DISCOS: GHOST (MELIORA)

GHOST

Meliora

Loma Vista Recordings; 2015

Por Lucas Scaliza






A banda sueca Ghost (anteriormente chamada de Ghost B.C.) é um dos grupos mais misteriosos da história da música. Seus músicos se apresentavam encapuzados até a última turnê e nunca foram identificados por nomes, apenas pela titulação genérica de Nameless Ghoul. O vocalista muda a cada álbum, mas todos se vestem como um papa católico às avessas: a vetes brancas se tornam negras, a cruz cristã está invertida e sua face é ocultada por uma máscara e pintura facial que lhe dá um aspecto cadavérico. Embora um dos tenha sido identificado como Tobias Forge, músico sueco que possivelmente é o compositor do grupo, não há confirmação ou certeza sobre nada.

Temos apenas suas músicas e sua teatralização de concreto. A música deles pode ser descrita como um encontro do poderio de fogo do Black Sabbath com a boa mão dos Beatles para melodias e um jeito de se apresentar que lembra o senso de espetáculo do Kiss: a princípio a indumentária do sexteto até pode assustar um pouco, mas no final percebe-se que é algo quase inofensivo. Quase, pois não podemos desprezar o poder das ideias.

Meliora é um disco que não tem erro. Se você gostou dos dois primeiros, Opious Eponymous (2010) e Infestissumam (2013), encare sem medo o novo trabalho. Ele repete as mesmas fórmulas e não traz surpresas, mudanças estilísticas ou grandes inovações. As músicas ainda possuem aquele soco aveludado das guitarras Gibson distorcidas e aquela aura macabra alcançada pelo amplo uso do trítono, aquele intervalo musical de três tons que ficou conhecido como diabolus in musica e teve sua utilização banida pela igreja católica séculos atrás (mas foi resgatado no século XX por compositores eruditos, roqueiros e metaleiros, sem falar em criadores de trilhas sonoras). As músicas do Ghost – de qualquer um de seus álbuns – nunca é pesada demais, mas é graças a utilização harmônica e melódica do trítono que temos a impressão diabólica na música dos suecos.

O novo vocalista, Papa Emeritus III, tem uma voz jovial e um timbre muito parecido com os dois líderes do culto oculto que o precederam. Novamente eles tomam um caminho mais melódico do que agressivo, colocando elementos de metal no som, mas sem pesar a mão. O nível de distorção nunca chega ao volume e intensidade imposto pelo Metallica ou pelo Slayer, o vocal nunca é gutural como o do Lamb of God e embora criem uma atmosfera de filme de terror, nunca é tão depressiva quanto a do Opeth.

Ainda assim, há riffs de respeito. “From The Pinnacle To The Pit”, talvez a mais pesada de Meliora, é rica em boas ideias para ilustrar a queda de Lúcifer do Paraíso.  Já “Spirit” e “Mummy Dust”, outra das mais pesadas, apostam num desenvolvimento mais arrastado. “Mummy Dust” até permite que a voz de Emeritus III seja mais agressiva e rouca. “Majesty”, mais uma música que louva um rei diabólico, tem todo jeitão de hard rock clássico setentista em seus riffs e ótimos solos. Outra com jeitinho retrô é “Deus in Absentia” (na ausência de Deus) que é a exata equivalente de “Monstrance Clock”, do álbum anterior, apoiando-se bastante em climas grandiosos e um refrão para cima, embora celebre um “mundo em chamas” e te convide a queimar e se rebelar com eles.

Cirice”, a melhor música do disco, é tanto um stoner rock como uma trilha de terror, dedilhando na guitarra e no teclado notas escolhidas com rigor para criar a melhor impressão do mal possível. Sua letra, como bem ilustra o clipe da faixa, é uma doce sedução das almas jovens por uma liderança carismática e misteriosa que promete despertar o trovão dentro delas. “Cirice” é uma palavra resgatada do inglês arcaico que significa “a casa do Senhor”, ou simplesmente “Igreja”. Assim, supõe-se que esse sedução de que trata a música acontece em uma igreja (agora fica a seu critério imaginar em qual delas: católica, batista, neopentecostal, sinagoga ou mesquita). “Absolution”, outra das melhores de Meliora, tem um refrão fácil que fica na cabeça, mas um riff musculoso que combina a dinâmica das guitarras com o baixo e uma esperta virada de bateria. Tony Iommi ficaria orgulhoso dos suecos. “He Is” é quando a banda soa mais aberta e acessível, a balada dentro do disco que guarda uma ou outra nota que destoa levemente da harmonia. Isso nos lembra que estamos diante de um grupo que não deixa de pulverizar um sentimento de estranhamento mesmo quando a intenção é ser mais doce.

O mistério por trás da identidade dos cinco Nameless Ghouls e dos três Papa Emeritus que já assumiram a liderança do culto roqueiro criaram uma imagem de banda satânica ou ocultista em torno do Ghost. No entanto, como é de praxe nesses casos, é difícil saber até onde vai essa ideologia. Não podemos esquecer que várias bandas alinhadas ao black metal e metal extremo, como o Cradle Of Filth, já deixaram bem claro que não são participantes e nem advogam em favor de nenhuma seita, apenas usam os temas em suas músicas e se beneficiam do público que é atraído pela temática.

De concreto, um dos Nameless Ghouls afirmou que eles não têm religião e que acreditam que as religiões organizadas são um problema para o mundo. Ao mesmo tempo, esse Nameless Ghoul (talvez Tobias Forge?) afirmou que o nível de secularização na Suécia é tão elevado que ter uma religião é quase como ser louco. Porém, ele crê que a falta de uma ligação espiritual (ele não especifica o tipo) faz as pessoas terem buracos em suas almas, o que ele não considera positivo. Contudo, ele admite que, apesar dessa preocupação com os rumos da humanidade, é entretenimento que o Ghost faz em última instância, não uma evangelização.

As letras de Meliora e dos álbuns anteriores realmente possuem mensagens que não seriam bem vistas por nenhum cristão fervoroso, mas são todas letras bem simples, com palavras simples e conceitos bem genéricos e palatáveis, mais próximos do cinema de entretenimento do que da literatura ocultista de verdade. Ou é tudo uma grande cilada: o som mistura o dissonante trítono e melodias bonitas para conquistar mais pessoas; não cantam com vocal gutural para que mais pessoas consigam entender imediatamente suas letras; e usam termos simples para que a sedução seja mais abrangente e menos esotérica. A verdade é que há um marketing muito bem feito por trás dos suecos que se aproveita muito bem da estética do grupo e do mistério para manter as aparências e o interesse do público.

Meliora vem do latim e significa “melhor”. No entanto, este não é um disco exatamente melhor que Infestissumam. Ambos tem a mesma estrutura e as mesmas fórmulas e méritos. É um bom álbum, mas não avança muito musicalmente. Seria interessante o Ghost aproveitar a mudança de papa a cada novo disco e começar a inovar também na forma musical. Mal não faria a seu culto.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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