Bruce Dickinson dá nova vida a álbum de 1994 com novas guitarras e antigos sonhos

Bruce Dickinson

More Balls To Picasso
⭐⭐⭐✰4/5
Por  Lucas Scaliza 


É bem possível que arranjos atmosféricos (como os instrumentos amazônicos no início de "Gods of War") passem despercebidos pelo ouvinte. Mas as guitarras base não. Elas atingem você como uma voadora com os dois pés, digna do Zangief em Street Fighter 2. More Balls To Picasso é o relançamento do segundo álbum solo de Bruce Dickinson, originalmente chamado Balls To Picasso de 1994. Esse foi o primeiro álbum solo do inglês em parceria com Roy Z e sua reentrada no heavy metal, já que seu primeiro disco (Tattoed Millionaire, 1990) é mais hard rock. Outra característica marcante desse álbum é como Dickinson se afastou totalmente do estilo Iron Maiden e buscou a modernidade do metal de sua era, lançando bases do que seria evoluído mais tarde em discos como o ótimo Accident of Birth (1997) e o incrível The Chemical Wedding (1998).


O projeto tinha um objetivo claro. Além de reabilitar o disco de 1994 para um novo público, Bruce queria aproveitar parceiros e tecnologias de hoje para incrementar o som de todas as músicas, podendo realizar algo que não foi possível 30 anos atrás. Segundo o cantor, as guitarras já deveriam soar mais pesadas e havia ideias de arranjos (percussão, detalhes vocais e atmosféricos, além de arranjos de orquestra) que por diversas razões não entraram no lançamento original. É por isso que More Balls To Picasso é tratado como uma "reimaginação" do original.



Bruce conseguiu. More Balls... é uma pedrada que chega com fôlego renovado e pronto para ser curtido por mais de uma geração que se acostumou com os timbres de bandas mais modernas (de Deftones a SOAD) e mixagens mais agressivas. O produtor e engenheiro de som Brendan Duffey, que trabalhou em The Mandrake Project (2024), foi quem orquestrou toda essa revitalização e remixagem. 

As guitarras solos continuam intactas. Já as bases foram completamente substituídas e regravadas. Para esse trabalho, Dickisnon recrutou o sueco Philip Näslund, que é também um de seus guitarristas na House Band of Hell, o grupo que o acompanha ao vivo desde 2024.

Näslund mostra um trabalho impecável ao recriar as bases de Roy Z. Precisão, técnica e fidelidade ao original. O timbre que encontrou junto a Duffey é realmente moderno e mais "na cara", constituindo a mudança que mais ressalta o poderia de More Balls To Picasso. Aqui entra uma questão de gosto - ou de entendermos o propósito do trabalho. Ao ouvir músicas como "Laughing in the Hiding Bush" ou "Hell No" no Balls... original, as guitarras vem com aquele timbre agressivo, mas mais arredondado e vintage (por assim dizer). Já em More Balls, o som do instrumento é massivo, muito mais porrada e à frente, o que pode soar um pouco demais, principalmente para quem já conhece o original. Mas, veja bem, a ideia era mesmo ser moderno e mais metal. Mas para quem prefere a versão de 1994, o álbum original continua existindo nos vinis, CDs e streamings de sua preferência. Não é como se Bruce Dickinson estivesse substituindo o produto para sempre.


Desde que essa reimaginação foi anunciada, uma das faixas que mais queria ver como ficou era "Change of Heart". Balada mais leve, emocionante e com arranjos de flamenco, ela é um dos pontos mais altos de More Balls como canção e como reconstrução. Desde seu início, é perceptível os arranjos novos de Adasi Addassi e a instrumentação de cordas mais viva e mais fluida. Quando a guitarra com crunch entra, não chega a ser tão agressiva. Um equilíbrio perfeito e talvez o registro definitivo da composição. "Shoot All The Clowns" é outra que incluiu um naipe de metais do Berklee College of Music, trazendo um frescor para a música. Dessa vez, as seis cordas foram regravadas pelo brasileiro Conrado Pesinato (Graham Bonnet Band) e encontraram um posicionamento perfeito na mixagem. Mais outro acerto que talvez não divida opiniões. E "Fire", agora sim, está incendiária e empolgante como nunca antes.

Claro que este também é o álbum de "Tears of The Dragon", o maior clássico da carreira solo de Bruce Dickinson. Sua nova encarnação é competente, mas não chega a surpreender, talvez por estarmos muito acostumados com a versão original, que é incrível. O arranjo orquestral do brasileiro Antonio Teoli dá mais cores à música e as guitarras mais cheias e quentes do refrão fazem ela ganhar uma dinâmica nova. Mas os vocais de Bruce, que não foram regravados (para nenhuma das faixas) e aquele solo de Roy Z, também mantido como o conhecemos, continuam sendo as forças indubitáveis por trás da emoção dessa faixa.


Entre novas guitarras e sonhos antigos, More Balls To Picasso revitaliza uma fase crucial da carreira solo do artista e pode muito bem ajudar o cantor veterano a ser redescoberto por uma nova geração. Mais do que modernizar o som, esse produto mantém a produção do artista circulando e mostra que Bruce tem novas ideias - e elas não estão presas em um passado nostálgico.


Lucas Scaliza

Jornalista, músico sem banda e estrategista de marca. Não abre mão de acompanhar os sons do agora. Joga tarô e já foi host de podcast.

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