Mikael Åkerfeldt, vocalista e líder do grupo, é enfático ao relatar que os rugidos voltaram não porque os fãs pediram (e eles pediram por mais de 13 anos). E nem porque se sentiu pressionado de qualquer forma. Quando teve a ideia para o novo álbum, o compositor percebeu que o vocal característico do death metal servia muito bem à música, ao tema e às emoções que queria comunicar. Foi uma decisão artística e espontânea. Assim como foi ao assistir à série Succession e pensar em amargas intrigas familiares que Åkerfeldt sentiu que poderia explorar uma história fazendo música.
Ao longo de 8 faixas, a banda sueca conta como uma família se reúne devido ao falecimento do patriarca para ouvir a leitura de suas últimas vontades. Cada faixa é um parágrafo do testamento desse homem rico e conservador. Cada parágrafo traz revelações que atormentam seus filhos, mostrando como a vida deles foi uma mentira. Mas a última faixa, "A Story Never Told", guarda um segredo final que muda tudo. O rico patriarca também não estava ciente de todos os mistérios da família. Um sarcasmo sombrio que cai muito bem à sonoridade do Opeth, enriquecendo ainda mais essa obra conceitual.
Como The Last Will And Testament conta uma história em ordem cronológica, o álbum acaba tendo elementos operísticos. Nada de vocal lírico, não se trata disso. Mas como as óperas são histórias transmitidas em música, é comum que as canções não sejam lineares por muito tempo. O Opeth sempre foi reconhecido por criar dinâmicas diversas, fazendo com que uma sessão pesada desemboque em uma parte muito mais leve e de menor volume, e então a banda volta para uma sessão instrumental mais caudalosa e cheia de energia. Em The Last Will... tudo isso se combina de maneira ainda menos previsível do que antes. Ouvir as 8 faixas do disco é não saber o que virá no minuto seguinte. Gritos e vocais limpos, grooves e riffs cheios de notas, teclados que situam a atmosfera se transformam em solos virtuosos ou pianos mais doces.
Vez ou outra, a London Session Orchestra irrompe elevando o drama e o volume de toda a faixa. Ian Anderson, do Jethro Tull, não só toca flauta como empresta sua voz para passagens faladas. Joey Tempest, vocalista da clássica banda sueca Europe, também está no álbum. Sem procurar onde ele se encaixa nesse disco, você consegue identificar a voz dele ao longo dessa jornada musical?
É uma odisseia sonora sombria e instigante, porém madura. Åkerfeldt e sua banda sabem o que querem de cada parágrafo da obra e exploram as possibilidades sem perder a objetividade. Não há nenhuma viagem longa demais ou detour que se afaste do espírito do álbum. Com faixas de 5 a 7 minutos no máximo, é sem dúvida o disco do Opeth com maior foco em toda a sua discografia death metal. Se os guturais voltaram para servir à composição, a estrutura das faixas também serve à música, e não a uma obrigação de ser "trippy" ou "proggy". Não há uma busca pelo excesso.
Não é raro ouvir os solos de Fredrik Åkesson abrindo caminho na mix de sopetão, criando urgência e elevando os ânimos imediatamente. No "§4", o solo até começa de maneira mais lenta, ganhando tônus a partir de um break, mas é guilhotinado no final por uma base cheia de distorção e um gutural violento. Outra característica das guitarras neste disco é o quanto elas estão cristalinas. Apesar dos vários riffs cheios de notas, nenhum soa embolado. Um trabalho de composição, gravação e mixagem extremamente competente e que continua a separar o Opeth de outras bandas do gênero.
The Last Will... é a estreia do baterista Waltteri Väyrynen no catálogo de estúdio da banda. Muito mais jovem que o restante do grupo, é impressionante o quanto ele segura toda a variação rítmica que o Opeth exige. Não são só mudanças de compasso. São mudanças de dinâmica e divisões rítmicas que não são o feijão-com-arroz de uma banda de metal extremo. Em faixas como "§1", "§5" e "§6", a bateria tem maior evidência na mixagem e é possível perceber como o Väyrynen se mostra inquieto para entregar a quantidade de detalhes que as faixas pediam. Não à toa, o baterista declarou que esse disco foi a coisa mais complicada que já teve que gravar até agora. Antes de entrar em estúdio, teve 6 meses para depurar todas as composições. O resultado é notável.
E assim The Last Will And Testament é outra aula do Opeth sobre como unir o death metal com o rock progressivo. Embora seja um disco que causa uma impressão logo na primeira audição, absorver todas as nuances dele exige muito mais tempo e plays repetidos. A banda afirmou que chegou a gravar 60 canais para as faixas, o que é uma quantidade de detalhes, dobras de sons e microaranjos bastante grande e complexa. Trata-se de uma obra feita para ter uma sonoridade marcante durante 50 minutos, e não para brilhar com faixas específicas. Um glorioso trabalho para o formato álbum em 2024.