Zumbis do Espaço chega a um milhão de streams: uma breve análise do underground

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A canção "Onde Os Fracos Não Têm Vez" consolidou-se como o maior sucesso da banda brasileira de horror punk, Zumbis do Espaço, no Spotify, ultrapassando a notável marca de 1 milhão de streams. Este número é um feito expressivo para o cenário underground e reflete a qualidade da música, contida no álbum Destructus Maximus, lançado em 2009.

​Liderada pelo vocalista Tor Tauil, a banda mantém uma base fiel de 17.247 ouvintes mensais na plataforma. O último álbum de estúdio da banda Zumbis do Espaço é A Fúria Selvagem, lançado em 2024 contendo os singles "Aos Vivos Fica a Maldição" e "Ir, Seguir e Destruir", é o décimo álbum de estúdio do grupo e o primeiro com material inédito em cinco anos.

"Onde Os Fracos Não Têm Vez" de 2009 talvez funcione como o principal ponto de entrada para novos fãs. O algoritmo do Spotify pode estar identificando a canção como o grande hit da banda, o que perpetua seu ciclo de exposição. A faixa é tão marcante que sua popularidade digital é muito superior à segunda canção mais popular do grupo, "O Chamado da Estrada", também do álbum de 2009, que conta com mais de meio milhão de streams.

A procura pela canção se deve a sua melodia cativante? Ao refrão marcante? Ou ao fato de ser um dos pilares dos shows ao vivo? Nem a banda sabe o motivo.  Canções como "O Mal Nunca Morre" e "A Marca Dos Três Noves Invertidos" são extremamente muito mais populares nos shows da banda de Pindamonhangaba - SP. Para entender o mundo dos Zumbis do Espaço, talvez seja crucial definir o horror punk, gênero que eles representam no Brasil. 

​O que é Horror Punk?

Subgênero do punk rock que surgiu no final da década de 1970 nos Estados Unidos, misturando a sonoridade agressiva, rápida e enérgica do punk tradicional com uma estética e temática totalmente voltada para o universo do terror. Diferente do punk político, o horror punk foca no mundo sombrio e depravado do horror, muitas vezes incorporando elementos de rockabilly e rock & roll dos anos 50. As letras e a imagem da banda abordam temas mórbidos e violentos, frequentemente inspirados por filmes B de terror, ficção científica de baixo orçamento, zumbis, vampiros, psicopatas e monstros em geral.  

Os Misfits são considerados os fundadores do gênero e o ​The Cramps foram dos pioneiros que misturaram rockabilly e temas de terror de forma bizarra e visceral.​O The Damned, embora seja primariamente uma banda de punk/gótico, incorporou elementos mórbidos e teatrais que também influenciaram o gênero. ​Algumas bandas mais recentes são Balzac, Blitzkid, The Other, The BrainsCalabrese, Nim Vind, Nekromatix, Tiger Army, Rezurex e BZFOS.

​Voltando à banda paulistana, a temática de horror e monstros não se restringe apenas aos álbuns do Zumbis do Espaço. A banda é conhecida por promover anualmente seu tradicional show de Halloween, um evento temático que se tornou um clássico da cena underground de São Paulo, geralmente realizado na icônica casa de shows Hangar 110. Estes eventos não apenas celebram a data com o melhor da discografia da banda, mas também incentivam o público a comparecer fantasiado.

​Essa forte identidade visual e conceitual é sustentada, em grande parte, pela gravadora fundada pelo próprio vocalista, André "Tor" Tauil: a Thirteen Records. A ​gravadora fundada em 1995, é uma gravadora independente e tem sido o principal selo para os lançamentos do Zumbis do Espaço. A Thirteen Records desempenha um papel crucial na manutenção da autonomia criativa e na distribuição da música da banda e de outros nomes do punk rock nacional como Street Bulldogs, Magaivers e Carbona.

​Tauil também possui uma carreira solo dedicada à música country. ​Com álbuns como Maus Hábitos e Promessas Quebradas (2006) e o Outlaw Country Vol. 1, Tor explora o estilo outlaw country, com letras em português que abordam temas como vida na estrada, maus hábitos e desilusões, contrastando drasticamente com a agressividade e a temática de terror do Zumbis do Espaço, e demonstrando sua versatilidade musical.

O número de streams do Zumbis do Espaço não é um evento isolado. Mukeka di Rato, Garage FuzzDance of Days, Bella e o Olmo da Bruxa, Black Pantera e Surra também estão entre  as bandas  do underground brasileiro que possuem canções com mais de 1 milhão de streams na plataforma Spotify. Um reflexo da vitalidade e da relevância comercial da persistência da música pesada e contestadora no Brasil.

