Lenny Kravitz mostra nível de excelência e maturidade sonora em novo álbum

Lenny Kravitz
Blue Electric Light
⭐⭐5/5
Por  Marcelo Alves 
 
Pode-se dizer que Lenny Kravitz vive uma situação paradoxal na carreira. Ao mesmo tempo em que não lança um grande hit daqueles que tocam em todo lado até cansar - o último talvez tenha sido a balada “Again”, presente na coletânea Greatest Hits (2000) -, o cantor estadunidense nascido em Nova York tem feito alguns dos seus melhores álbuns nas últimas duas décadas. Lançado mundialmente nesta sexta-feira, dia 24 de maio, Blue Electric Light, caminha para ser mais um exemplo deste “Paradoxo de Kravitz”, ainda que seja cedo para confirmar se dessa vez qualidade e sucesso irão se encontrar em algum ponto na linha infinita que traça a história da música.

Não que isso pareça importante para o cantor. Se tem alguém que passa a energia e a imagem de que está em paz com o trabalho e a vida é Lenny Kravitz. Entre Paris, onde reside, Brasil, onde tem uma fazenda no interior do Rio de Janeiro, e as Bahamas, onde também tem residência, um estúdio particular e gravou seus quatro últimos álbuns na ilha Eleuthera, Kravitz vem apresentando nas últimas décadas um som maduro, sólido, rico e variado sem perder as suas raízes bem fincadas na mistura de soul, rock, pop, funk, R&B e hard rock que sempre foram a sua marca desde a sua estreia em Let Love Rule (1989). E essa é a grande diferença do Kravitz de “Mr. Cab Driver”, “Always on the Run” e “Are You Gonna Go My Way”, algumas das suas grandes canções da primeira fase da carreira, para o músico que vemos pelo menos desde It is Time for a Love Revolution (2008). Kravitz atingiu uma maturidade artística que o coloca num nível de excelência admirável. Afinal, envelhecer também tem que oferecer algumas vantagens.

Parafraseando o poeta Walt Whitman e, por tabela, também Bob Dylan, Kravitz é um artista que também se poderia definir como vasto e que contém multidões dentro de si. Isso ajuda a explicar o desafio que ele se impõe a cada álbum de não apenas compor todas as letras, mas simplesmente gravar todos os instrumentos possíveis. Em Blue Electric Light, a lista não se resume à básica tríade do rock guitarra, baixo e bateria. Entre outros instrumentos, Kravitz também tocou piano, mellotron, bongôs, maracás, órgão, cítara, castanholas, tímpanos e claves. Além disso, o cantor também se envolveu em todo o processo técnico de gravação e finalização do álbum.

Juntando o esforço de Kravitz com a participação do velho parceiro e guitarrista Craig Ross, e de músicos como Harold Todd e Michael Sherman tocando saxofone em duas faixas (“TK421” e “Honey”), e Trombone Shorty, que tocou trombone e trompete em “Heaven”, temos um álbum multifacetado e com uma bela riqueza sonora.
 
 
Os exemplos disso estão nos três singles lançados antes do álbum: “TK421”, “Human” e “Paralyzed”. O primeiro gerou muito burburinho em outubro do ano passado por conta do seu videoclipe que mostra Kravitz dançando nu dentro de uma casa. Vinte e um anos depois do clipe de “Again”, onde também aparece pelado muito rapidamente numa cena, a nudez aparentemente ainda permanece um tabu que gera cliques em reportagens e comentários em redes sociais. O mais interessante neste primeiro single, no entanto, é mesmo o groove e a mistura dos sintetizadores com o solo de saxofone e a guitarra de Ross. Ali Kravitz já mostrava como o seu álbum seria vasto.

A expressão TK421 também gerou alguns questionamentos e levaram o cantor a explicar a sua origem em um post publicado na sua conta no Instagram. Segundo Kravitz, TK421 “é energia positiva”.

