Inocentes lança “Antes do Fim”, um acústico para ficar na história

 
Inocentes
Antes do Fim
⭐⭐5/5
Por  Ricardo Cachorrão Flávio 

Para muitos pode parecer estranho que uma banda como os INOCENTES, um dos pioneiros do punk rock nacional e uma das bandas que pavimentou a estrada para a explosão do rock brasileiro na década de 80, apareça em 2024 com um projeto acústico, mas, eu afirmo que a ideia não é recente, aliás, é bem antiga.

Em conversas informais que tive anos atrás com Clemente Nascimento, vocalista, guitarrista e um dos principais compositores do rock brasileiro dos últimos 40 anos, pelo menos, sempre o questionei sobre a banda gravar um disco acústico, pois numa carreira tão longeva, e mal aproveitada e não valorizada por mídia e público, existe um repertório vasto e de muita qualidade que deveria ser aproveitado, e neste formato, eu tinha certeza que era gol de placa. Clemente, sempre humilde, agradecia e dizia que tinha vontade mesmo de gravar um acústico, mas era difícil por conta do público da banda: “cara, nossos fãs não aceitam mudanças, tenho que tocar Pânico em SP e Miséria e Fome todo show, senão dá briga”.

E assim passam os anos, a banda faz vários shows com sexteto de cordas, o público recebe bem, mas, ainda era elétrico, com peso, e o repertório não tinha muitas mudanças. Eis que o planeta é “brindado” com a pandemia do coronavírus e a covid-19 obriga a todos se trancarem em suas casas e criarem alternativas para sobreviver. Principalmente artistas sofreram demais, com a impossibilidade de realizar shows. E Clemente passou a fazer várias lives e tocar seu repertório no esquema voz e violão, e a receptividade foi boa. Quando o mundo começou a voltar ao normal, alguns convites para apresentações acústicas começaram a pintar e a ideia junto à banda foi amadurecendo.


Chegamos em 2023 e, em parceria com a
Red Star Recordings, bateu-se o martelo: chegou a hora dos INOCENTES lançarem seu disco acústico! E, aproveitando “a volta do vinil”, em formato físico também! Gravado nos estúdios da Red Star, com produção de Henrique Khoury e participação especial do tecladista Wagner Bernardes, Clemente, Ronaldo Passos, Anselmo Monstro e Nonô fazem um balanço de 43 anos da banda e o resultado não poderia ter ficado melhor!

O disco abre com “Não Acordem a Cidade”, originalmente um blues escrito por Clemente nos primórdios da banda, antes de gravarem o primeiro registro oficial, a participação na famosa coletânea “Grito Suburbano”, em 1982. Esta música está no primeiro disco que a banda gravou na Warner Music, o Mini-LP “Pânico em SP”, em 1986. Na sequência, “Expresso Oriente”, outra faixa que fez parte do Mini-LP de 1986 e continua, infelizmente, atualíssima. A Palestina clama por liberdade! E que arranjo belíssimo! Ronaldo Passos está endiabrado nos solos, tocando demais!

“A Face de Deus” é uma faixa presente no terceiro disco da banda pela Warner Music, lançado em 1989, com produção de Roberto Frejat, do Barão Vermelho, e tem uma letra absolutamente maravilhosa! É daquelas coisas que ouvimos e não tem como entender como é que essa banda não explodiu! Clemente é um compositor genial! E o mundo é burro por não enaltecê-lo!

O disco continua com “Ele Disse Não”, clássica canção que também faz parte do Mini-LP “Pânico em SP”, aqui Clemente se inspirou na saída do vocalista Ariel Uliana Jr. da banda, quando estavam para assinar contrato com a Warner, Não queria se prostituir / Não queria se enganar / Preferiu então se calar / E disse não”!