​O underground brasileiro tem força, e a mesma gera milhões de streams visíveis e que fazem barulho. Atingir a marca de 1 milhão de reproduções não é um feito isolado, mas sim uma realidade consolidada para diversos pilares da cena punk e hardcore. Longe de ser um movimento marginal, o punk rock, o hardcore e o underground brasileiro demonstram ter um público fiel e volumoso no Spotify, redefinindo o que significa ser popular na música pesada nacional. ​

O sucesso do Zumbis do Espaço e de seus contemporâneos, contudo, é drasticamente contrastado com o panorama do mainstream pop e sertanejo brasileiro. O que é um feito histórico e prova da longevidade no nicho do punk/hardcore, é o "normal" para um single de sucesso dos artistas pop/sertanejo mais populares do Brasil. Mas o fato dos Zumbis do Espaço de terem atingido tal marca também reflete a força e a diversidade de um cenário que consegue transformar a agressividade sonora e as mensagens diretas em números impressionantes.

A lista de canções underground no geral que superam o milhão de reproduções no Spotify traça um poderoso panorama histórico, reunindo hinos que abrangem quatro décadas de fúria sonora e crítica social. ​A canção mais antiga na lista é o clássico "Pânico em S.P." dos Inocentes, que atinge 1.872.564 plays e foi concebida em 1986 no mini-LP de mesmo nome, um número notável para um hino dos pioneiros. Seguindo a linha dos clássicos duradouros, o Gritando HC se mantém como um pilar da cena com "Velho Punk", que soma 1.773.904 plays. Essa faixa, lançada no álbum D.I.Y. ou Morra em 1997, celebra a identidade e a persistência de quem vive o punk na essência. ​O legado do rock pesado da virada do milênio está fortemente representado pelo Mukeka di Rato e a agressividade atemporal de "Rinha de Magnata" (1.064.258 plays), um marco do álbum Carne de 2007, e pela emoção visceral do Dance of Days em "Adeus Sofia" (1.017.062 plays), lançada em 2002 no álbum Coração de Tróia"Mulher", canção do Rancore, lidera a lista em volume de reproduções entre as faixas mais recentes, somando 1.874.437 plays com a faixa lançada no álbum Seiva de 2011, demonstrando o peso e a ascensão da nova geração do hardcore nacional.

​Os últimos anos mostram a plena vitalidade do cenário no streaming. O ska punk contagiante do Jimmy & Rats marca sua força com "Sol Menor" e seus 1.866.484 plays, uma canção de 2019 que se junta a outros sucessos recentes de grande apelo: "Neon Genesis Evangeleon II" do Bella e o Olmo da Bruxa (1.677.078 plays), do mesmo ano, e a fúria contestadora de "Bom Dia Senhor" do Surra (1.015.982 plays), do álbum Escorrendo Pelo Ralo, lançado também em 2019. O poder do hardcore mais técnico do Garage Fuzz está presente com "Fast Relief" (1.095.529 plays), faixa de 2015, comprovando que bandas com longa estrada continuam a gerar hits. A faixa mais recente na lista, "Padrão é o Caralho" do Black Pantera (1.059.672 plays), lançada em 2022, encerra o panorama, provando a capacidade da nova safra de músicos em alcançar o sucesso massivo na era digital.

​A diferença entre um milhão e múltiplos milhões

​Embora alcançar a marca de 1 milhão seja um feito notável que coloca bandas como o Zumbis do Espaço num clube seleto e estabelece um novo patamar de sucesso para o punk rock brasileiro e o hardcore (como visto com Mukeka di Rato, Surra, Garage Fuzz e Gritando HC), a marca de múltiplos milhões revela a verdadeira potência do público underground. ​A canção "Clube dos Canalhas" do Matanza, com incríveis 21.704.749 streams, define o teto do sucesso para bandas que não são consideradas mainstream como Fresno, NX Zero ou CPM 22.

Devemos considerar o Matanza, Dibob ou Forfun como bandas mainstream ou de sucesso? O Matanza comprova que o rock pesado, com uma proposta autêntica, tem potencial para rivalizar com artistas de grandes gravadoras em termos de alcance digital, sendo a faixa vinte vezes maior do que a marca de 1 milhão. Lembrando que "Clube dos Canalhas" é do Matanza "pré divisão". A banda carioca ficou fragmentada em três frentes: Matanza Ink, Matanza Ritual e Jimmy & Rats (que já está no grupo de canções com mais de 1 milhão de plays)

​O patamar de sucesso pode ser gigantesco, com acontece com bandas como Hateen (14.567.389 streams para "1997") e Dead Fish (10.021.527 streams para "Queda Livre") consolidando a marca dos dez milhões. Nem por isso vamos ficar sem festejar o milhão do Surra, Zumbis do Espaço, Black Pantera ou Garage Fuzz. Aproveitando para informar que não incluímos neste artigo os milhões de streams da cena metal brasileira como Crypta, Nervosa ou Krisiun.

