muito com resultado ou estrutura. A gente foi só tocando. Todos nós gostamos muito de jazz, de prog, jazz-rock, fusion, entendeu? Só depois de um ano que entramos num estúdio de novo para gravar essas bases em tracks separadas.

O disco tem muito desses elementos dos anos setenta, como você citou. Principalmente no que se diz respeito ao psicodélico e ao prog-rock. Fale um pouco disso.

Cara, o Defalla sempre teve essa veia psicodélica fodida. Tanto explicitamente quanto no subtexto da coisa. Nós sempre tivemos esse namoro com o gênero, até mesmo na forma de pensar e de compor com liberdade. Nesse novo disco, talvez pelo equilíbrio das coisas, isso acaba ficando mais evidente. Principalmente o lado pop e o lado experimental do álbum, que funcionou muito bem.

Na minha opinião, a faixa que sintetiza muito bem essa liberdade de composição é "Delírio de Um Anormal", que possui sete minutos de duração, só que a grande parte é de noise.

Realmente. O DeFalla tem esse lado noise, né? O lado de música concreta, de experimentos sonoros, e de entender que o barulho também é música. Uma coisa legal que rolou na gravação é que a gente foi tocando sem parar, e alongamos as pistas na intenção de fazer um fade depois. Só que a gente acabou não fazendo fade nenhum (risos). E isso é legal, de deixar o som rolar, sabe? Porque se você pega os discos de James Brown, que é uma puta influência para a banda, tanto pela musicalidade como na genialidade de produção, você vai ver que a maioria das músicas dele não acaba ali nos três minutos e pouco das versões mais conhecidas. Ele deixava o som rolar. Eu incorporei um pouco desse espírito dele no disco.

Inclusive como produtor...

Com certeza. As pessoas não costumam pensar no James Brown como produtor. Mas ele era um produtor genial. Outro que me influencia muito como produtor é o Teo Macero, que produziu a fase áurea do Miles Davis, incuindo o disco culminante dessa parceria, que é o Bitches Brew. E a mentalidade era essa de "toquem aí que depois eu dou um jeito aqui". Então os caras tocavam horas e horas direto. Se você pegar as versões completas, as músicas eram enormes e tiveram de ser cortadas, coladas e montadas da melhor forma possível. Na minha opinião, James Brown e Teo Macero são responsáveis pelo início da música eletrônica em geral.

O lançamento de um novo disco é como um novo gás para a maioria dos artistas. Para o DeFalla seria como um recomeço?

Para nós isso é ainda mais doido. Como você mesmo disse, para qualquer banda um novo disco é como um ânimo renovado, mas para o DeFalla é mais ainda. Porque a gente passou muito tempo sem fazer nada. E a gente já está tendo uma resposta muito boa do disco, o que é incrível, pois passamos tanto tempo parados que isso poderia parecer irrelevante para as pessoas. Então é muito gratificante saber que esse disco está sendo relevante para muitas pessoas.

E como é voltar numa época em que a internet praticamente substitui a divulgação material de um novo trabalho?

Uma banda para estar viva tem que estar tocando, tem que estar na estrada. Tudo bem que com a internet a gente acaba atingindo o mundo inteiro, mas nada substitui a coisa presencial. De estar ali na frente das pessoas recebendo energia e dando de volta. Além de adorarmos estar no palco, que é uma coisa que nos alimenta espiritualmente, sabe? Fora isso, eu acho que a banda precisa estar fisicamente unida, curtindo a vida juntos. Porque nós não gostamos de só nos encontrarmos para tocar. A gente gosta de se reunir para dar uma volta, tomar uma cerveja, essas coisas.

Voltando um pouco no tempo, eu gostaria que você falasse da fatídica participação de vocês no Hollywood Rock em 1993.

Esse Hollywood Rock foi muito marcante para nós, porque foi um festival que reuniu várias bandas muito relevantes da época. Basicamente aquela galera do início dos ano noventa, Alice in Chains, L7, o próprio Nirvana, Red Hot Chili Peppers, e tal. Eram todas bandas que a gente gostava. 

Você ainda tocou pelado...

Marcou muito essa história de eu ter entrado no palco peladão, apenas com a meia no pau, tipo Chili Peppers. O comentário geral nos bastidores era de "quem são esses caras?". Acho que de alguma forma isso acabou influenciando nas outras performances, já que depois disso o Kurt Cobain mostrou o pau na TV, as meninas do L7 ficaram peladas no final do show. Ou seja, acho que eles pensaram: "Ah, é assim que se faz no Brasil, então vambora!" (risos).

E qual foi a importância desse show para aquele determinado momento que vocês viviam?

Cara, o show da Apoteose foi incrível. Mas eu me lembro do primeiro momento que eu subi no palco e bati de frente com 70 mil pessoas, que foi no show de São Paulo, no Estádio do Morumbi. É aquela coisa: você sabe que vai ter um montão de gente, sabe que vai ter um puta palco, porque já passou o som e tudo, mas quando você sobe no palco e vê aquela massa de gente... Nossa, é uma sensação muito brutal! Eu acho que naquele momento, o Defalla representou a modernidade do país como banda. Representamos de alguma forma a ligação do que estava acontecendo no Brasil com aquelas bandas icônicas que estavam ali.

Vocês também tiveram o oportunidade de conviver com algumas dessas bandas nos bastidores. Como foi essa troca de experiências?

Foi muito legal ter convivido com esses caras. Foi meio uma coisa fã e banda contemporânea sabe? Tiveram várias histórias engraçadas que a gente nunca vai esquecer.

