'Facelift' e a banda de metal que virou grunge

Foto: Alice in Chains / Facelift
Alice in Chains lançou 'Facelift' antes do estouro do grunge
Por Bruno Eduardo

Quando o grunge ainda embrionava em Seattle, uma banda fazia tudo soar bem pesado. Muito pesado por sinal.


O Alice in Chains é o exemplo da banda certa no lugar errado. Seja como for, eles tiveram a sorte (ou azar) de estar em Seatlle quando a cena "aconteceu" no mainstream. E acabaram - lógico - sendo taxados como "mais uma banda de grunge". Algo meio injusto, já que o tal estouro ocorreu em 1991, e esse disco em questão já tinha sido lançado um ano antes. Talvez Dirt, disco seguinte da banda, esteja mais próximo ao movimento, mas isso só ocorreu em 1992, um pouco depois da MTV se apropriar do grunge, e derramar sobre suas cabeças o status de novos rock stars. Além das influências oriundas do heavy metal e do hard rock, o Alice in Chains possuía um som muito particular. Na verdade, todas as bandas do tal movimento tinham suas próprias características - untadas apenas pela necessidade local de se expandir ao mundo. Quando ouvimos bandas como Mother Love Bone, por exemplo, notamos que a excentricidade artística da cena era o único mote do tal "grunge".


Ouvindo Facelift - primeiro disco da banda - hoje, vinte cinco anos após o seu lançamento, fica claro que as influências do metal e do hard rock são muito mais acentuadas do que enxergamos em "Bleach", do Nirvana, ou em qualquer álbum lançado pelos filhotes de Seattle, por exemplo. Logo, era difícil para qualquer ouvinte desavisado classificar o Alice in Chains como sendo da mesma turma dos casacos de flanela. Mesmo porque, os caras não ficavam restritos ao movimento territorial. Eles saíam em turnês com Megadeth, Van Halen, Slayer e Anthrax - bandas clássicas de trash metal e do hard - algo impensável para qualquer expoente do grunge em 1990. Entretanto, logo após a estréia do clipe de "Man In The Box" na MTV, e a gravação de "SAP" - um EP com quase todas as faixas acústicas e que contém participações de Chris Cornell (Soundgarden) e Mark Arm (Mudhoney) - a banda se enquadrou, historicamente, no movimento que marcou a música no início daquela década.


O ponto é que, mesmo com esse enquadramento, ao ouvir Facelift temos a impressão inegável de que sim, talvez exista alguma coisa grunge ali, mas, definitivamente, os rumos musicais do Alice in Chains são outros. Logo na primeira faixa do disco ("We Die Young") podemos ver Tony Iommi por trás do riff caprichado de Jerry Cantrell, além dos vocais marcantes de Layne Staley, características essas que permeiam todo o trabalho do grupo. Na seqüência está a já citada "Man in the Box", com seu riff mais do que conhecido por quem ouvia rock pelos idos anos noventa, e talvez a música mais inclassificável da época: não é pesada o suficiente para ser considerada heavy metal, em contrapartida, pesada demais para colocá-la ao lado de outras canções emblemáticas do grunge. Talvez o ponto marcante desse Alice in Chains (90) era essa dificuldade de posicionar o grupo no mercado. No entanto, o fato mais simples é que eles eram uma banda de rock pesado - e das boas.


Outra característica forte de Facelift são as baladas, que no mínimo, fazem com que arrepios subam coluna acima. Entre essas estão, "Bleed to Freak", "I Can't Remember", "Confusion" e "Love, hate, love", onde arranjos lentos e pesados fazem a cama para letras bem reflexíveis - de visão atordoada, bem ao estilo de Staley. Isso sem mencionar os vocais, que dão às músicas o complemento exato para a criação dessa atmosfera sombria.


Ainda há faixas improváveis como "I Know Somethin (Bout you)", que não seria exagero dizer que é possível encontrar alguma coisa de Red Hot Chilli Peppers (?!?) por ali, ou "Put You Down", que foge um pouco ao estilo visto nas primeiras faixas do disco.


Ou seja, de uma maneira geral, Facelift é o disco menos grunge de uma banda totalmente grunge. O heavy metal nunca foi tão grunge, e o grunge nunca foi tão heavy metal, como nesse disco lançado em 1990.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem
SOM-NA-CAIXA-2