Black Pantera faz show histórico em Circo Voador lotado

Foto: Rom Jom / Rock On Board

​No mundo atual, já quase no ano 2026, um show ao vivo é, praticamente, o compartilhamento de stories de centenas de fãs transmitindo suas experiências ao vivo via redes sociais, direto dos seus celulares. 

O misticismo do álbum gravado ao vivo deixou de ser o foco de uma etapa ou turnê específica. Com exceção, talvez, do Depeche Mode, que continua lançando religiosamente um álbum, blu-ray ou filme após cada uma de suas turnês mundiais. O registro dos shows virou algo feito pelos fãs e, poderia se dizer, de uma maneira efêmera e descartável. 

​Pequenos artistas precisam do álbum ao vivo para mostrar a fúria direto do palco, para vender ingressos em outras capitais, países ou festivais. Assim obtendo uma polaróide sonora da apresentação, um documento eterno, e no caso desta noite, uma lembrança do festejo aos 10 anos do Black Pantera.

​A energia dos shows, muitas vezes caótica ou maratonista, crua e potente, que geralmente fica mais agressiva do que na gravação em estúdio, precisa ficar plasmada para sempre. 

Foto: Rom Jom / Rock On Board
 
Muito se perde em gravações em estúdio ao separar álbuns em camadas, canais ou sessões. A reação da plateia pode transformar uma balada triste numa gritaria orquestrada ou um rock comportado num hardcore potente e furioso. ​É por isso que estamos aqui, no Circo Voador, na véspera do Dia da Consciência Negra. Uma das mais importantes bandas pretas do Brasil quer registrar 10 anos de existência. Voraz e política, sem medo de mostrar as feridas ou erros, sedenta por novos horizontes, quer abrir e fechar um capítulo.

O álbum ao vivo antigamente era uma peça-chave na discografia de uma banda.  Uma carta de apresentação em territórios desconhecidos, para públicos que não tinham acesso a fitas de vídeo VHS, para artistas que não tinham shows transmitidos na TV aberta ou em canais de música a cabo - como a MTV, Much Music ou Direct TV. Nos anos 70, discos ao vivo como o Budokan do Cheap Trick e o Alive! do Kiss fizeram com que, finalmente, essas duas bandas ganhassem discos de ouro, reconhecimento e mais fãs.

Foto: Rom Jom / Rock On Board
Os Ratos de Porão sempre falam que deveriam ter gravado o Ao vivo de 1992 no mítico Circo Voador, uma lona em formato de anfiteatro, com piso e palco de madeira, no coração da Lapa, embaixo dos Arcos. O álbum de 1992 dos Ratos de Porão saiu 8 anos após seu álbum de estreia em 1984. Os irmãos Da Gama decidiram completar a década para registrar o ALIVE DO BLACK PANTERA
 
​O trio mineiro, Black Pantera - dois irmãos e um amigo -, decidiram vir pela terceira vez no mesmo ano para sentir a demência explícita da plateia carioca [eles tocaram no Circo Voador em fevereiro], que canta, dança, aplaude, batuca e grita fervorosamente a cada canção. Poderiam ter aproveitado o momento intimista no show na casa vizinha, Agyto em junho de 2025 ou a participação em festivais grandes como The Town, Rock In Rio, Rock Al Parque na Colômbia, ou o Knotfest. Mas a decisão foi de voltar ao sempre enigmático e vistoso Circo Voador.

​Se o Black Pantera tivesse aparecido nos anos 90, seria tão grande quanto Raimundos, O Rappa ou Planet Hemp. Como em 2025 a comunicação é através de redes sociais e a música não tem respaldo da rádio, nem de jornais ou da TV, a banda mineira realmente faz um trabalho de guerrilha onde cada passo é importante para expandir o conteúdo e o pensamento.

Foto: Rom Jom / Rock On Board

​Uma banda que investe na sua postura de palco e presta atenção no seu público, deixa uma marca que vai expandindo. O boca a boca: "essa banda ao vivo é foda", é repetido a cada visita à Cidade Maravilhosa, purgatório da beleza e do caos. O resultado: sempre há novas pessoas vindo conferir a recomendação. ​O show tem muita gente apreciando e muita gente participando. É o curioso caso da multidão que ocupa a grade para cantar e agitar, enquanto a mesma quantidade de pessoas quer fazer rodas.