Por exemplo...

Ah cara, lembro que a gente tava trocando uma ideia com o Flea [baixista do RHCP], e chega o segurança puto para caralho dizendo que nós estávamos incomodando o "Sr. Flea". Só que o Flea mandou o cara sair fora porque ele tava adorando o papo. Outra parada legal com os Chili Peppers foi quando o Anthony Kiedis ouviu a gente escutando o nosso disco num rádio que levamos para o local e ele pediu o nosso disco porque tinha se amarrado no som. Também teve as meninas do L7 mostrando a bunda para gente numa escadaria do hotel. Mas o pior foi o Jerry Cantrell [Alice in Chains] que queria me dar porrada.

Como assim?

Encontrei-o na night e ele tava meio puto que uma fã tinha roubado o dog tag do pai dele, que era do Vietnã. Eu tinha acabado de chegar de um programa do festival, aí fui mostrar para ele um artigo que dizia que os riffs dele eram chupados do Jimi Hendrix. Na hora ele ficou puto, tipo "O Quê? O que você tá falando cara?". Tentei me defender dizendo que não tinha sido eu que tinha falado, e sim, o que estava escrito ali. Mas ele já veio para cima querendo sair na mão. Aí juntou aquela galera do deixa disso e acabou ficando por isso mesmo.

Na minha opinião, o Defalla sempre foi uma banda contemporânea do funk metal. Penso que foram talvez a única banda nacional que conseguiu representar aquela fase funk metal, que invadiu o mundo no início dos anos 90. Você concorda com isso?

Isso é realmente uma coisa muito interessante. O DeFalla sempre esteve muito conectado com as coisas que aconteciam no mundo. Até por isso a gente foi muito acusado de copiar as coisas, o que não era verdade. Nós estávamos apenas inseridos num contexto coletivo. A gente comia nas mesmas fontes que esses caras, por isso a similaridade. Por exemplo, a gente gostava tanto do George Clinton quanto os Chili Peppers gostavam.

Você acredita que o fato do Kingzobullshit ter sido lançado nessa mesma época ajudou a criar essa referência?

Com certeza. Um fato interessante é que lançamos esse disco mais ou menos na mesma época que os Beastie Boys estavam fazendo o Check Your Head. Só que o disco deles saiu antes do nosso, e a primeira faixa dos dois discos usavam o mesmo sample, que é de uma música muito obscura do Jimi Hendrix, que é "Happy Birthday". Como nosso disco saiu depois, falaram que nós copiamos. Outro disco que saiu na mesma época que o nosso foi o Blood Sugar do Red Hot Chili Peppers, que tinha uma vibe parecida. Mas isso acontecia simplesmente porque nós sempre estivemos conectados com o mundo. Não importa que nós morávamos no Brasil e os caras moravam no Alasca, no México, em Los Angeles. Fazíamos parte de um mesmo núcleo. O Defalla sempre esteve ligado no que acontecia lá fora. Brasileiro é que tem esse complexo de inferioridade enraizado.

Para a maioria dos fãs, o Kingzobullshit é considerado "o disco" de vocês. Inclusive há uma grande parte de fãs que falam nem ouvir os discos posteriores. Como você vê isso?

(Risos) Muito boa essa pergunta! Eu entendo os fãs. Por exemplo, eu adoro Beastie Boys, mas para mim o Licensed To Ill é o disco que eu escuto, porque eu acho o mais foda. Para mim, do Faith No More, o The Real Thing é o único disco que existe, porque é um disco que eu acho perfeito. Do Urban Dance Squad é o Mental Floss For The Globe o único disco deles que eu ouço até hoje. Então eu entendo a galera. Principalmente no Rio, onde o Kingzobullshit foi muito forte.

Tem uma fase do DeFalla que é muito diferente, que foi a do disco Fire. Fale um pouco sobre essa transformação, já que a banda mudou sonoramente e no visual também.

É muito interessante você perguntar sobre esse disco, porque muita gente não conhece. E os poucos que conhecem não gostam (risos). Eu sempre fui um cara muito eclético. Tanto que meus amigos metaleiros ficavam putos que eu andava com discos de Duran Duran e Iron Maiden juntos debaixo do braço. E no Fire foi uma onda Prodigy, meio Marilyn Manson e Ney Matogrosso (risos), e de se transformar num monstro, com maquiagem, lente de contato preta... Ou seja, foi meio chocante para as pessoas.

Vocês mudavam muito de sonoridade, chegaram a ter problemas com os fãs antigos por conta disso?

Sim! Lembro bem de dois shows na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, só que em épocas diferentes. Um deles foi na fase Fire, em que os fãs ficaram bolados com a nossa versão meio "Barbie dos infernos" que a gente tinha entrado. Nego xingou para caramba porque nós mudávamos o show todo. Ou seja, até as antigas, nós tocávamos de um jeito diferente. Nesse a galera ficou tão bolada que nem vieram falar com a gente no final. Mas teve um outro show, pós Kingzo, que eu entrei numa onda meio house e fiz um repertório todo nessa vibe. Acabou o show, e veio uma galera me intimando a voltar no palco e tocar tudo de novo só que da forma original, senão iriam meter a porrada na gente.

E vocês?

Voltamos e tocamos (risos).

DEFALLA E CACHORRO GRANDE NO IMPERATOR
Data: 7 de outubro, sexta-feira
Local: Imperator
Endereço: Rua Dias da Cruz, 170 - Méier
Horário: 21h
Classificação: 16 anos
INGRESSOS: 
1º lote: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
2º lote: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia)
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Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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