O repórter que assina essa cobertura chega ao seu sétimo show do Living Colour na vida. Desses sete, apenas um como público geral. Os outros, fazendo reportagem / cobertura. Essa informação é irrelevante para a pauta em questão, mas ela ajuda a ilustrar bem a atmosfera do show.
Olhando atentamente ao bom público presente na Sacadura 154, localizada na região Central do Rio de Janeiro, podemos dizer que a grande maioria estaria ali repetindo a dose. Bastava olhar ao seu redor. Pessoas de meia idade vestindo camisas das novas bandas clássicas (Red Hot Chili Peppers, Faith No More, Alice in Chains) ou trajando roupa de trabalho (aquela camisa social básica e mochila nas costas). Alguns acompanhados de jovens (provavelmente seus filhos), que pela idade, certamente chegaram ao mundo numa época que o Living Colour já era uma banda cult.
A verdade, é que para o Living Colour, banda que nunca abandonou sua origem alternativa, sua independência artística, e nem o amor ao que fazem, o lugar ideal para conquistar um público novo, é onde eles nunca deixaram de ser a melhor banda de rock que muitos tiveram a oportunidade de conhecer: em cima do palco.
Porque se tem uma coisa que esses caras são bons, é de palco.
É impressionante notar, que mesmo vindo tantas vezes ao Brasil, é uma tarefa laboriosa para qualquer mortal encontrar um show ruim desses sujeitos. Podemos nos esforçar, culpando qualidade de som dos PA's de um show ali, o repertório menor de um show acolá, ou público desinteressado de um grande festival. Mas mesmo assim, é um massacre (no bom sentido) o que esses caras fazem ao vivo.
'Stain' homenageado
O show de aniversário dos 30 anos de Stain, que o baterista Will Calhoun prometeu ao Rock On Board [veja a entrevista AQUI] não rolou. Mas quase. Das seis primeiras músicas dessa - mais uma - ótima apresentação no Rio, cinco foram do terceiro álbum de estúdio. Álbum que na época foi incompreendido, por trazer uma sonoridade mais pesada e letras mais tensas, como "Bi", ótima surpresa do show desta noite. Para quem não sabe, a canção abordava a bissexualidade lá no início dos anos noventa, e se você acha complexo falar sobre o tema hoje, imagina há 30 anos. Sim, uma banda de pretos falando sobre assuntos desse tipo no mainstream foi visto por muitos como um suicídio comercial. E não vendeu tanto mesmo.
Outra dessa leva, que é bem legal de conferir ao vivo, é "Ausländer". Uma maçaroca pesadona, com um pé no metal industrial, e que fala dos imigrantes alemães numa época em que todo jovem sabia o que era o Muro de Berlim. Tem coisas mais simples também no álbum (ou menos intrincadas). Como "Leave it Alone", que abre o show no riff melódico e mais cadenciado do excepcional Vernon Reid, que estava com a guitarra tão alta, que a cada riff fazia tremer os ossos dos que buscavam um lugar mais perto dos PA's e amplificadores.
A escolha por um início de show sem os grandes hits da fase Vivid-Times's Up, foi acertadíssima. Mesmo porque, se a grande maioria do público já viu o grupo ao vivo pelo menos uma vez na vida, a chance de um repertório mais do mesmo estava totalmente afastada com esse "meio Stain" da primeira parte. E pegando esse fator de "não repetição", podemos citar também, as substituições de canções de Stain que figuraram em visitas anteriores, como "Go Away" e "Nothingness", para entrada de coisas como "Never Satisfied", por exemplo.
Dali pra frente foi aquele show de musicalidade extrema que só o Living Colour consegue fazer ao vivo. Solo de bateria, solo de baixo, muitos solos de guitarra, e canções espetaculares, que nunca se repetem ao vivo. "Funny Vibe", uma das epopeias mais incríveis criadas por uma banda de rock, foi tocada numa versão ainda mais rápida que a original (como isso é possível para esses senhores sessentões?). Ainda mais impressionante é a forma vocal de Corey Glover. Ele usa e abusa da potência, dos drives e das sustentações. O que falar dos vinte segundos segurando uma nota no gogó em "Open Letter (To A Landlord)", ainda mais numa época de overdose dos autotunes e playbacks ao vivo. E isso também é outro ponto que faz o Living Colour uma banda fora do seu tempo. Assistir o grupo ao vivo, fazendo shows ainda vigorosos e de habilidade monstruosa, evidencia o como eles sobram e esmagam (sonoramente falando) no palco a grande maioria das bandas que surgiu no rock nas últimas décadas. Repito: é um massacre!
Numa sequência de momentos memoráveis, sem pausa nem para bis, merecem destaque a sempre emocionante "Love Rears It's Ugly Head", com o público cantando juntinho, a porradaria sem freio e divinamente executada em "Time's Up", e o final apoteótico de "Cult Of Personality".
Detalhe: do setlist programado pela banda, ainda tinha "Solace Of You", que foi abortada de última hora, mas que rendeu um refrão de "Whats Your Favourite Color?", que deu um tom de encerramento até legal. No entanto, mesmo sem rolar o hit de Time's Up, que estava no repertório inicial, o sentimento geral e inconteste era de satisfação por estar vivo diante de Corey Glover, Vernon Reid, Doug Wimbish e Will Calhoun fazendo o melhor que eles sabem na vida: um show de rock.
Assista abaixo a cobertura do show em vídeo