OK, sempre que uma música viraliza nos serviços de streaming, é fato que devemos ficar com um pé atrás. Afinal, nesses tempos de robôs pagos pra impulsionar canções, nunca sabemos com certeza se isso aconteceu de uma forma espontânea ou não. Um grande exemplos de gente que veio do nada e viralizou da noite para o dia foram os californianos do Julie: seu single "Flutter", lançado em 2020, alcançou a impressionante marca de 36 milhões de audições (para efeitos de comparação, o Mudhoney, banda há muito consagrada e com bem mais tempo de estrada teve "apenas" 19 milhões de audições de sua música mais popular), o que fez com o que os olhos das grandes gravadoras se voltassem pra eles e disputassem seu passe. Sim, isso com apenas UM SINGLE LANÇADO.
"Flutter", a canção em questão, era um petardo hipnotizante, que batia no liquidificador a receita das bandas shoegaze dos anos 1990 como Swervedriver, Ride e My Bloody Valentine, mas numa roupagem sutilmente mais pesada e atual e foi um excelente cartão de visitas, mas a dúvida permanecia: Foi sorte de principiante? Teve alguma coisa por trás dessa ascensão meteórica? Mais alguns singles foram lançados de lá para cá, tendo uma recepção igualmente calorosa e agora, 4 anos depois, finalmente sai o aguardado LP de estreia.
"E valeu a pena esperar?", você deve estar se perguntando... E eu vou dizer que sim, valeu, embora haja uns pequenos problemas que ao longo da audição podem incomodar um pouco ouvidos menos atentos, o que irei pontuar mais à frente.
Primeiro, vamos aos pontos fortes. "My Anti Aircraft Friend é uma sucessão de porradas que não dão tempo para o ouvinte respirar. Se você assim como eu é daqueles que acha que microfonia pode ser uma sinfonia, vai ao delírio com petardos como a faixa de abertura "Catalogue", que combina com perfeição guitarras estridentes e ensurdecedoras com os vocais doces e sussurrados da vocalista e baixista Alexandria Elizabeth; "Tenebrist", com sua parede sonora arrebatadora e letras repletas de desesperança que remetem até mesmo às bandas grunge dos anos 1990 e, claro, como eu não poderia deixar de citar, "Clairbourne Practice", onde o guitarrista Keyan Pourzand reveza os vocais com Alexandria e, na opinião deste que vos escreve, é séria candidata a música do ano.
Mesmo nos momentos mais calmos, como no caso da lindíssima "Knob" ou da épica "Stuck In a Car With Angels" que encerra os trabalhos, tem uma barulheira característica na metade final que deixa bem claro qual é a praia do Julie. Também merece destaque "I'll Cook My Own Meals", que remete a Kurt Cobain e ao Nirvana sem o menor pudor.
Agora vamos ao problema que citei anteriormente: Num primeiro momento, My Anti Aircraft friend" passa uma constante e incômoda sensação que as músicas se parecem demais entre si; mas nada que não desapareça após uma audição mais atenta. O Julie é uma banda que trata a música como ela verdadeiramente deveria ser, arte (Keyan é escultor e tanto Alexandria quanto o baterista Dillon Lee são pintores e ilustradores), algo que as capas dos seus singles já deixavam transparecer e , como toda arte deve ser, é instigante e tem várias nuances que podem não ser plenamente percebidas ou absorvidas por pessoas não iniciadas.
My Anti Aircraft Friend é desde já um dos melhores discos de 2024, embora eu admita que possa ser uma experiência um pouco indigesta para alguns. O Julie é uma banda que transparece paixão e tesão em tudo que faz e, se tem uma banda que merecia ter tido essa sorte de ter ascendido de forma tão meteórica, são eles. Belíssima estreia e mal posso esperar para o que pode vir por aí!