- O primeiro verso começa dizendo: Todos a bordo. Agora é hora de enfrentar seus medos, as conversas em sua mente. Você pode me dizer como isso realmente faz você se sentir e eu prometo a você que tudo ficará bem. Eu amo filmes. Um dos meus filmes favoritos é “Boogie Nights” (1997), de Paul Thomas Anderson. Há um personagem, Buck Swope (Don Cheadle), que trabalha numa loja de aparelhos de som e está tentando vender um som para um cara e porque ele deve comprá-lo. E ele diz: “se você realmente quer que este aparelho de som soe realmente muito bom, você tem que obter a modificação TK para 1, que nós fazemos na sala dos fundos. Eu uso isso com uma metáfora, porque o TK421 é essa coisa que deixa tudo melhor, que dá mais poder – contou.

Se “TK421” é um chamado para a ação, “Human” tem uma pegada de autocuidado com um pedido para que vivamos as nossas vidas com honestidade, cabeça erguida e orgulho de quem somos. Essa é uma das canções do álbum mais gostosas de ouvir onde mais uma vez se destaca um solo de guitarra econômico, mas preciso de Ross.
 
 
“Paralyzed”, por sua vez, já tem aquela pegada de classic rock, riff de guitarra abrindo a faixa e um amor obsessivo na letra cujo refrão diz, em tradução livre, “Tudo que você precisa fazer é continuar me amando/Estou sob o seu feitiço, estou hipnotizado/Tudo que você precisa fazer é continuar me amando/Querida, sem o seu amor eu estou paralisado”.

É difícil escolher qual a melhor música num álbum tão interessante como Blue Electric Light. Canção mais longa do disco com pouco mais de seis minutos, “It´s Just Another Fine Day (In this Universe of Love)”, já abre muito bem o álbum com todo aquele groove, a pegada de soul music, Kravitz praticamente declamando a letra, a marca de Ross na guitarra e a mensagem de que a vida é uma dádiva, apesar das dores que sofremos. “Honey” é uma balada gostosa e sexy. “Stuck in the Middle”, a outra balada do disco, também é muito bonita com o seu piano e o som da cítara ao fundo.

“Bundle of Joy” e “Love is my religion” têm uma pegada de música pop dos anos 1980. Esta última também carrega uma mensagem importante, um chamado ao amor em meio ao caos em que vivemos no mundo. A espiritualidade sempre esteve muito presente na carreira de Kravitz e se reflete mais fortemente em suas letras pelo menos desde o álbum Baptism (2004). O cantor também tem uma tatuagem nas costas que diz “My heart belongs to Jesus Christ” (“Meu coração pertence a Jesus Cristo”).

Kravitz, no entanto, está muito longe de ser um fanático. Ele é um cristão que prega o amor e a união e tem uma visão crítica de como ainda precisamos evoluir como seres humanos, como neste trecho da letra de “Heaven”: “How can it be that we are not free from terror?/ Ten thousand years and still we can't find the error/We all have the same God, don't you know that it's the truth?/People, don't you know that we are all the same?” (“Como é possível que não estejamos livres do terror?/ Dez mil anos e ainda não conseguimos encontrar o erro/Todos nós temos o mesmo Deus, você não sabe que é a verdade?/ Gente, vocês não sabem que somos todos iguais?”.

A faixa-título “Blue Electric Light” fecha com estilo e um belo solo de guitarra um álbum que só não é impecável porque “Let it Ride” parece estar sobrando um pouco no meio de um disco tão cheio de nuances e variedade musical. Um detalhe pequeno perto da beleza deste “Blue Electric Light”.

Marcelo Alves

Acredita que o bom rock and roll consiste em dois elementos: algumas ideias na cabeça e guitarras no amplificador. Fã de cinema e do rock nas suas mais variadas vertentes, já cobriu três edições do Rock in Rio e uma do Monsters of Rock. Desde 2014, faz colaborações para o site "Rock on Board". Já trabalhou em veículos como os jornais "O Globo" e "O Fluminense". Twitter: @marceloalves007

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