Não existe na cena rock nenhum grupo que soe parecido com o Canto Cego. O som deles é um mix de referências das mais diversas, que vão da poesia, passam pela MPB, descabam para as guitarradas e de alguma maneira inesperada, acabam te pegando pela interpretação sempre peculiar da ótima Roberta Ditz. E eles são muito bons no que fazem.
Não a toa, pisaram em alguns palcos consagrados na história da música mundial - como o Rock in Rio e o Montreux Jazz Festival - e, vira e mexe, estão sendo citados por aí, como um dos nomes mais interessantes do ramo.
No entanto, é impressionante como eles conseguem surpreender até mesmo os avisados. Isso, porque o terceiro e novo álbum (homônimo) trata de abraçar as guitarras e mostra uma incrível capacidade do grupo em fazer o rock soar forte, mesmo que seja nesse caldeirão totalmente imerso de referências que é o som da banda.
E o melhor de tudo, é que esse Canto Cego soa como um disco "volta ao rock" - basta ouvir Karma, o álbum anterior, para entender. E aqui fica uma reflexão para as novas bandas do gênero: o rock é um estilo que está de portas abertas para novas inclusões e não é preciso abandoná-lo para mostrar riqueza artística. A arte está na transpiração da alma. Bandas tão exóticas como Led Zeppelin, Beatles, The Who (só pra citar alguns) não tinham nada de conservadoras. E esse novo disco do Canto Cego é um exemplo, que dá sim para explorar vários territórios sem deixar o rock de lado.
Com guitarras pesadas e cantoria divina de Roberta, "Farsa (Alvorada)", que abre o disco, representa de forma certeira o novo álbum numa das melhores faixas da carreira da banda. A capacidade criativa do quarteto aparece logo em seguida na festiva "Urgentes", que além dos elementos percussivos, chama a atenção também pelos fraseados de guitarra em detalhes e pela poesia transbordante da vocalista.
Influências hendrixinianas estão espalhadas por todo o álbum. Principalmente em "Luta", que embora tenha ênfase nas guitarras suingadas, é a cozinha do grupo que segura a onda e dá as cartas. Atente os ouvidos para a performance de Magrão nessa faixa (é tirar o chapéu!). Outra que lembra Hendrix, é "Rio". Repare no impressionante timbre de guitarra que o ótimo Rodrigo Solidade consegue tirar e pague sua passagem de volta aos anos 70.
Mas o melhor do álbum fica em "Parque das Imagens", uma mutação sonora que expõe a toda aptidão artística e a capacidade individual dos músicos. Pesadona no início, ela entra num terreno melancólico e explode num refrão fortíssimo. Já na parte final, "Fábula de Granada" chega para se consagrar no posto de canção mais pesada do disco.
Para produzir esse disco, o Canto Cego olhou para dentro e transpirou todas as suas referências artísticas num conjunto de canções untadas principalmente pelo rock, que faz tudo ferver de forma sublime, e consagra o grupo como um dos nomes mais interessantes dos novos tempos na cena rock nacional.