Angra equilibra peso e momentos únicos e brilha em 'Cycles Of Pain'

Angra

Cycles Of Pain
⭐⭐⭐✰4/5
Por  Lucas Scaliza 


Quando você menos espera, a musicalidade brasileira atravessa o cansado power metal e dá nova vida à música pesada. Quando se trata do Angra, é claro que você já espera que existam momentos de resgate das raízes brasileiras, mas o importante não é se a banda vai criar esses momentos, mas como eles acontecem. Cycles of Pain é um disco que deriva bastante dos tropos do power metal, mas se diferencia do mar global de bandas desse estilo (todas muito parecidas) quando seções progressivas e/ou derivadas dos sons brasileiros dão as caras.

Como abertura, “Ride Into The Storm” é eficiente. Tirando um momento ou detalhe, é exatamente a porrada de alta velocidade que o Angra (e qualquer outra banda do gênero) estão fazendo há mais de 20 anos para iniciar os trabalhos. Contudo, a quadra de faixas em seguida – “Dead Man On Display”, as duas partes de “Tide of Changes” e “Vida Seca” – consegue consolidar tudo o que a banda tem de melhor. Músicas que sabem aproveitar a técnica apurada de seus integrantes, explorando variações dinâmicas e técnicas sem esquecer da emoção. Aliás, “Tide of Changes Part II” é um show à parte do baixo de Felipe Andreoli e da bateria de Bruno Valverde, a dupla mais interessante da atual formação do Angra. Nessa mesma faixa, o italiano Fabio Lione mostra toda a sua versatilidade também.


Então vamos falar da brasilidade. “Vida Seca” é a faixa mais significativa do álbum nesse quesito com sua intro arrebatadora. A voz de Lenine, a letra em português cantada por ele e o instrumental são desses momentos em que o Angra mostra como nenhuma outra banda do segmento é igual a eles. A transição para a parte heavy metal também é ótima. “Faithless Sanctuary” é outra das grandes faixas do álbum. A mistura de prog metal com uma seção de baião renuncia à ansiedade do power para deixar o ouvinte em um estado de alerta na porção mais pesada. Uma das faixas em que tudo é bom demais, da interpretação de Lione à técnica instrumental.

Por mais que “Gods Of The World” seja uma música padrão de heavy metal, o trabalho de andamento, baixo e o solo de guitarra de Marcelo Barbosa se destacam assim que essa seção da música começa. O mesmo vale para o início da faixa-título, primeiro com uma guitarra cortando o ar cheia de intenção e, logo depois, o baixo de Andreoli adornando toda a primeira seção de voz e piano.

Fica claro como cada integrante teve seu(s) momento(s) de brilhar e fazer isso com esmero. Para não ter que elogiar o baixista a cada faixa, vamos dizer que o trabalho de Felipe Andreoli em Cycles Of Pain é impecável. A quantidade de novas composições com o nome dele também é a maior desde que entrou para o grupo mais de 20 anos atrás. Então, outro acerto da "empresa" Angra é permitir que as ideias de um grande músico sejam parte do projeto. E, de modo geral, aos meus ouvidos parece que este é o álbum em que Fabio Lione melhor encaixa seu vocal nas composições da banda desde que começou a gravar com o grupo em Secret Garden (2014).


Se eu tiver que fazer uma crítica específica, seria à finalização de certas canções. “Vida Seca”, “Tide of Changes” e “Cycles of Pain” possuem crescendos impossíveis de não sentir, mas seus outros ou segundos finais parecem apressados ou curtos demais para toda a gama de emoções que vieram antes. “Tears Of Blood” não sofre com esse detalhe. Com Lione e Amanda Somerville (ex-Exit Eden) exibindo seus cantos líricos e um lustre sinfônico dando mais corpo à produção, é a faixa mais épica do disco, um tipo de faixa que há tempos o Angra não exibia. Talvez por estar tão bem posicionada como o grande fechamento do álbum, tenham tido mais cuidado com sua finalização.

Cycles of Pain consegue ser um disco de metal que é cativante na medida certa e energizado mesmo em seus momentos mais melódicos. Nada soa fora de lugar ou como se estivesse sobrando. O efeito de chorus e delay usado em diversos momentos é um pequeno marco deste trabalho que pode destacá-lo na discografia do grupo e o separa de grande parte do resto dos discos de heavy metal feitos atualmente.

Após o lançamento de Omni (2018), disco anterior da banda, Rafael Bittencourt (mastermind do grupo, guitarrista e principal compositor) disse em um podcast que sabia o que fazer a seguir, mantendo os elementos que fizeram de Omni um disco bem-recebido e agregando outras tendências que poderiam dar ainda mais corpo a um trabalho de sua banda. Uma pandemia depois, ainda é cedo para saber se o plano e o desejo de Bittencourt pôde ser seguido, mas fica a certeza de que Cycles of Pain é um disco que equilibra muito bem o que buscam tanto um fã de velocidade e peso quanto o ouvinte de horizontes mais amplos. A banda não arreda o pé da força metaleira, mas entrega momentos em que percebemos como o Angra e/ou o disco que possuem qualidades únicas.

Lucas Scaliza

Jornalista, músico sem banda e estrategista de marca. Não abre mão de acompanhar os sons do agora. Joga tarô e já foi host de podcast.

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