Saiba como foi o último dia do Best Of Blues And Rock

Foto: Carol Goldenberg / Rock On Board

Um festival que leva no nome a missão de reunir o melhor do blues e do rock não poderia ter escolhido um encerramento mais simbólico e representativo. O último dia do Best of Blues and Rock 2025, neste domingo (15), entregou uma jornada sonora que transitou do vigor juvenil do hard rock ao refinamento da soul music, culminando no peso histórico de uma das maiores lendas do rock britânico. No palco, Hurricanes, Judith Hill e Deep Purple ofereceram não apenas shows, mas experiências que transcenderam gerações.

Hurricanes: o velho novo rock em alta rotação

Quem abriu a noite de domingo no Best of Blues and Rock 2025 foi a Hurricanes, banda brasileira que tem se destacado no cenário nacional por resgatar a essência do rock clássico com identidade própria e sotaque daqui. Com um som que bebe direto da fonte de nomes como Led Zeppelin, Deep Purple e Rainbow, o grupo trouxe ao palco uma técnica afiada e, acima de tudo, paixão pelo que faz.

Mais do que um simples revival do rock, a Hurricanes representa uma nova onda de bandas brasileiras que não têm medo de flertar com o vintage, mas o fazem com originalidade, sem soar caricaturais. Em um cenário ainda muito dominado pelo pop e pela música urbana, ver uma banda autoral de rock em um palco de grande festival é mais do que refrescante — é necessário.

O vocalista demonstrou carisma e domínio de palco, enquanto o guitarrista se destacou com solos longos e expressivos, dignos de arenas. Ao final do show, a sensação era de que o Hurricanes não apenas aqueceu a plateia — preparou o terreno com dignidade e presença para uma noite que só ficaria maior.

Judith Hill: a força, a alma e a herança feminina no palco

Se o Hurricanes representou o peso, Judith Hill trouxe o coração da noite. Cantora, compositora, multi-instrumentista e, acima de tudo, uma artista que carrega nas veias uma missão que vai além da música. Judith não é só uma intérprete — ela é também um símbolo da resistência feminina e negra em um mercado historicamente dominado por homens.

Filha de músicos — seu pai, Robert “Pee Wee” Hill, no baixo, e sua mãe, Michiko Hill, nos teclados — Judith literalmente sobe ao palco com suas raízes. E isso não é metáfora. Sua banda é sua própria família, e esse elo transborda na química, na troca de olhares e na sinergia absolutamente orgânica entre eles.

A artista, que já dividiu palco com nomes como Prince e Michael Jackson, leva adiante um legado que mistura soul, funk, R&B e blues, sempre com uma pegada moderna e uma presença cênica magnética. No palco do Best of Blues and Rock, ela entregou um show que foi muito além da técnica vocal — impecável, diga-se.

Suas canções foram muito mais do que músicas: foram manifestos. Judith canta sobre identidade, sobre resistência, sobre amor próprio e sobre quebrar barreiras. E o faz com uma naturalidade desconcertante, ora sentada ao piano, ora com a guitarra em mãos, ora dançando sob luzes roxas que evocam a memória de Prince, seu mentor espiritual e musical.

Ser mulher, negra, multi-instrumentista e protagonista de sua própria história no universo do blues e do rock não é algo trivial. Judith ocupa esse espaço com autoridade e, mais do que isso, convida outras a ocuparem também.

Deep Purple: quando a lenda se adapta ao tempo

Quando as luzes se apagaram para a entrada do Deep Purple, ficou claro que ali não se tratava de um simples show — era uma celebração viva da história do rock. A abertura com “Highway Star” levou a multidão ao delírio imediato, mas também revelou o que se confirmaria ao longo da noite: Ian Gillan já não é mais o tenor incendiário dos anos 70, e isso não é surpresa para ninguém.

Aos 79 anos, a voz que uma vez rasgava os céus com os agudos hoje precisa ser dosada com inteligência. E é exatamente aí que mora a grandeza do Deep Purple atual. O repertório foi cuidadosamente desenhado para preservar Gillan, evitando as músicas que exigem registros absurdos, mas sem abrir mão do peso e da entrega.

Nos momentos em que a voz precisa de descanso, a banda inteira se ajusta. Don Airey, nos teclados, preenche espaços com solos mais longos, enquanto Simon McBride, que assumiu as guitarras após a saída de Steve Morse, exibe uma destreza e sensibilidade que impressionam até os fãs mais céticos. 

O baixo de Roger Glover e a bateria de Ian Paice, último membro da formação original ainda em atividade na banda, formam uma cozinha rítmica que não dá margem para falhas. Eles sustentam Gillan, criam colchões sonoros que tornam as limitações quase imperceptíveis e, mais do que isso, transformam essas limitações em virtude — em sinal de humanidade.

O encerramento, com “Smoke on the Water”, “Hush” e “Black Night”, foi um rito coletivo, onde não importava mais se a voz não chegava exatamente onde costumava. O que estava em jogo era o peso da história, da memória afetiva e da constatação de que o tempo, embora implacável, não é capaz de apagar aquilo que foi — e segue sendo — essencial.

Um festival que não esquece de onde veio, nem para onde vai

O Best of Blues and Rock 2025 fechou sua edição com a dignidade de quem sabe que tradição e inovação não são opostos, mas aliados. Três shows. Três gerações. Três formas de entender e viver a música. Do peso renovado do Hurricanes, passando pela força feminina e ancestral de Judith Hill, até a lenda viva que é o Deep Purple, o festival deixou claro: o rock, o blues e suas vertentes estão vivos, pulsantes e, acima de tudo, necessários.

Que venha 2026 — e que seja, mais uma vez, inesquecível.

Carol Goldenberg

Advogada de formação, amante incondicional da música desde terna idade. Frequentadora assídua de shows e festivais, sempre presente nas plateias dos mais variados gêneros. Guitarrista, roadie e guitar tech. Recentemente, decidiu seguir seu coração, ingressando no mundo da produção de eventos.

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