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Inocentes
Antes do Fim
⭐⭐⭐⭐⭐5/5
⭐⭐⭐⭐⭐5/5
Por Ricardo Cachorrão Flávio
Para muitos pode
parecer estranho que uma banda como os INOCENTES,
um dos pioneiros do punk rock nacional e uma das bandas que pavimentou a estrada
para a explosão do rock brasileiro na década de 80, apareça em 2024 com um
projeto acústico, mas, eu afirmo que
a ideia não é recente, aliás, é bem antiga.
Em conversas informais
que tive anos atrás com Clemente
Nascimento, vocalista, guitarrista e um dos principais compositores do rock
brasileiro dos últimos 40 anos, pelo menos, sempre o questionei sobre a banda
gravar um disco acústico, pois numa carreira tão longeva, e mal aproveitada e
não valorizada por mídia e público, existe um repertório vasto e de muita
qualidade que deveria ser aproveitado, e neste formato, eu tinha certeza que
era gol de placa. Clemente, sempre humilde, agradecia e dizia que tinha vontade
mesmo de gravar um acústico, mas era difícil por conta do público da banda: “cara, nossos fãs não aceitam mudanças, tenho
que tocar Pânico em SP e Miséria e Fome todo show, senão dá briga”.
E assim passam os
anos, a banda faz vários shows com sexteto de cordas, o público recebe bem,
mas, ainda era elétrico, com peso, e o repertório não tinha muitas mudanças.
Eis que o planeta é “brindado” com a pandemia do coronavírus e a covid-19
obriga a todos se trancarem em suas casas e criarem alternativas para
sobreviver. Principalmente artistas sofreram demais, com a impossibilidade de
realizar shows. E Clemente passou a fazer várias lives e tocar seu repertório no esquema voz e violão, e a receptividade foi boa. Quando o mundo começou a
voltar ao normal, alguns convites para apresentações acústicas começaram a
pintar e a ideia junto à banda foi amadurecendo.
O disco abre com
“Não Acordem a Cidade”, originalmente um blues escrito por Clemente nos
primórdios da banda, antes de gravarem o primeiro registro oficial, a
participação na famosa coletânea “Grito Suburbano”, em 1982. Esta música está
no primeiro disco que a banda gravou na Warner Music, o Mini-LP “Pânico em SP”,
em 1986. Na sequência, “Expresso Oriente”, outra faixa que fez parte do Mini-LP
de 1986 e continua, infelizmente, atualíssima. A Palestina clama por liberdade!
E que arranjo belíssimo! Ronaldo Passos está endiabrado nos solos, tocando
demais!
“A Face de Deus”
é uma faixa presente no terceiro disco da banda pela Warner Music, lançado em
1989, com produção de Roberto Frejat, do Barão Vermelho, e tem uma letra
absolutamente maravilhosa! É daquelas coisas que ouvimos e não tem como
entender como é que essa banda não explodiu! Clemente é um compositor genial! E
o mundo é burro por não enaltecê-lo!
O disco continua
com “Ele Disse Não”, clássica canção que também faz parte do Mini-LP “Pânico em
SP”, aqui Clemente se inspirou na saída do vocalista Ariel Uliana Jr. da banda,
quando estavam para assinar contrato com a Warner, “Não queria se prostituir / Não queria se
enganar / Preferiu então se calar / E disse não”!
Tirada do disco
“Ruas”, de 1996, que foi o primeiro trabalho da banda com esta formação que
persiste até hoje, uma ótima versão para a música “Escombros”, que ganhou um
divertidíssimo clipe de animação feito pelo cartunista Leandro Franco, que além
do ótimo trabalho de animação que faz para inúmeros artistas, ainda é baterista
da banda Asteroides Trio.
“Garotos do
Subúrbio”, hino do movimento punk presente na coletânea “Grito Suburbano”
ganhou uma versão agitada e empolgante. “Nem Tudo Volta” é uma bonita canção
que faz parte do disco “Embalado À Vácuo”, de 1998. Não posso deixar de falar
que a presença dos teclados de Wagner Bernardes em todo o disco criou um clima
etéreo que fez a banda crescer e, novamente, Ronaldo Passos está brilhando em
seus solos do começo ao fim.
Se hoje temos o
essencial Black Pantera trazendo à
tona seu grito antirracista e toda a luta do movimento negro por uma necessária
reparação histórica, Clemente e os Inocentes já davam seu recado muito antes,
como em “Tambores”, faixa do disco “Adeus Carne”, de 1987, e que, infelizmente,
não teve uma versão acústica neste disco e a música que chega neste momento, “O
Homem Negro”, presente no disco “Estilhaços”, de 1992, “Eu sou um homem negro / Vim pra cá acorrentado em navios negreiros /
Como um animal”.
“Deixa Pra Lá”,
outra faixa do disco “Estilhaços”, é daquelas que ficou esquecida num canto da
história, inexplicavelmente. Fosse gravada por Legião Urbana, Capital Inicial
ou outra banda mais “aceitável”, seria sucesso absoluto, potencial de hit! Mas,
com aquele cantor negro de uma banda da periferia de São Paulo, ninguém deu
atenção. Ainda está em tempo.
E o disco acaba com
dois dos maiores clássicos dos Inocentes, “Pátria Amada”, o hino nacional presente em “Adeus Carne” e
aquela de sempre, “Pânico em SP”.
Um trabalho, antes
de qualquer coisa, muito bonito! Bem feito, bem produzido, com um capricho e um
bom gosto enormes! Como sempre digo aos quatro caras da banda e a todo mundo
que conheço quando o assunto é rock, os Inocentes são uma banda tremendamente
injustiçada! Merecem estar num patamar muito mais alto! Torço para que este
trabalho seja bem recebido, e que seja uma porta de entrada para as novas
gerações conhecerem uma das mais importantes bandas do cenário nacional! É
importante dizer que sem os Inocentes, aquele estouro do rock brasileiro na
década de 80 seria muito mais difícil! Um disco como “Cabeça Dinossauro”, dos
Titãs, tido como um dos melhores da história, nunca seria feito. Que descubram
e valorizem Clemente, Ronaldo, Anselmo e Nonô, enquanto ainda estão na ativa, e
produzindo!