DISCOS: REFUSED (FREEDOM)

REFUSED

Freedom

Epitaph; 2015

Por Luciano Cirne




Eu sei, estou sendo repetitivo, mas não dá para começar o texto de outra forma: 2015 está sendo o ano da ressurreição no rock. Sleater-Kinney, Blur, Ash, Faith No More Swervedriver também decidiram sair do limbo de uma só vez e nos brindar com novos trabalhos autorais. Agora a bola da vez são os punks suecos do Refused, cujo último registro (o brilhante e seminal “The Shape of Punk to Come”) data de 1998. Desde então o carismático vocalista Dennis Lyxzén já esteve à frente de inúmeras bandas/ projetos bem sucedidos (International Noise Conspiracy, AC4, Lost Patrol), mas um fato curioso ocorreu: na época do lançamento de “The Shape...”, o disco foi muito mal recebido. Quase ninguém conseguiu digerir seu verdadeiro caldeirão de influências tão díspares como jazz, punk, música eletrônica e demais elementos inusitados que resultavam em nervosas viagens  que por várias vezes ultrapassavam os 7 minutos. Porém, como diz o ditado, “o tempo é o senhor da razão”. Com o passar dos anos, as pessoas captaram suas nuances (hoje esse álbum é figura garantida em qualquer top 10 de discos punks mais influentes de todos os tempos) e cada vez mais aumentou o clamor do público por uma reunião, o que finalmente ocorreu no festival alemão Rock Am Ring em 2012. A excelente recepção os animou a seguir tocando e agora, finalmente, um novo disquinho vê a luz do dia.                 

Antes de qualquer coisa, é importante frisar que “Freedom” não é um “Shape of Punk to Come parte 2, a vingança” e nem se propõe a isso. É um pouco mais direto (tirando "Useless Europeans", faixa que fecha o CD, todas as músicas têm entre 3 e 4 minutos) e menos experimental que seu antecessor, mas isso não significa em absoluto que é fácil de assimilar (de uma banda cujo maior sucesso, “New Noise”, dizia “Como podemos esperar que alguém nos ouça se continuamos usando a mesma voz / Precisamos de um novo barulho, nova arte para pessoas reais” podemos esperar qualquer coisa, menos o óbvio). Provavelmente o “culpado” pelo polimento foi o midas pop Shellback que assinou a produção, logo ele cujo currículo reúne artistas mainstream como o Maroon 5, Usher, Taylor Swift e, acreditem se quiser, até mesmo o One Direction. Contudo, quando descobrimos que o próprio disse em diversas entrevistas que sempre foi fã de carteirinha do Refused e que, inclusive, aprendeu a tocar bateria porque queria tocar as músicas do “The Shape...”, tudo começa a fazer sentido. A rápida e furiosa “Elektra”, escolhida como primeiro single e que dá início aos trabalhos, pode causar a impressão errada a ouvidos desavisados, mas logo vem a funkeada “Françafrique”, com seu coral de crianças repetindo “Exterminate the brutes” e letra que escancara sem meias palavras o que o colonialismo francês causou ao continente africano, os arranjos no mínimo inusitados para uma banda hardcore (de cordas na já citada “Useless Europeans” e de metais em “War on the Palaces”) e a genial “Servants of Death”, que em algumas passagens parece uma versão com guitarras mais pesadas do Daft Punk (!!) para comprovar que o Refused definitivamente não faz as coisas do modo fácil. Ao todo são quase 54 minutos de duração onde cada segundo parece ter sido estudado e construído meticulosamente.

Seria muito fácil para o Refused ficar confortavelmente ad infinitum tocando as músicas antigas em festivais ao redor do mundo e ganhando uma boa grana sem correr o risco de ter a reputação maculada e/ou de frustrar expectativas da crítica e do público. Afinal, ninguém, nem mesmo o mais ferrenho fã, tinha esperança que depois de lançar algo tão revolucionário a banda ainda teria para onde avançar, mas Dennis e seus comparsas aceitaram o desafio e fizeram um belo disco que, se obviamente não é melhor que seu antecessor, também não decepciona e não faz feio numa eventual comparação. Se você é um punk inteligente e de mente aberta, não tem o que temer; agora se você é daqueles que acha que tudo se resume a Ramones, NOFX e afins, melhor nem arriscar...

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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