30 anos de 'Frogstomp': o grito grunge de três adolescentes australianos

 
Onde você estava e o que você estava fazendo quando tinha 15 anos? A resposta mais comum de muitos que estiverem lendo este texto deve ser algo em torno de “estava na escola, sem muita certeza sobre o futuro profissional, mais preocupado com provas e garotas (ou garotos)”. Enfim, a vida normal de um adolescente. Daniel Johns, Ben Gillies e Chris Joannou também estavam vivendo esta realidade em Newcastle, na Austrália. A diferença deles para os demais adolescentes do mundo é que, entre uma aula de História e outra de Ciências, o trio também estava prestes a fazer com que o mundo novamente voltasse seus holofotes para a Austrália com o lançamento do seu álbum de estreia. No dia 27 de março de 1995 saia “Frogstomp”, primeiro álbum de uma banda que que viria a fazer muito sucesso num curto período de tempo entre o final dos anos 1990 e o início do século XXI. Seu nome? Silverchair.

Muito elogiado pela crítica quando foi lançado, “Frogstomp” é quase como um marco divisor entre o grunge de Nirvana, Pearl Jam e Soundgarden e o chamado pós-grunge que surgiria a partir de bandas como Bush, Colllective Soul, Live, Nickelback e o próprio Silverchair. Há quem diga, no entanto, que “Frogstomp” foi o último grito do grunge antes do seu fim definitivo.

Independentemente de rótulos ou posicionamentos na linha temporal da história da música, fato é que “Frogstomp” foi um álbum muito singular especialmente na história do rock dada a precocidade dos integrantes do Silverchair. É raro ver artistas começarem e terem tanto sucesso tão jovens como no caso da banda. Entre os exemplos mais famosos na história da música estão Stevie Wonder, Bjork e Michael Jackson. Portanto, o Silverchair foi um ponto fora da curva.

Até por esse fator, a história de “Frogstomp” se confunde com a própria formação da banda. E tudo aconteceu num intervalo de três anos. Quando tinham entre 11 e 12 anos, Daniel Johns (vocal e guitarra) e Ben Gilles (bateria) começaram a tocar juntos na escola primária. Quando mudaram para a Newcastle High School para o ensino secundário, conheceram Chris Joannou  (baixo) e formaram a banda Innocent Criminals ainda com Tobin Finnane como segundo guitarrista. Com essa formação, o grupo chegou a se apresentar em uma TV local como vocês pode ver no vídeo abaixo. Neste vídeo, Daniel tinha apenas 13 anos e ainda usava aparelho nos dentes:

Finnane logo largaria a banda e o grupo continuaria fazendo música como um trio. Em 1994, ainda como Innocent Criminals, o grupo venceu uma competição para bandas escolares, superando, inclusive, concorrentes mais velhos e experientes do que eles. Neste mesmo ano o grupo ainda gravaria suas primeiras demos. Entre estas primeiras gravações estavam “Pure Massacre” e “Tomorrow”. Mal sabiam eles que já estavam de posse de músicas que mudariam as suas vidas.

Com a demo de “Tomorrow”, o grupo conquistou uma outra competição nacional em 1994. Como parte do prêmio, eles tiveram direito a gravar um videoclipe que foi exibido na TV no dia 16 de junho daquele ano. Para esta gravação, o trio resolveu adotar o nome Silverchair. Vale a pena conferir a versão australiana do clipe de “Tomorrow”, mais simples, crua, com Daniel ainda adolescente emulando uma atitude de Kurt Cobain num vídeo que até guarda alguma semelhança estética com “Smells Like teen Spirits”, do Nirvana:

Naquela altura, o Silverchair já havia atraído a atenção de diversas gravadoras. Foi a Murmur Recors, uma subsidiária da Sony Music, quem acabou assinando um contrato com o grupo para a gravação de três álbuns. Quando começaram a gravar “Frogstomp”, “Tomorrow” já era um sucesso, inclusive, do outro lado do mundo, nos Estados Unidos. O grupo chegou a gravar uma versão americana do videoclipe, com uma produção evidentemente mais caprichada. Foi esta a versão que ficou mundialmente conhecida.

Com o sucesso de “Tomorrow”, cresceu o interesse pelo Silverchair. Entre uma aula e outra no Ensino Médio (sim, o grupo continuou frequentando a escola normalmente), a banda foi para o estúdio. Em nove dias, “Frogstomp” estava pronto. Produzido pelo sul-africano Kevin Shirley, que já trabalhara com Peter Wells e Black Crowes, o álbum foi um estouro imediato. Atingiu o número 1 na Austrália e Nova Zelândia e o top-10 das paradas da Bilboard, fazendo com que o Silverchair fosse a primeira banda australiana atingir esta marca desde o INXS.

“Frogstomp” vendeu mais de 4 milhões de cópias no mundo inteiro e fez com que o Silverchair atingisse um estrelato muito rapidamente. O que forçou aqueles adolescentes a viverem sempre entre dois mundos em choque. De um lado, a vida escolar, do outro, a realidade de turnês nos Estados Unidos abrindo para bandas como Red Hot Chili Peppers e Ramones. De um lado, sendo obrigados a serem extremamente profissionais como verdadeiros adultos cumprindo compromissos profissionais, dando entrevistas e fazendo aparições em TV. Do outro, tendo os pais os acompanhando como responsáveis durante suas viagens internacionais.