Voltando ao punk clássico brasileiro, o maior destaque é a "Papai Noel Velho Batuta" dos Garotos Podres (do álbum Mais Podres do que Nunca, 1985), que se aproxima dos 3 milhões de streams com 2.995.277 reproduções. É a canção mais antiga na lista de streams milionários, junto com "Surfista Calhorda" de Os Replicantes (4.3 milhões de streams, álbum O Futuro é Vórtex, 1986), prova que os hinos de protesto e irreverência dos anos 80 mantêm uma audiência ativa por décadas.

​Faixas como "O Universo a nosso Favor" do Forfun (6.8 milhões de streams, álbum Alegria Compartilhada, 2009) e "Beber Até Morrer" do Ratos de Porão (4.2 milhões de streams, álbum Brasil, de 1990) mostram números entre 4 a 7 milhões de streams. Bandas muito diferentes em lírica e público — o Ratos de Porão é um ícone do movimento underground brasileiro, e o Forfun talvez possa ser considerado mais mainstream após sua recente turnê nacional com a 30e — mesmo assim, demonstram que ambas têm audiência em larga escala no streaming.

​Outros nomes do underground que ultrapassam os 2 milhões de streams, como "Eu Não Posso Mais" do Pense (2.481.976), Sugar Kane com "Medo" (2.113.573) e Menores Atos com "À Distância" (2.105.196), provam a ideia de que o público do rock alternativo no Brasil é vasto e ativo. ​O sucesso de Zumbis do Espaço é uma conquista a ser celebrada, mas ele serve como uma porta de entrada para a verdadeira magnitude do público. O rock alternativo brasileiro não é apenas "vivo"; ele é milionário em audiência, com canções que alcançam o status de sucesso em números, mantendo ao mesmo tempo suas raízes e sua integridade underground.

​A lista evidencia que o punk rock, o hardcore e o underground brasileiro não apenas sobrevivem, mas prosperam e demonstram ter um público fiel e volumoso. No entanto, ela também ressalta que, na era do streaming, a escala de sucesso é radicalmente diferente: o que é um feito milionário conquistado com garra no rock contestador, é apenas o ponto de partida na indústria pop massiva, onde 1 milhão de streams representa o "piso básico" para um single de sucesso a ser atingido em apenas um dia ou algumas horas.

A seguir, algumas canções utilizadas para entender parte da dimensão do streaming "underground" brasileiro no Spotify: 

1 - 21.704.749 - Clube dos Canalhas (Matanza)
2 - 14.567.389 - 1997 (Hateen)
3 - 10.021.527 - Queda Livre (Dead Fish)
4 - 6.849.736 - O Universo a Nosso Favor (Forfun)
5 - 4.864.100 - Garota de Berlin (Supla)
6 - 4.391.324 - Surfista Calhorda (Os Replicantes)
7 - 4.222.639 - Beber Até Morrer (Ratos de Porão)
8 - 2.995.277 Papai Noel Velho Batuta (Garotos Podres)
9 - 2.481.976 - Eu Não Posso Mais (Pense)
10 - 2.113.573 - Medo (Sugar Kane)
11 - 2.105.196 - À Distância (Menores Atos)
12 - 1.874.437 - Mulher (Rancore)
13 - 1.872.564 - Pânico em S.P. (Inocentes)
14 - 1.866.484 - Sol Menor (Jimmy & Rats)
15 - 1.773.904 - Velho Punk (Gritando HC)
16 - 1.677.078 - Neon Genesis Evangeleon II (Bella e o Olmo da Bruxa)
17 - 1.095.529 - Fast Releif (Garage Fuzz)
18 - 1.064.258 - Rinha de Magnata (Mukeka Di Rato)
19 - 1.059.672 - Padrão É O Caralho (Black Pantera)
20 - 1.017.062 - Adeus Sofia (Dance of Days)
21 - 1.015.982 - Bom Dia Senhor (Surra)
22 - 1.004.063 - Onde Os Fracos Não Têm Vez (Zumbis No Espaço)

Loquillo Panamá

Nômade agregador de ritmos musicais e fanático por shows. Está sempre correndo atrás de novidades para multiplicar e informar os amantes de boa música.

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