System Of A Down no Rio: uma catarse coletiva insana e selvagem

 
Há muito não se via um ambiente parecido no Rio de Janeiro por conta de um show de rock. Nas proximidades do Estádio Nilton Santos, camisas, bandeiras, copos e faixas levando o nome do System Of A Down, eram vendidos a torto e a direito. Inclusive, vale registrar que esse foi um dos shows mais uniformizados dos últimos tempos. Eram camisas de tudo que é estampa, e diferente da maioria dos shows de rock, nesse, era raro ver alguém vestindo uma camisa de banda que não fosse a da atração principal da noite. O clima de ansiedade de dentro e fora do estádio, era explícito e surpreendente. 

Pessoas de todas as faixas etárias, e vindo de tudo que é canto do Brasil e do mundo, iam chegando aos poucos no Engenhão. Podemos dizer que o System Of A Down fez muita gente sair de casa. E não só de casa. Uma galera atravessou fronteiras até o Rio de Janeiro, só para ver a banda. O nosso serviço de reportagem abordou gente que veio de Manaus, Floripa, Brasília, e até da Colômbia. Todos com o único objetivo de ver Tankian, Malakian, Odadjian e Dolmayan juntos de novo no palco. 

Uma banda que ultrapassou gerações

Você circulava pelo local do show e encontrava um público estreante, como meninos e meninas de 12, 13 anos de idade, acompanhados por seus pais ou responsáveis. Essa galera nasceu praticamente na época em que o grupo esteve no Brasil pela primeira vez. Muitos ali, inclusive, não entendem de primeira, a referência de um disco ser lançado com o nome de Steal This Album, sem encarte ou capa. Em contrapartida, tinha gente ali que curtia a banda desde a época em que o CD era a mídia musical mais popular - e rentável - do planeta. 

Mas por se tratar de uma turnê incrivelmente concorrida, com cinco shows de estádio praticamente sold out, ficava fácil de entender a relevância que esses descendentes de armênios tiveram e continua tendo no Brasil até os dias de hoje. Afinal, se formos falar de alcance popular, o System Of A Down é talvez a maior banda de rock pesado dos anos 00. Numa época em que se arriscar sonoramente era visto como suicídio comercial pelas gravadoras, o quarteto furou bolhas e transformou hits improváveis como "Chop Suey" e "Aerials", em sucessos radiofônicos epidêmicos. 

 
Tanto que do álbum Toxicity, que estabeleceu o System Of A Down como uma banda gigante do rock mainstream, 11 músicas foram tocadas nesse show do Rio. Vale lembrar que o disco foi lançado há 24 anos, e tem apenas catorze canções - ou seja, quase uma execução na íntegra de um álbum que já pode ser chamado de clássico do rock. Inclusive, é bem legal ver eles abrindo o show com "X", uma das músicas desse trabalho que melhor resume o estilo da banda em misturar porralouquice com guitarras ultra pesadas.

Um show nostálgico, e daí?

Ninguém parece se importar que a banda não lança nenhum disco desde 2005. E ninguém liga se eles não se bicam mais. Há muito tempo que a banda tem uma relação confusa entre os integrantes. As letras falam uma coisa. E tem gente na banda que pensa outra. Talvez por isso, não queiram mais se reunir para gravar nada novo. No entanto, isso não faz nenhuma diferença para que os shows continuem sendo catarses coletivas insanas. A experiência de um show do System Of A Down é algo que ultrapassa o prazer de apenas ver a banda tocando as músicas que você ama. Vai muito além disso. O que está em jogo aqui, é o que eles provocam no seu público quando sobem no palco.

Pessoas usam sinalizadores, fazem rodas de pogo (mosh), usam fantasias, pintam o rosto. Parece uma reunião de tribos com um só propósito: fazer dessa noite a mais selvagem de todas. Enquanto o grupo executa de forma impecável mais de trinta músicas, sem muito papo e qualquer pirotecnia, o público também dá o seu show. Luzes vermelhas, fumaça, mosaicos. Tudo vindo da plateia. A cantoria também rola solta. "Toxicity" é quase um hino pop (quase?). A galera canta de olhos fechados, todos abraçados, e depois se empurram, se batem, de digladiam. É um verdadeiro rito de guerra. O mesmo acontece com "Chop Suey" - seria essa, a "Smells Like Teen Spirit" da geração 00?

 
A violência sonora dicotômica que marca o System Of A Down acaba se refletindo na plateia de uma maneira poucas vezes testemunhada. Se uma banda precisa de motivação extra financeira para continuar fazendo turnês, uma dessas é a evocação popular. E esse chamado veio justificado por uma legião de pessoas obstinadas por riffs de guitarra, e canções que fizeram a diferença numa época em que o mundo analógico sucumbia. 

A verdade, é que nesse show do Rio e em todos os outros da turnê, os fãs foram para esse encontro realmente dispostos a viver o momento. A tal chamada "experiência", que é uma palavra desgastada por festivais de "música", faz total sentido aqui. Viver esse momento, com a dedicação de quem quer fazer parte disso, é algo que fez parte da proposta de quem esteve presente no Engenhão. Todo mundo ali, parecia estar no último show da vida. E todo esse empenho da plateia em ser parte fundamental do show, fez a diferença, transformando o campo do Nilton Santos numa verdadeira panela de pressão. E esse acontecimento catártico, humano, animal, de duas horas, acontecia no mesmo momento em que uma trilha sonora, executada por quatro caras, tocava canções como "B.Y.O.B.", "Psycho", "Spiders", "I-E-A-I-A-I-O" e "Sugar". 

Quem esteve lá no Estádio Nilton Santos, nunca mais vai esquecer esse dia de lavagem espiritual. Quem ficou em casa, também - só que por arrependimento. Ou seja, um fenômeno sentimental que só acontece nos shows históricos.

Assista a nossa cobertura em vídeo

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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