Razões para o sucesso

Quais as razões para o sucesso de “Frogstomp”? Apenas a inegável qualidade do álbum não responde a esta pergunta. Mensalmente discos tão bons ou melhores que “Frogstomp” são lançados no mundo e não atingem um patamar sequer próximo do que o que o Silverchair alcançou.

Na verdade, uma série de fatores criaram a tempestade perfeita para o Silverchair brilhar. O primeiro, era o momento que o mundo vivia. Claramente ainda havia uma demanda no mundo do rock para o consumo de um grunge/post-grunge em meados dos anos 1990. Tanto que não é apenas o Silverchair estava fazendo sucesso. Três meses antes de “Frogstomp”, o Bush havia estourado com “Sixteen Stone”. Pouco mais de três meses depois, o Foo Fighters lançaria o seu primeiro e elogiado álbum, que ainda era musicalmente muito próximo da antiga banda de Dave Grohl, o Nirvana. Um ano antes, o Live já havia lançado “Throwing Copper”, disco do sucesso “Selling the drama”.

Portanto, havia uma demanda para o tipo de som que o Silverchair fazia, que era claramente inspirado no grunge de Seattle, como os próprios membros da banda reconheceram em entrevistas no passado.

Se o som não era exatamente inédito, impressionava a maturidade das letras de Johns e Gilles. Eles escreviam sobre diferenças de classe e o poder do dinheiro em “Tomorrow”, os horrores da guerra e da violência na sociedade em “Pure Massacre” e sentimentos sombrios de ódio, vingança e depressão em músicas como “Israel´s Son” e “Suicidal Dreams”. Já “Shade” é sobre isolamento e busca por ajuda enquanto “Cicada” fala da transição da infância para a adolescência.


As letras eram muito diferentes da realidade que o trio vivia em Newcastle. Johns explicaria anos depois que as músicas eram todas fictícias e inspiradas em tragédias que ele via na televisão e a sua percepção da dor dos amigos.

Talvez as letras e o fato de estas letras terem sido escritas por adolescentes tenham sido o grande diferencial do Silverchair ao ter entrado nas graças de crítica e público durante os anos 1990. 

Problemas de saúde e o fim

O sucesso doo Silverchair não se resumiu ao álbum de estreia. Depois de “Frogstomp”, o trio ainda lançou outros dois bons discos: “Freak Show” (1997) e “Neon Ballroom” (1999). No entanto, junto com o sucesso também vieram os problemas de saúde de Johns. Durante a tour de “Freak Show”, o cantor começou a ter seus primeiros sinais de depressão. Logo depois, Johns ainda passaria a sofrer de anorexia nervosa e teve passagens muito sombrias do ponto de vista de saúde mental que só foram controladas com a ajuda de tratamento profissional e o apoio emocional da sua então esposa, a também cantora Natalie Imbruglia. Uma das músicas de “Neon Ballroom”, “Ana´s Song (Open Fire)” é justamente sobre os distúrbios alimentares que Johns sofreu.

Em 2001, o Silverchair foi uma das principais atrações da terceira edição do Rock in Rio, tocando para 250 mil pessoas na Cidade do Rock, no Rio de Janeiro. Este foi o ponto mais alto da carreira da banda, que ainda gravaria mais dois discos antes do fim: “Diorama” (2002) e “Young Modern” (2007). Ambos foram bem recebidos pela crítica, mas não tiveram o mesmo impacto comercial dos três primeiros álbuns do Silverchair. Era natural. O mundo havia mudado e o Silverchair já não era mais a novidade que o mundo da música desejava.

Em 2011, a banda anunciou o seu fim. Ou, como descreveu em seu site, uma “hibernação indefinida”. Desde então, Daniel Johns se lançou em carreira solo e gravou dois discos: “Talk” (2015) e “FutureNever” (2022), ambos de estilo diferente do seu trabalho com a banda.

Ben Gilles chegou a formar o grupo Tambalane durante o primeiro hiato do Silverchair entre 2002 e 2007, mas a banda não passou do disco de estreia. Depois da “hibernação indefinida”, Gilles só viria a lançar um EP de cinco músicas em 2021 chamado “The Relative Relatives”.

Já Joannou deixou o mundo da música. Ele é cofundador e dono da cervejaria Lovells Lager e também é um dos quatro empresários que abriram um bar na sua Newcastle natal.

Em entrevistas recentes para veículos da Austrália, Johns não dá nenhum sinal de que pretende retomar a carreira com o Silverchair. Mesmo shows do seu projeto solo é algo que ele tem evitado fazer. Depois de ter surfado na crista da onda na adolescência e no início da idade adulta, o Johns de 45 anos agora só quer sossego.

Marcelo Alves

Acredita que o bom rock and roll consiste em dois elementos: algumas ideias na cabeça e guitarras no amplificador. Fã de cinema e do rock nas suas mais variadas vertentes, já cobriu três edições do Rock in Rio e uma do Monsters of Rock. Desde 2014, faz colaborações para o site "Rock on Board". Já trabalhou em veículos como os jornais "O Globo" e "O Fluminense". Twitter: @marceloalves007

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem
Banner-Mundo-livre-SA