The Inspector Cluzo: atitude rock em defesa das questões ambientais

 
O duo de agricultores-roqueiros, The Inspector Cluzo, acaba de lançar o seu novo álbum. Horizon junta o espírito genuíno do rock com letras que não só abordam consciência ecológica, mais que expõem a luta dos fazendeiros contra as grandes agroindústrias [Leia a resenha do álbum aqui]. Em entrevista ao Rock On BoardLaurent Lacrouts, vocalista e guitarrista do Cluzo falou sobre esse, que está sendo considerado o melhor disco da carreira dos franceses. Para quem não lembra, o Inspector Cluzo foi uma das atrações do Lollapalooza Brasil em 2019.    

O primeiro contato que eu tive com a música de vocês foi no álbum "We The People Of The Soil". Eu adoro esse disco. Mas ouvindo o novo álbum, eu senti um rock mais expansivo... Estou certo?

Sim. Nosso produtor, Vance Powell, disse que é o nosso álbum mais pessoal. E eu acho que é por causa do que vivemos nesses últimos três anos. Sempre falamos sobre música. Tentamos torná-la real o máximo que podemos. Com coisas realmente autênticas que vivenciamos. Não é imaginação. Porque pensamos que se você quer tocar o público, assim é melhor. E neste álbum, 'Horizon', tivemos a experiência com a Covid, como em todos os lugares, mas temos outra pandemia aqui no sudoeste da França, chamada The Bird Flu, que matou algo em torno de 50 milhões de patos. E estávamos cercados por muita bagunça, muita morte, muita pressão de indústrias agro, pressão do governo francês, que fizemos músicas como "WOLF S AT THE DOOR", "RUNNING A FAMILY FARM IS MORE ROCK THAN PLAYING ROCK AND ROLL MUSIC", que falam de como é difícil manter uma pequena fazenda de forma independente. Ser independente neste mundo econômico globalizado é realmente muito difícil. Nós não fingimos que somos independentes. Tanto que não assinamos com nenhuma gravadora americana. Assinamos com a nossa gravadora e pagamos com o nosso dinheiro. Por isso eu posso dizer que esse é um álbum mais profundo.

Um exemplo sobre o que eu estou tentando dizer sobre "rock mais expansivo" é a canção "WOLF S AT THE DOOR", que tem uma pegada meio funk rock...

Sim! O groove é mais um sentido blues. Fazemos um contraste com as letras, que são duras, realmente difíceis. Porque estávamos realmente chateados com a construção de uma fazenda industrial a 200 metros daqui. Não queríamos isso aqui, mas eles conseguiram. E como você deve saber, eles matam tudo a redor, num espaço de 3 quilômetros. E eles mataram os nossos patos e tudo mais. Então essa música em específico ("WOLF S AT THE DOOR") era mais punk rock, porque estávamos chateados. Resolvemos manter a letra e tornamos ela mais suave, porque era uma maneira melhor de expressar coisas realmente fortes.
 
 
Vocês são dois fazendeiros buscando melhores condições para outros fazendeiros. E na música "RUNNING A FAMILY FARM IS MORE ROCK THAN PLAYING ROCK AND ROLL MUSIC", você fala sobre lutar contra esse sistema, contra essas grandes indústrias... Isso seria uma verdadeira atitude rock?

Sim. É exatamente isso! O título é divertido, mas no fundo não é muito. É apenas uma análise do que estamos experimentando como jovens agricultores. Porque somos jovens agricultores. A maioria dos agricultores são velhos. E não há muitos jovens que querem fazer isso. Porque é muito difícil. É um problemas mundial. Fizemos essa música porque pensamos que as pessoas que estão neste meio, que querem fazer isso direito, sem usar produtos químicos, são muito corajosos. Para nós, eles são os novos roqueiros. Especialmente agora. Quando Elvis Presley começou, ele foi corajoso em tocar rock and roll nos anos sessenta e setenta. Agora, é só subir no palco e tocar. Todo mundo é legal. Não tem mais artista dizendo que seu presidente é um babaca. Não tem mais. Por causa da carreira. Porque é a indústria que determina. Então para nós, esse é o aspecto do que é o rock and roll de verdade. Então é fácil para nós subirmos no palco e tocarmos. Muito mais fácil lidar com essas ideologias todos os dias do que enfrentar esses desafios em viver como agricultores preocupados com as questões ambientais.

Há um álbum do Neil Young, chamado The Monsanto Years, que ele critica uma empresa de agronegócio. E eu confesso que quando ouvi o som de vocês pela primeira vez, eu lembrei muito desse álbum...

