Greta van Fleet continua orgulhosamente soando como Led Zeppelin em 'Starcatcher'

Greta Van Fleet

Starcatcher
⭐⭐⭐✩✩3/5
Por  Marcelo Alves 

Se bandas de rock fossem pessoas cujas famílias são montadas numa árvore genealógica, pode-se dizer que o Greta van Fleet é neto do Led Zeppelin e filho do Black Crowes. Pouco se fala do Crowes, talvez por eles não serem exatamente uma banda muito conhecida para além das fronteiras estadunidenses, mas a comparação com o Led Zeppelin está longe de ser uma novidade até para o próprio lendário vocalista Robert Plant, que em 2018, na esteira do lançamento do primeiro álbum do grupo de Michigan, Estados Unidos, Anthem of the Peaceful Army, chegou a declarar que o Greta van Fleet era o Led Zeppelin I (1969) e disse que seu vocalista, Josh Kiszka, era “um pequeno e lindo cantor”.

Para o bem e para o mal, as comparações com o Led Zeppelin são como nuvens pairando eternamente sobre a cabeça do grupo. Ora gerando críticas, pois a banda, aparentemente, não estaria soando original e mais uma releitura e uma viagem para o classic rock dos anos 70, ora sendo saudada justamente por estes valores nostálgicos de um rock de arena em um tempo que está cada vez mais distante na história da música e da própria humanidade. São opções a partir de gostos muito particulares. Os dois lados têm pontos de vista válidos, o que faz com que o Greta tenha a certeza de que nunca será uma unanimidade. E que banda ou artista um dia foi?

Não que isso incomode o grupo formado pelos irmãos Josh, Jake (guitarra) e Sam (baixo) Kiszka e pelo baterista Danny Wagner. Pelo contrário, o que Starcatcher, terceiro álbum do grupo lançado na sexta-feira passada, mostra é que o Greta continua trilhando firmemente o caminho traçado pelo Led Zeppelin em seus dez anos de carreira entre 1969 e 1979.
 
 
E aqui cabe uma reflexão. Que mal tem uma banda soar como um grupo de sucesso dos anos 70? Por um lado, o Greta pode ser acusado de não estar refletindo os temas da contemporaneidade ou as preocupações do século XXI, ainda que Sam Kiszka já tenha dito em entrevistas que Anthem of the Peaceful Army seja um disco sobre preocupações ecológicas e temas como ódio e ganância. Além disso, o segundo disco, The Battle at Garden´s Gate (2021), explora como a religião e as guerras afetam a experiência humana. Neste ponto, as letras de Starcatcher se afastam ainda mais deste ponto de retrato da sociedade e dão mais munição a seus detratores com temas mais oníricos, e frases que poderiam muito bem ter sido tiradas de um livro de cavalaria ou de fantasia medieval do que da realidade palpável do dia a dia. Falamos de frases que caberiam mais na boca de um bardo como “Lutamos pela fábula/mas ao invés disso nós queimamos/e no fim dos tempos/deixou uma urna vazia”, da boa canção “Fate of the Faithful”, que abre o disco. Ou “Peguei o vento em uma pipa de sonhos/num lance de costuras/como a liberdade costurada/E povo ruge/E o povo voa alto/Sagrado o fio”, de “Sacred the Thread”, outra das boas canções do disco.

Contudo, até nisso o Greta mimetiza o classic rock. Muitas bandas dos anos 60 e 70 flertaram com esse tipo de linguagem ou também com algum misticismo. E o sucesso de produções culturais do gênero de fantasia - “House of the Dragon” e “O Senhor dos Anéis”, por exemplo - só mostra que eles não estão errados em explorar esta vertente. Daí a foto promocional do grupo com direito a espada e tudo e o videoclipe de “Meeting the Master” em um clima meio kitsch, meio druidas dândis de Michigan.

Por outro lado, não há nada mais contemporâneo que o cheiro de nostalgia que o Greta expele por todos os seus poros. Estamos num mundo em que a Barbie é um sucesso estrondoso no cinema e que os filmes de super-heróis estão vivendo basicamente de cameos, ou seja, de trazer personagens (e atores e atrizes) queridos do passado para produções novas. Nada mais atual do que o passado. E os prêmios e posições nos topos das paradas que o Greta vem acumulando desde 2017 mostram que há uma grande parcela do público que ama e tem saudade do que viveu (ou não viveu).