Tirada do disco “Ruas”, de 1996, que foi o primeiro trabalho da banda com esta formação que persiste até hoje, uma ótima versão para a música “Escombros”, que ganhou um divertidíssimo clipe de animação feito pelo cartunista Leandro Franco, que além do ótimo trabalho de animação que faz para inúmeros artistas, ainda é baterista da banda Asteroides Trio.


Manjada, mas, sucesso, a próxima faixa foi o primeiro
single deste álbum, o clássico “São Paulo”, música de Finho e Ari Baltazar, da banda 365, e que muita gente jura que é dos Inocentes. Clemente produziu o primeiro disco do 365, em 1988, onde gravaram a música, é velho amigo dos caras, e a canção está no repertório dos Inocentes há muitos anos. Foi gravada pela primeira vez no disco de covers “O Barulho dos Inocentes” (2000) e também aparece no álbum seguinte da banda “20 Anos ao Vivo” (2002).

“Garotos do Subúrbio”, hino do movimento punk presente na coletânea “Grito Suburbano” ganhou uma versão agitada e empolgante. “Nem Tudo Volta” é uma bonita canção que faz parte do disco “Embalado À Vácuo”, de 1998. Não posso deixar de falar que a presença dos teclados de Wagner Bernardes em todo o disco criou um clima etéreo que fez a banda crescer e, novamente, Ronaldo Passos está brilhando em seus solos do começo ao fim.

Se hoje temos o essencial Black Pantera trazendo à tona seu grito antirracista e toda a luta do movimento negro por uma necessária reparação histórica, Clemente e os Inocentes já davam seu recado muito antes, como em “Tambores”, faixa do disco “Adeus Carne”, de 1987, e que, infelizmente, não teve uma versão acústica neste disco e a música que chega neste momento, “O Homem Negro”, presente no disco “Estilhaços”, de 1992, “Eu sou um homem negro / Vim pra cá acorrentado em navios negreiros / Como um animal”.

“Deixa Pra Lá”, outra faixa do disco “Estilhaços”, é daquelas que ficou esquecida num canto da história, inexplicavelmente. Fosse gravada por Legião Urbana, Capital Inicial ou outra banda mais “aceitável”, seria sucesso absoluto, potencial de hit! Mas, com aquele cantor negro de uma banda da periferia de São Paulo, ninguém deu atenção. Ainda está em tempo.

E o disco acaba com dois dos maiores clássicos dos Inocentes, “Pátria Amada”, o hino nacional presente em “Adeus Carne” e aquela de sempre, “Pânico em SP”.

Um trabalho, antes de qualquer coisa, muito bonito! Bem feito, bem produzido, com um capricho e um bom gosto enormes! Como sempre digo aos quatro caras da banda e a todo mundo que conheço quando o assunto é rock, os Inocentes são uma banda tremendamente injustiçada! Merecem estar num patamar muito mais alto! Torço para que este trabalho seja bem recebido, e que seja uma porta de entrada para as novas gerações conhecerem uma das mais importantes bandas do cenário nacional! É importante dizer que sem os Inocentes, aquele estouro do rock brasileiro na década de 80 seria muito mais difícil! Um disco como “Cabeça Dinossauro”, dos Titãs, tido como um dos melhores da história, nunca seria feito. Que descubram e valorizem Clemente, Ronaldo, Anselmo e Nonô, enquanto ainda estão na ativa, e produzindo!

Foto: Alexandre Wittboldt

Ricardo Cachorrão

Ricardo "Cachorrão", é o velho chato gente boa! Viciado em rock and roll em quase todas as vertentes, não gosta de rádio, nunca assistiu MTV, mas coleciona discos e revistas de rock desde criança. Tem horror a bandas cover, se emociona com aquele disco obscuro do Frank Zappa, se diverte num show do Iron Maiden, mas sente-se bem mesmo num buraco punk da periferia. Já escreveu para Rock Brigade, Kiss FM, Portal Rock Press, Revista Eletrônica do Conservatório Souza Lima e é parte do staff ROCKONBOARD desde o nascimento.

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