Em março de 1995, o Faith No More decidiu atestar sua singularidade musical ao lançar King For A Day Fool For A Lifetime. O primeiro disco sem o guitarrista Jim Martin é uma metralhadora sonora desenfreada, que surpreendeu até os fãs mais antigos. E se na época ele soou como um um amontoado de canções sem pé-nem-cabeça, hoje, 30 anos após o seu lançamento, esse disco é o que melhor reflete a proposta da banda - conhecida por ser alérgica a rótulos e modelos pré-estabelecidos. "Fazer a mesma coisa o tempo todo é entediante! Talvez tenhamos TDAH", disse Billy Gould, às gargalhadas, em entrevista exclusiva ao Rock On Board [você pode assistir o vídeo da entrevista no final desse artigo].
Finalmente livres
O fato, é que com a saída de Jim Martin, o Faith No More conseguiu eliminar a única peça limitadora de sua espontaneidade criativa. Jim detestou Angel Dust, principalmente porque o grupo decidiu incrementar elementos cada vez menos conservadores, como samplers, teclados preeminentes e ritmos mais sincopados. Se dependesse de Jim Martin, o Faith No More ficaria preso à canções como "Surprise You're Dead" e "Caffeine", por exemplo. Sem Jim, o Faith No More se viu num campo aberto, livre para experimentar e atirou para todos os lados em King For A Day. "Entramos em King For A Day com o sentimento de que poderíamos fazer qualquer coisa que quiséssemos, já que a pessoa que não gostava do que fazíamos, estava fora da banda".
Com isso, seria correto afirmar que o grupo nunca conseguiria fazer canções como "Evidence" e "Just A Man", se Jim Martin estivesse em King For A Day? Gould responde: "Não sei ao certo, mas é possível. Não seria do jeito que foi. Essas canções teriam uma energia diferente, com certeza".
O álbum teve as guitarras gravadas por Trey Spruance, companheiro de Mike Patton na sua outra banda, o Mr. Bungle. Com um estilo totalmente influenciado no jazz, ele acabou se encaixando perfeitamente ao que o grupo queria naquele momento. De acordo com Billy Gould, o FNM já estava com quase todas as canções compostas e vinha trabalhando com outros guitarristas, mas nenhum deles deu o "match" esperado. "Já tínhamos a maioria das músicas escritas antes dele se juntar ao grupo. Talvez 90%. Nós tínhamos tentado trabalhar com vários guitarristas antes dele, e embora fossem grandes guitarristas, eles não estavam pegando a música da nossa maneira. Então decidi enviar algumas coisas para o Trey e gostei do resultado. Simplesmente funcionou. Ele é tecnicamente um grande guitarrista, e definitivamente tornou as coisas melhores do que estavam", disse.
O queridinho de muitos fãs
Hoje, trinta anos após o seu lançamento, é cada vez mais frequente você encontrar fãs de Faith No More que colocam King For A Day como um de seus álbuns preferidos. Mas nem sempre foi assim. "Quando foi lançado, ninguém gostou. Foi uma bomba! Um desastre! Ninguém da gravadora gostou e os fãs não entenderam muito bem!", afirma Billy, que completa: "É engraçado quando você e outras pessoas me dizem que esse é álbum favorito do Faith No More. É ótimo! Mas eu queria ouvir isso há 30 anos", diz aos risos.
O baixista aproveita para tentar encontrar uma justificativa para a baixa receptividade do álbum na época: "Ele é realmente o oposto de Angel Dust. É realmente um som completamente diferente. É muito mais focado, mesmo que a música seja mais extrema. Então realmente foi uma diferença estética completa. Tudo o que faltava em Angel Dust, estávamos tentando obter em King For A Day".
No entanto, o Faith No More nunca deu muita importância às influências externas. Eles sempre caminharam de maneira muito anárquica, dando de ombros aos fãs, gravadora e crítica. Sendo assim, King For A Day é o mais puro e cristalino resultado dessa ciência musical improvável e totalmente desgarrada de expectativas comerciais. Embora hajam hits interessantes, como "Ricochet" e "Evidence", os melhores momentos do álbum estão nas pílulas de porralouquice ("The Gentle Art Of Making Enemies", "Cuckoo For Caca"), pretensão épica ("King For A Day") e momentos de aventura ("Just A Man", "Star A.D").
Seria esse então, o álbum mais experimental do grupo? Billy não vê dessa maneira. "Acho que todos os discos que fizemos foram experimentais. Estávamos sempre tentando fazer algo diferente do que tínhamos feito antes. Eu só não queria ser como uma banda onde pessoas de fora poderiam definir quem você é. Eu me lembro que naquela época, quando fizemos esse disco, o Metallica estava frustrado, porque estavam tentando ir em direções diferentes ("Load") e os fãs não deixavam. E vendo aquilo, eu apenas lembro de dizer a mim mesmo, que eu nunca gostaria de estar numa banda, onde os fãs me diriam que tipo de música eu posso tocar e que música eu não posso. Eu sinto que isso é muito limitador e estúpido. Então, se sentíssemos que precisaríamos ir numa direção, nós apenas iríamos sem pensar duas vezes", desabafou.
Um disco para tocar ao vivo
Uma das coisas que deixam King For A Day ainda mais relevante na história do Faith No More, é que ele contém um conjunto de canções fundamentais para a evolução musical do grupo, e que desde 1995 são praticamente a base dos shows da banda. Músicas como "The Gentle Art Of Making Enemies", "Ricochet", "Evidence", "King For A Day", "Just A Man", "Digging The Grave" e "Cuckoo For Caca" continuavam sendo amplamente executadas nas últimas turnês, o que faz deste álbum, uma espécie de catálogo essencial para conhecer o som da banda. "Isso é verdade! Nós usamos mais músicas desse álbum. Eu nunca tinha pensado nisso. São músicas divertidas para tocar. Elas são muito físicas, de uma maneira mais satisfatória. Mas eu nunca tinha reparado nisso até você falar, honestamente", confessa.
Para assistir essa entrevista na íntegra, basta dar o play no vídeo abaixo.
Assista abaixo a entrevista completa