​A banda deixa todo mundo de joelhos, todos pulam juntos, todos gritam "sem anistia", "Padrão, padrão é o c...", "Fogo nos racistas", "Minha mãe não tem hora para chegar (do trabalho)". Celulares iluminam a pista. Isto é inacreditável: sem muita instrução, o público faz desta apresentação a sua própria cerimônia. A escolha certa do local para registrar um audiovisual irretocável e sem precisar de direção ou roteiro.

​Não existe versão apolítica do Black Pantera. Tudo tem visão definida e posicionamento. ​Se, por causa do discurso político você não abre seus ouvidos, é uma verdadeira pena. A maioria das bandas em inglês que você escuta também o tem, e você grita as letras. ​​No caldeirão da noite dos mineiros no Circo Voador, o molejo carioca remexe as cadeiras e responde com vibração constante e rítmica.

Foto: Rom Jom / Rock On Board

Roda para meninas, um fã
PNE (Pessoa com Necessidades Especiais) é içado na sua cadeira de rodas, e temos outra roda só para ele. O show ainda não terminou e ainda tem wall of death. Charles Gama desce do palco e vai para a roda tocar guitarra. A plateia o levanta, e, erguido nos braços da multidão como um Cristo Negro ou um Jimi Hendrix ressuscitado, ele é levado novamente ao palco. Nada aqui é por acaso ou pequeno.

O Rio de Janeiro, quando gosta de algo, reage assim: com espontaneidade e carisma, coração, energia e alegria receptiva. Na terra do Carnaval, o baixo groovado do Chaene e a bateria tribal truculenta do Pancho, parecendo atabaques e berimbaus, fazem a nave pegar fogo. Aqui, Black Pantera é música para dançar, mexer e sonhar​Todos berram "Pólvora, pólvora!", "Foda-se!", e "Todo mundo já foi preto um dia."  São os refrões ou frases de efeito das canções que agora são completamente do povo que os seguem .

Até o fim do set com "Revolução é o Caos", "Boto pra Fuder" e "Godzila", a manifestação no Circo Voador não tem nenhum momento pouco participativo. 
Passando por "Ratatatá", "Punk Rock Nigga Roll", "Unfuck This" , "Provérbios",  "Boom!", "Candeia" e "Dreadpool". Repertório recebido com fúria selvagem pela plateia sedenta que sabe a que veio, e o que quer ver e receber.  Sem nenhuma atuação forçada por estarem sendo filmados, o Black Pantera soltou seu rolo compressor habitual e não deixa um segundo sequer cair.

Falta ver como fica a edição em vídeo e áudio de uma noite tão mágica e emocionante. Será que os microfones e as câmeras realmente captaram com nitidez e realidade o que aconteceu aqui esta noite?

Foto: Rom Jom / Rock On Board

O que garanto é que cada um dos que viu este show vai recomendar para muitos, e com certeza voltará por mais uma dose inesquecível com o trio metal de Uberaba, Minas Gerais.

​O resultado é um Circo Voador cheio, onde o público sabe todas as suas partes coreografadas, cantando desde o início de "Padrão". Sorte das câmeras e microfones que podem captar algo normal para os fãs do Black Pantera no Rio: cantoria e gritaria com os "Afro Latinos Filhos da Revolução"(Provérbios) e "Mocha".

​Aparece um homem fantasiado de Pikachu e faz a festa ficar mais louca; ele não é da produção. Exatamente essa espontaneidade é o que a banda veio registrar e procurar no Rio de JaneiroDentro do discurso inclusivo, sobra tempo e espaço para todos. Vemos na plateia a representatividade: dezenas de homens e mulheres pretos, trans, LGBTQIA+... Nem para o etarismo existe trégua. Há jovens, adultos grisalhos, góticos, punks e metalheads.

O Black Pantera é de fato necessário para todos. Em todos o sentidos.

Loquillo Panamá

Nômade agregador de ritmos musicais e fanático por shows. Está sempre correndo atrás de novidades para multiplicar e informar os amantes de boa música.

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