Menos Led Zeppelin I e mais Led III e House of the Holy
 
 
Uma justiça, porém, precisa ser feita. Em Starcatcher, Josh Kiszka soa um pouco menos parecido com Robert Plant do que em seus álbuns anteriores. É sutil, mas parece um pouco que Josh está tentando traçar um caminho não completamente diferente, mas paralelo ao do Plant. Ao menos neste disco, ele parece soar algumas vezes mais rascante, rouco e com gritos que não eram tão frequentes no Plant do Zeppelin. E talvez nessa tonalidade que ainda lembra Plant, mas começa a se distanciar um pouco do mimetismo, Josh esteja mostrando um caminho de que o Greta está em construção para uma identidade própria dentro do que se propõe a fazer: um hard rock com pegada de blues que bebe na fonte da música anglo-saxã dos anos 70 do século passado. Só os próximos trabalhos dirão se isso é verdade. 

O próprio Starcatcher, aliás, parece uma evolução do ponto de vista histórico no som do Greta. Algo menos Led Zeppelin I e mais Led Zeppelin III (1970) e Houses of the Holy (1973) com seus riffs e arranjos acústicos em meio ao hard rock e flertes com o blues. E aqui estamos mais uma vez traçando inevitáveis paralelos com o Led Zeppelin.

O álbum também volta a uma certa simplicidade que vimos em Anthem of the peaceful army. E a sua duração de pouco mais de 42 minutos, semelhante aos 49 do primeiro disco mostra isso. É um álbum mais enxuto e cerca de 20 minutos a menos do que The Battle at Garden´s Gate, que tinha toda uma tonalidade épica de uma banda quase querendo fazer um hard rock progressivo.

Starcatcher tem um pouco de tudo o que o Greta já fez em dois álbuns e um EP anteriormente. Tem baladas como “Waited all your life”, músicas com uma guitarra mais blueseira como “Sacred the thread” e canções com riffs poderosos como “Faith of the faithful” e “The falling sky”. 
 
Porém, as duas músicas que mais se aproximam do que o Greta fez de melhor na carreira são “The Archer” e “Meeting the Master”. Dentro do clima lúdico-medieval do disco, “The Archer” conta flashes da vida de um arqueiro que após perder a sua amada sai pelo mundo montado a cavalo em busca de batalhas. Sempre com a consciência de que a morte está à espreita. Já “Meeting the Master” é sobre um homem que fez uma longa viagem e finalmente vai conhecer um mestre ao mesmo tempo em que é tomado por uma loucura.
 
 
Curiosamente, Starcatcher não tem exatamente uma música que possa virar um hit ou se destaque com potencial para alavancar ainda mais o Greta para fora do nicho em que está inserido. É um álbum um tanto quanto plano interrompido no meio por uma explosão sonora chamada “Runway blues”, que tinha muito potencial para ser a grande canção do álbum, mas revelou-se uma brincadeira do grupo de pouco mais de um minuto de duração. Espécie de interlúdio entre as duas metades do disco. 

 
Starcatcher é um disco bom, mas não memorável. E encerra com um voto de fé e um recado para os fãs mais fiéis do Greta com a bonita “Farewell for now”: “Amigos vieram de tão longe para se juntar a nós / Esperamos que você venha e se junte a nós novamente / Amigos vieram cantar em coro / Se você se juntar a nós, vamos cantar até o fim”. É o canto final do bardo Josh anunciando que agora tem todo um mundo a explorar. E é o que a banda fará nos próximos meses com shows marcados nos Estados Unidos, 14 cidades europeias e México. Infelizmente para os fãs brasileiros, por enquanto o país ainda não está entre as terras a serem exploradas pelo Greta.

Marcelo Alves

Acredita que o bom rock and roll consiste em dois elementos: algumas ideias na cabeça e guitarras no amplificador. Fã de cinema e do rock nas suas mais variadas vertentes, já cobriu três edições do Rock in Rio e uma do Monsters of Rock. Desde 2014, faz colaborações para o site "Rock on Board". Já trabalhou em veículos como os jornais "O Globo" e "O Fluminense". Twitter: @marceloalves007

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