Conhecemos esse álbum. Na verdade, nós conhecemos muito bem toda a carreira do Neil Young. Nós somos grandes fãs dele. Fizemos um cover dele em 2020, da canção "Hey Hey My My". Enviamos para ele e recebemos uma resposta. Ele não nos conhecia antes, mas agora já conhece (risos). Ele é o nosso artista favorito. Então, conhecemos tudo dele. Inclusive todas as coisas acústicas, pois também estamos fazendo muitas coisas acústicas... Nós somos realmente grandes fãs. Esse álbum que você citou é bom. Não é o nosso favorito, mas é bom.
 
 
Fale-me sobre a participação do Iggy Pop em "Rockophobia"...

Você vai ficar um pouco desapontado com o que vou falar... É apenas uma brincadeira. Não foi nada planejado para ser participação. Apenas fizemos essa música, que fala sobre o rock estar morto. E no segundo verso da letra, nós citamos Iggy Pop. Na verdade é um questionamento. Falamos que ele não mostra mais o pau como antigamente e coisas do tipo. E como o empresário dele é nosso amigo e muito fã nosso, pedi para ele mostrar a música para o Iggy. E ele disse: "Sim, vou mandar pra ele! É o tipo de coisa que ele gosta". E na manhã seguinte recebemos uma mensagem dele dizendo que amou a música. Então para simplificar, pedimos para que ele nos mandasse um áudio pelo whatsapp que iríamos colocar no final da música. Dissemos pra ele que iríamos mencioná-lo nos créditos, mas bem discretamente. E o mais importante é que isso foi uma brincadeira, e o Iggy Pop mostrou que tem esse tipo de humor. Porque um dos problemas do rock é o fato das bandas se levarem muito a sério, acharem que são mais importantes do que realmente são. O rock é para divertir acima de tudo. Falamos de coisas sérias, mas não nos levamos a sério a ponto de não entendermos o propósito do que é o rock.

Uma coisa que realmente me impressionou no álbum é a ótima captura do som em todas as canções. Vocês trabalham há muito tempo com o Vance Powell...

Antes de tudo é importante dizer que ele é muito seletivo com as bandas que ele trabalha. Não é o tipo de cara que vai trabalhar com uma banda que está pagando 1 milhão de euros só para ter seu nome ali assinado. O fato dele não ser músico, é algo positivo, porque ele não está ali preocupado em pegar a melhor versão de si mesmo. Segundo é que esse é o quarto ou quinto trabalho que fazemos juntos. Então já somos amigos. Ele trouxe a família dele aqui para a fazenda na primavera. Somos muito próximos. 
 
 
E houve alguma diferença no processo de gravação desse disco pelo fato de existir ainda mais essa proximidade?

Ele pediu mais uma semana de gravação para deixar as músicas mais fortes. Eu aceitei. E ele mudou o processo também. Decidimos fazer uma música por dia. Do começo ao fim. Por dia. Teve dia que eu precisei gravar minha voz seis vezes na mesma gravação. Mas posso dizer que 80% do que foi pro álbum saiu do primeiro take de registro. 

Vocês tocaram aqui no Brasil, no Lollapalooza. Eu estive lá e fiquei impressionado com a energia que vocês dois conseguem passar em cima do palco... Como foi tocar aqui no Brasil?

Foi uma boa lembrança. Foi um dos melhores shows que fizemos na América do Sul. Porque tivemos uma forte reação do público. É uma conexão humana. Nós somos o que nós somos, entende? Tem lugares que tocamos que as pessoas dizem 'não gostamos de rock, mas gostamos de vocês'... Pode ser numa fazenda ou numa grande arena, a gente tenta dar o máximo que podemos dar. Nós vamos até o nosso limite no palco. Eu tenho que estar muito doente. Muito, muito, muito para cancelar um show. E muita gente nos aprecia por que notam que a gente dá tudo no palco. E na América do Sul, não só no Brasil, as pessoas dão muita importância para isso. Na Europa, em países como a Alemanha, eles não se importam se você está entregando tudo no palco. Eles não ligam. Na Bélgica mesma coisa. Mas em outras partes do mundo, como a América do Sul, o importante é o coração, e isso é tudo.

Sem mais perguntas. Muito obrigado pela entrevista! Foi um prazer falar com você...

Eu que agradeço. Nos vemos em breve. Este ou no próximo ano, no Brasil. 

Sério?

Estamos trabalhando para isso. Te mantenho informado.

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Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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