A plateia sabe o que veio fazer e reage, desde o minuto zero, numa explosão participativa. O Black Pantera entra ovacionado e em segundos "Candeia" incendeia a noite. A faixa do álbum Perpétuo (2024) é contagiante. Quase sem respirar, os fãs continuam cantando a letra memorizada da segunda faixa do setlist do mesmo álbum, "Provérbios". O coletivo numeroso, presente no Circo Voador grita junto : "Afro-latinos / Os povos originários / Não são clandestinos".
Black Pantera ao vivo é muito mais pesado, direto e agressivo do que nas gravações em estúdio. Uma mistura sonora com elementos que poderiam ser do Korn, Faith No More, Charlie Brown Jr, Planet Hemp, Squaws, Pavilhão 9 ou RATM, em doses equilibradas, com o detalhe de serem feitas por um trio. Temos na nossa frente um espécime brasileiro, inédito e inigualável, de fúria e potência demolidora com mensagens que falam facilmente com todos os públicos, iniciados ou não.
Black Pantera é um furacão vindo diretamente de Uberaba , Minas Gerais. Os irmãos Gama, Charles (vocal e guitarra) e Chaene (vocal e baixo), junto com Rodrigo Pancho (bateria), sabem o que estão fazendo, e como guerreiros armados, usam seus instrumentos para não deixar o espetáculo esfriar um segundo sequer.
Sem firulas, começa o hit do álbum Ascenção (2022), todos repetem automaticamente - "A coisa tá linda. A coisa tá preta". A letra de "Padrão é o C." agita a multidão participativa, que está feliz, o sorriso e satisfação são visíveis nos rostos dos que estão na roda, nas arquibancadas e nas laterais da lona da Lapa. Muitos trocam a letra de "Padrão" para "Patrão". Em 10 minutos de show, o Circo Voador mostra que sim, as visitas constantes de uma banda à cidade maravilhosa tem uma função. Aumentando o público e ganhando novos seguidores ao serem expostos constantemente à novas plateias, Black Pantera continua atingindo o objetivo. Muitos foram exclusivamente para ver a banda mineira e não esperaram pelo show seguinte. A caravana demolidora, de canções protesto, não para, e apresenta "Cola", "Boom", "Mosha" e "Perpétuo".
Chegou o momento crucial do show, em que todos ajoelham para participar do pula-pula em "Fogo Nos Racistas", canção-hino associada imediatamente à banda mineira. Se o Slipknot pode fazer a mesma coreografia todas às noites há 20 anos, quem vai impedir o Black Pantera de usar o mesmo recurso? O furor é visível. O show poderia terminar nesse instante, mas ainda temos mais.
A letra messiânica da canção "Tradução" - música de trabalho do álbum Perpétuo (2024), eleito pelos críticos como álbum Brasil do ano (leia aqui) - é cantada como uma oração por centenas de fãs presentes:
"Minha mãe tem hora pra chegar
Mas não tem hora pra sair,
Hora pra chegar,
mas não tem hora pra sair..."-
Pode parecer um mantra para quem escuta desavisado do lado de fora da lona.
Quem sabe se a mesma sensação acontece nos pátios dos colégios, ou para quem escuta alguém cantando a letra nos modais no transporte público urbano?
Um pequeno interlúdio e começa a tocar "Le Freak" do Nile Rodgers Chic Experience no som ambiente. O baile do Black Pantera tem swing. O baixo pulsante, no slapping constante do Chaene, é ouvido a noite toda, praticamente sem parar. Impressionante a destreza do músico nas cinco cordas, realmente uma força condutora guiando o espetáculo brutal que Black Pantera mostra no palco.
O baixo acompanhando o "Le Freak" serve de introdução para "Fudeu". O Charles chama todas as mulheres presentes para uma roda de pogo, exclusivamente para elas, "só as minas". Os torpedos sonoros finais são "Mahoraga", "Revolução é o Caos" e "Boto pra Fuder". O Chaene passando deitado por cima das cabeças da plateia, tocando seu baixo, marca a festa final. Quando o Black Pantera sobe no palco a coisa é real, é incendiária, e panfletária. É a verdade social exposta sem fábulas ou versões lúdicas. A história nua e crua escancarando a ferida social vigente e pujante.
Muitos não querem ouvir, muitos intimidam dizendo "que não é nada disso", "é vitimismo", "é exagero".
Mas o direito de fala é deles, e o Black Pantera quer falar para o mundo o que muitos seres silenciados eternamente gostariam de ter gritado aos quatro ventos.
Black Pantera é necessário e com certeza vai cada vez aumentar mais e mais, os seus ouvintes. Histórias reais contadas de uma maneira coerente, convincente e contagiante.
A mensagem é clara e objetiva: Não aceitamos condições ou tortura. Somos donos da nossa liberdade e não vamos renunciar a ela. Queremos lembrar vocês e chamar para nossa luta juntos.
Saldo final uma verdadeira transformação espiritual. Não perca este show da próxima vez que passarem pela sua cidade.
Na abertura, Elm Street da Austrália faz bom show
Um verdadeiro "Rock 'n' Roll Dream", sair da Austrália e vir desbravar a América do Sul, totalmente desconhecidos, abrindo para bandas de maior alcance. O Elm Street de Melbourne fez as malas e com seu heavy metal bastante calçado no thrash metal melódico dos anos 1980, em momentos seguindo uma escola Megadeth com vocais NWOBHM, com inspiração entre Udo ou Lemmy. Sorte dos que chegaram cedo e sentiram a força jovial dos visitantes da Oceania.
Com temática cinematográfica, "Children of Elm Street" sim, fãs de cinema e do Freddie Krueger sem nenhuma dúvida, desde o Álbum de estreia, Barbed Wire Metal de 2011.
Muito felizes de estar fazendo um show no Rio de Janeiro, o vocalista relatou: "Desde jovens assistíamos vídeos do Iron Maiden no Rock in Rio e dizíamos: "Que galera maluca e animada". O guitarrista começa o riff inicial da versão ao vivo gravada na cidade do Rock de "Wicker Man", que a plateia identifica em segundos. "Sempre sonhamos em vir tocar aqui e queremos um pouco dessa loucura de vocês. Poderiam vocês acompanhar com as palmas".
Concretizando um sonho e com experiência de palco, os australianos vão ganhando os presentes sem muito esforço e com muita paixão. O set incluiu um tributo ao Paul D'ianno cantando "Running Free" e dedicam a noite ao Dio. Elm Street tem três álbums na sua discografia, incluindo o último, The Great Tribulation (2023).
Para despedir a noite, voltam à faixa "Metal is The Way" que fecha o álbum debut de 2011. Tomara que consigam voltar.