Labirinto da Memória, o novo álbum de estúdio do Dead Fish, vem para comprovar uma surpreendente consistência de ótimos lançamentos - que começou em Vitória (2015), passou pelo petardo Ponto Cego (2019), e chega agora num conjunto de 13 canções que não saem da curva. Além disso, a banda que sempre se notabilizou por letras afiadas, continua mostrando que se faz necessária nos dias atuais. Num cardápio hardcore vigoroso, o quarteto combate a acomodação e a passividade, distribuindo dedos em feridas e trazendo reflexões sobre temas de gatilho para alguns dos principais debates sociais contemporâneos.
Guitarras em ritmo quebrado dão o tom na fortíssima "Adeus Adeus", que abre o disco num claro questionamento ao uso das religiões. "O Preço da escolha transformado em culpa / O preço da pureza é a castração", canta a voz carimbada de Rodrigo Lima. Na sequência, o primeiro single do disco ("Dentes Amarelos") faz uma reflexão sobre a importância de ser o que é e sobreviver, mesmo com vitórias e fracassos na vida. "Aprendendo a ter orgulho dos meus dentes amarelos / Que rangem quando falo, mas se calo, esfarelam", diz um trecho da letra. Como não poderia deixar de ser, a crítica ao imperialismo capitalista e ao neoliberalismo está presente em "11 de Setembro" e seu riff levanta defunto - destaque para a cozinha da banda, que segura a pressão de maneira sublime e traz uma levada mais versátil ao som do grupo.
Riffs abafados, numa ode ao heavy metal, aparecem em "49", uma das melhores do disco. "Bolero" é outra que bebe nas fontes headbangers de Scott Ian (Anthrax), com pegada thrash e ritmo avassalador. Aliás, Labirinto da Memória é um disco de guitarras cortantes. É impressionante a capacidade de Ric Mastria em alternar acordes, riffs e tirar um dos melhores sons que se tem por aí. Duvida? Ouça canções como "Interrupção", ou a ótima faixa-título e tire suas próprias conclusões. Por falar na pressão sonora das canções, vale dizer que a produção do álbum é de Rafael Ramos (Pitty) e do próprio Ric Mastria.
O véio Dead Fish aparece em grande forma na excelente "Estaremos Lá", canção característica do grupo, tanto que saiu como segundo single do disco e já surge candidata para playlists de melhores da carreira. "Divino Caos" também segue esse mesmo roteiro do DF das antigas, e deve fazer a alegria dos fãs que acompanham a banda desde o histórico Zero e Um [que está completando 20 anos]. Para dar uma acalmada antes de sair, "Você Conhece Pistóia" é uma trilha de encerramento curiosa e traz uma sonoridade quase lo-fi / over all. Rodrigo Lima, um dos letristas mais importantes da cena rock dos últimos 20 anos, finaliza o novo trabalho trazendo uma espécie de autoanálise, que nos faz refletir sobre os impactos que os padrões sociais e mercadológicos causam em nossa vida.
Ainda é janeiro, mas já temos um dos discos de rock do ano.