Napalm Death e o seu "oráculo do fim do mundo" no Circo Voador

Foto: Rom Jom / Rock On Board
 
"Quando o Napalm Death chama, nunca devemos faltar!"
 
O Corcunda de Birmingham, Barney Greenway, apresenta o Napalm Death para a plateia presente no Circo Voador, como uma banda que toca barulho da sua cidade britânica natal e começa os seus gritos constantes, altos e insistentes em vocais limpos - algo impressionante para o Grindcore.

"From Enslavement To Obliteration" (1988), "Taste The Poison"(2000) - com menos de 2 minutos de duração- , e "Next In The List" (2000) são as canções que servem para iniciar o ataque nuclear da noite.

Inquieto, o vocalista constantemente dando voltas em círculos sem parar pelo palco, e movimentando a cabeça de lado a lado como se estivesse negando alguma coisa. Barney nunca perde a voz de uma potência demolidora, nítida e assustadora.
 
Foto: Rom Jom / Rock On Board
 
O homem-bomba bebe água e concentrado ou muito sincero, humildemente disse "obrigado" e admite não saber falar português. Ele pede licença para comunicar-se em espanhol, algo que a plateia aceita sem nenhum tipo de vaia ou decepção.
 
Em algo mais do que uma hora, com som impecável do Técnico da FOH do Circo Voador, a grande torcida da banda de Birmingham se fez presente e quase esgotou o estoque de camisetas amarelas do tubarão fofinho.
 
Petardo sonoro com discurso afiado
 
Napalm Death está há mais de um mês numa longa turnê pela América Latina em apresentações avassaladoras incluindo discursos <<anti ódio>> entre as canções da sua discografia de 17 álbuns. Pedindo respeito pelo indivíduos transgêneros, o fim da homofobia, a abolição do sexismo e o fim do fascismo.

Assim a inclusão do cover "Nazi Punks Fuck Off" do Dead Kennedys não é para tapar buraco e sim para incendiar mais a mensagem de um show sem medo de ser panfletário. Muito menos de ser taxado como comício político. Em tempos em que a grande maioria de bandas evita tópicos que possam afastar multidões em prol da "chapa branca", ou do "deixa disso", para evitar o cancelamento, estes ingleses querem deixar as plateias pensantes ou com questionamentos. Ação procurando reação, algo mais punk rock seria impossível.
 
Uma banda extrema real, politizada e decidida a escancarar a mensagem clara de não deixar religiões, doutrinas ou impérios dominarem os seres humanos.

Desde 1986 massacrando ouvidos sensíveis

Para quem não sabe, o Napalm Death surgiu nas lojas de discos, com seu álbum de estreia independente "Scum", de 1986, pela gravadora Earache. O álbum, gravado por duas formações diferentes, apresentava no lado A do vinil algo mais próximo do anarco punk e do lado B algo mais voltado para o metal extremo.

Nada disso se perdeu e fazem questão em 2024 de apresentar um bloco completo com canções desse álbum para nunca esquecer as origens : "Scum", "M.A.D.", "Success?" e "You Suffer".
 
Foto: Rom Jom / Rock On Board
 
Apresentações de bandas de música extrema ao vivo, seja grindcore, death metal, gabba, noise ou hardcore, tem como principal chamariz ou atrativo ver a execução impressionante de algo que muitas vezes não fica claro ou nítido numa gravação em estúdio.

Muitas bandas não tiveram o orçamento para pagar por um "Rick Rubin na gravação", que pudesse deixar cada instrumento audível e similar a experiência ao vivo. Com isso, muitos álbuns sofrem com produção soterrada e muitas vezes escondem o que presenciamos num show.
 
Muito do encanto de instrumentos dissonantes e acelerados, baquetas esmagando peles de "tom-tons" ou caixas sincopadas imitando britadeiras em volumes estridentes. Assim como o baixista dando chicotadas no instrumento com alta tensão fazendo do ruído incessante, uma batida rítmica que serve de apoio para guitarras ríspidas e rápidas, que parecem motosserras ou válvulas de uma motocicleta em orquestração sonora em velocidade máxima. Por isso, resumir uma apresentação de semelhante calibre como barulho é algo insensível e inverossímil.

Existe tensão e tesão no som extremo. A mensagem apresentada tem a voracidade da mordida de duas toneladas de um ataque de tubarão ou a semelhança à implosão de um prédio de 25 andares.

Foto: Rom Jom / Rock On Board
 
Quando o Circo Voador, a tradicional casa de shows localizada na Lapa, na área boêmia da cidade do Rio de Janeiro, faz uma convocatória no meio da semana para ver um cardápio excelente de bandas de música extrema, você sabe que precisa ir.

O evento trata-se de um chamado para presenciar a excelência experiente de décadas em turnês pelo planeta do Napalm Death, Ratos de Porão e Ação Direta.

Realmente uma reunião das nações unidas do Hardcore do Brasil e da Inglaterra em plena quarta-feira. Temos como obrigação arranjar desculpas, reorganizando agendas e compromissos para não faltar ao Kool Metal Fest 2024.
 
Mesmo sendo no dia em que a torcida visitante do time uruguaio Peñarol decidiu brincar de terrorista terceiro-mundista na orla da praia do Recreio dos Bandeirantes com depredação, fogo e roubos, não temos nada a temer quando sabemos a qualidade das apresentações da noite.
 
É show único reproduzido por mais de 35 anos

Napalm Death é um show a ser visto ao vivo pelo dinamismo, precisão e inspiração produzida ao redor do planeta por mais de 35 anos. Muitos tentam reproduzir a técnica e destreza do monstro britânico do som extremo, mas o original é autêntico e único.

Do último álbum em estúdio, Throes Of Joy In The Jaws Of Defeatism"(2020), incluíram no setlist as pedradas: "Contagion" , "That Curse Of Being In Thrall" , "Amoral", "Backlash Just Because" e "Fuck The Factoid", como é de praxe, tocando a segunda faixa do álbum antes da primeira do tracklist original. Algo que o Barney Greenway repetiu varias vezes durante a noite: "claro que tocamos a segunda antes da primeira".

Orgulhosos como se estivessem contando a história da banda em retrospectiva, a noite termina com "Instinct Of Survival"(1986) e "Contemptuous"(1992).

E assim, voltamos para nossos lares com ouvidos pulsando e a certeza de termos visto um oráculo do fim do mundo. Um filme ao vivo para nunca esquecer.

Loquillo Panama

Nômade agregador de ritmos musicais e fanático por shows. Está sempre correndo atrás de novidades para multiplicar e informar os amantes de boa música.

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