DISCOS ODIADOS QUE AMAMOS: BAD RELIGION (INTO THE UNKNOWN)

Foto: Bad Religion / Into The Unknown
Punk progressivo? Into The Unknown é mais um disco odiado que amamos
Por Luciano Cirne

Imagine, fiel leitor(a), que estamos em 1983 na Califórnia, e a cena punk local vive seu auge. Você é integrante de uma banda hardcore cujo (excelente) primeiro disco saiu no ano anterior e foi muito bem aceito no underground. Agora vem a pergunta de um milhão de dólares: o que você planejaria para seu segundo LP? Provavelmente, inúmeras ideias passaram em suas cabeças, mas nada parecido com “vamos mudar radicalmente o som e virar uma banda de rock progressivo”, certo? Pois foi exatamente isso que o Bad Religion fez. 

Into The Unknown é um álbum que carrega uma certa aura de maldito: A banda o detesta  e praticamente não faz menção a ele. Perguntas sobre o disco em entrevistas resultam, na maioria esmagadora das vezes, em respostas do tipo: “Ouça você mesmo e aí você entenderá porque o odiamos tanto”. Os fãs, em sua esmagadora maioria, nem sequer sabem que o álbum existe. Into The Unknown foi tão massacrado na época que só teve uma tiragem de 10.000 cópias, que segundo o guitarrista Brett Gurewitz, foram praticamente todas devolvidas às lojas, e jamais foi relançado em CD - embora versões piratas existam aos montes e não seja difícil baixá-lo na internet. Entretanto, se ouvido com atenção e despido de qualquer preconceito, nota-se que é um trabalho ousado, anos luz à frente de qualquer banda punk daquele tempo e quiçá até mesmo do cenário punk atual.


Causou estranhamento saber que o Bad Religion fez um disco de rock progressivo? Então fique sabendo antes do punk surgir para o mundo, Greg Graffin e Mr. Brett eram fãs de Genesis, Jethro Tull e Cia, e Brett já disse em entrevistas que o nome da sua gravadora Epitaph Records foi inspirado na música “Epitaph” do King Crimson


Ao ouvir Ramones, Bad Brains e testemunhar bandas como o Dead Kennedys, JFA, Circle Jerks, Social Distortion e outras tocando praticamente na esquina de casa, acabaram fisgados pela energia e atitude do punk. “How Could Hell Be Any Worse”, sua bolachinha de estreia, vendeu 12.000 cópias, número expressivo que permitiu a Epitaph crescer e investir em sangue novo, lançando “Peace Thru Vandalism”, do The Vandals. Só que mentes geniais às vezes têm coisas que só mesmo elas conseguem entender: Após ganhar um sintetizador de presente, Greg Graffin, que já sabia tocar teclado muito bem, cismou de fazer um som mais elaborado e voltado para o rock progressivo. Brett, que tinha um gosto musical parecido, embarcou na dele, mas Jay Bentley (baixo) e Pete Finestone (bateria) acharam uma maluquice - não aceitando a ideia e caindo fora quase que imediatamente. Para seus postos, foram recrutados Paul Dedona e Davy Goldman, respectivamente, e que sairiam do Bad Religion pouco tempo depois do lançamento do disco (mais à frente direi o porquê). 


Em 30 de Novembro, “Into The Unknown” vê a luz do dia e pega todos os punks de surpresa, com músicas que ultrapassam sete minutos de duração (a lindíssima “Time And Disregard”, a canção mais longa que já fizeram), longos solos de teclado (“It’s Only Over When...”, “Losing Generation”) e até mesmo alguns flertes com o folk (“Chasing the Wild Goose”, “Billy Gnosis”). A aceitação foi péssima, mas esse nem foi o pior dos males: a turnê de divulgação foi um fracasso retumbante - Brett disse diversas vezes que nunca chegaram a tocar para mais de 12 pagantes -, o que fez com que desistissem de divulgar o material novo após algumas apresentações frustradas e que, ao final da mesma, Paul Dedona e Davy Goldman, desiludidos, resolvessem pedir as contas.


Em 2010, para comemorar os 30 anos de carreira, o Bad Religion lançou um box em edição limitada com todos seus 15 álbuns (até então) em vinil e, para surpresa geral, “Into The Unknown” estava presente em edição remasterizada - o que foi excelente, uma vez que o grande problema da edição original era sua produção paupérrima. Talvez por causa disso, em um show em em Nova York (no mesmo ano), a banda tocou “Billy Gnosis” ao vivo. Foi a primeira e única vez desde 1983 que uma música deste disco foi tocada. Desde então o LP voltou ao esquecimento, apesar de inúmeros abaixo-assinados na internet pedindo uma versão em CD do mesmo. 


É uma pena que pareçam se envergonhar do material, pois se por um lado o disco tem uma sonoridade esquisita, por outro é genial justamente por esse motivo. Afinal, o que é ser punk senão não seguir padrões? 


Assim como aconteceu com os suecos do Refused, cujo disco “The Shape of Punk to Come” também levou um bom tempo para ser assimilado por sua sonoridade, “Into The Unknown” é uma pérola a ser descoberta e que merece uma audição, mesmo que por curiosidade. Quem conseguir se recuperar do choque inicial de ouvir a banda tocando um estilo tão diferente do que a consagrou mundialmente terá uma agradável surpresa.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

1 Comentários

  1. Excelente resenha, e realmente, apesar de ser o som do álbum totalmente diferente do BR "convencional", vale mesmo a pena ser ouvido.

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