O subestimando Fishbone e a origem da febre funk metal

Imagem: Fishbone  / The Reality Of My Surroundings
Em 1991, o Fishbone reuniu o melhor do funk metal em "The Reality..."
Por Douglas Moura

Anos 90. Com a curiosidade aguçada pelo sucesso de bandas como Faith No More, Red Hot Chili Peppers e Living Colour, resolvi conhecer melhor os outros expoentes do tal funk metal, nome dado à leva de bandas de crossover que tomava de assalto todas as rádios do Brasil, sem falar na MTV. Não existia internet naquela época, muito menos Youtube. E comprar discos importados numa era pré-Plano Real era quase tão caro quanto trazer o artista para um show particular no playground do próprio prédio. Sendo assim, como eu já conhecia quase tudo das bandas mais famosas do “movimento”, fui atrás daquela considerada precursora de tudo aquilo: o genial e subestimadíssimo Fishbone

Consegui, a duras penas, uma cópia em fita cassete do maravilhoso Truth and Soul (1988) com o amigo de um amigo, que pouco tempo depois foi levada, junto com meu Walkman, por um ladrão de ônibus que, certamente, não deve ter curtido o baixo sobrenatural de “Bonin’ in the Boneyard” e a maravilhosa “Ma and Pa”. Depois desse incidente, tive que urgentemente mandar trazer de Paris, o melhor disco desse grupo, que apesar de nunca ter chegado ao mainstream, influenciou toda aquela geração de bandas criativas, cujo ápice comercial foi exatamente no início dos anos noventa. Estou falando de The Reality Of My Surroundings, álbum de 1991 do Fishbone.

Pra começar arregaçando, o disco já abre com “Fight The Youth”, pauleira com seus riffs de guitarra à la Living Colour entremeados com fraseados de saxofone (say what?!?), dando o prenúncio do que viria a seguir. Devido à sua formação com guitarras, baixo, bateria, teclado e o trio de vocalistas / naipe de metais, a mistura de estilos da banda (ska, punk, pop, metal, soul, jazz, reggae, e às vezes tudo junto na mesma música!) soava complexa e ao mesmo tempo leve, original, genuína. Petardos como “So Many Millions” e “Naz-Tee May’en”, com batidas quebradas e suingadas, são verdadeiras aulas de crossover! Já “Pray to The Junkiemaker” e “Housework” eram canções divertidas mais na linha do ska/reggae, com letras ironicamente carregadas de questões sociais como as drogas e a violência doméstica. 

Seguindo em frente, faixas ao longo do álbum com improvisações ao vivo (“If I were... I’d”) davam pequenas amostras da energia dos shows da banda (“inacreditáveis”, diziam críticos e um invejado conhecido que teria ido ao festival Lollapalloza daquele ano). Os destaques, no entanto, ficam por conta de “Everyday Sunshine”, canção alto-astral com vocal de estilo gospel e linha de baixo pulsante do monstruoso John Norwood Fisher (reverenciado por 11 entre 10 baixistas da época), e “Sunless Saturday” - que foi a primeira música de trabalho do disco, com direito a videoclipe filmado por ninguém mais, ninguém menos que o renomado diretor Spike Lee, ícone das causas ligadas aos negros norte-americanos, o que dava toda a impressão de que o futuro do Fishbone seria promissor. 

Só que infelizmente não foi. E sabe-se lá o verdadeiro porquê! Talvez o Fishbone fosse complexo demais, quase experimental. É bem verdade também que, com o sucesso batendo à porta, as tensões internas tomaram proporções gigantescas - culminando na prisão de John Norwood Fisher, acusado de sequestro (!!) do guitarrista Kendall Jones, que havia anunciado sua saída da banda para se juntar a uma seita religiosa. Talvez tenha sido por isso também que “Give a Monkey a Brain” (lançado em 1993) - apesar de ter grandes momentos (como “Swim”, “Servitude” e a estupenda “Unyielding Conditioning”) - fosse tão irregular. Mas, mesmo assim, eles mereciam muito mais do que o simples status de banda “cult”. 

Resumindo esse sentimento generalizado de injustiça, Les Claypol, vocalista/baixista do Primus, em depoimento ao documentário “Everyday Sunshine - The Story of Fishbone”, afirmou que o Fishbone foi muito além de todas aquelas bandas fortemente influenciadas por eles. Depois de ouvir essa obra-prima que é The Reality Of My Surroundings, meus amigos, fica difícil discordar... 

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

1 Comentários

  1. Boa Bruno !!! Sempre com textos ótimos ,tenho o The Reality Of My Surroundings ,acabei comprando numa promoção ,uma antiga loja de CDs fechou e pude comprar esse Maravilhoso CD

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