Ministry segue a fórmula e fala de fake news, Covid e Trump em novo disco

40 anos depois, Al Jourgensen mantém sua crítica ácida aos EUA
 

Ministry

Moral Hygiene
⭐⭐⭐ 3/5

Por  Lucas Scaliza 

Moral Hygiene é um álbum furioso sobre nossos tempos: 10 faixas que se costuram ao longo de 47 minutos de um som industrial e, uma após a outra, resumem o que foi os últimos três anos, principalmente para quem viveu em solo estadunidense. Foi uma longa jornada de 1981 até aqui, mas uma coisa que permanece inalterada é o compromisso do Ministry em nunca ser só sobre música, mas sobre as visões sociais e políticas de Al Jourgensen, embaladas por um misto de heavy metal e synth-pop. Ou seja, a receita de 2021 é a mesma de clássicos como The Land Of Rape and Honey (1988) e Psalm 69 (1992), mas a situação turbulenta do mundo oferece material suficiente para que o compositor continue tendo algo novo para cantar e que gere novos riffs que vão tomar a frente de outro bom disco a fim de entreter os fãs. E se a música do Ministry ajudar o fã a resistir ou abrir seus olhos para o que acontece ao seu redor, Jourgensen (prestes a completar 63 anos) fica ainda mais satisfeito.

O tema de faixas como "Broken System" e "We Shall Resist" estão basicamente resumidas em seus títulos, e se aproximam muito de várias outras composições entregues por Jourgensen ao longo dos 40 anos desde sua pioneira aparição na cena underground de Chicago. "Good Trouble" tem os versos de refrão que melhor encapsulam o disco todo, temática e sonoramente falando: "Get the party started, get the fascists out". E "Desinformation", que também é autoexplicativa, reverbera o panorama dos últimos 10 anos com a mistura explosiva entre agendas políticas e manipulação das mídias e redes sociais. "Death Toll" confia no groove da banda para falar da mortalidade do vírus Covid-19.

Mas a que o Ministry reage exatamente em Moral Hygiene? À era Trump e ao que ela ajudou a revelar o que havia debaixo do tapete dos Estados Unidos. Não há nada sutil no tom ou nas letras. É tudo muito direto e fácil de ler, sem contornos mais sofisticados ou metáforas poderosas.

Ao longo de todo o disco há inserções de vozes de políticos, jornalistas, de pessoas comuns e até do próprio ex-presidente dos EUA. Com esse artifício, já bastante conhecido do grupo, Jourgensen alcança um misto de ironia e protesto, mergulhando as faixas ainda mais no contexto que retrata. Embora tenha suas próprias particularidades, Moral Hygiene é praticamente uma expansão do anterior Amerikkkant (2018).  Afinal, se é Ministry, há sempre um código moral a ser seguido. Nos anos da administração George W. Bush, o grupo fez nada mais do que uma trilogia (Houses of the Molé, Rio Grande Blood e The Last Sucker, de 2004 a 2007) para calcificar em seu indefectível ritmo industrial os EUA daquele período.

Apesar de conter uma variedade estilística até que boa de faixa para faixa, pouca coisa escapa da moldura industrial da banda. Há surf rock, sons do oriente médio, funk. Muitos refrãos são feitos para o público entoar junto da banda, como um grito de ordem. Outras faixas na segunda metade do disco funcionam também como uma espécie de mantra, baseadas em repetições e criação de atmosfera. Essas causam um efeito contrário à empolgação de faixas mais carismáticas, como "Believe Me", "Sabotage is Sex" e a ótima introdução "Alert Level".

Vale destacar "Search And Destroy", um cover dos Stooges, e a especialíssima participação de Jello Biafra (do Dead Kennedys) em "Sabotage is Sex". Billy Morrison (guitarrista famoso por trabalhos ao lado de Billy Idol) e Arabian Prince (N.W.A.) também estão no álbum. De resto, acompanham Jourgensen os guitarristas Monte Pittman e Cesar Soto, o tecladista John Bechdel e a dupla que se destaca em diversos momentos do disco: o baterista Roy Mayorga e o baixista Paul D'Amour.

O grupo certamente ainda tem o que dizer e escassez de assunto não deverá ser um problema. Mas embora o sexteto consiga empolgar, Moral Hygiene não vai muito além disso, não traz nada em si ou em sua divulgação que vá chamar a atenção para fora de um público específico e cativo. Apesar dessa falta de (re)invenção, é um bom trabalho.

Lucas Scaliza

Jornalista, músico sem banda e estrategista de marca. Não abre mão de acompanhar os sons do agora. Joga tarô e já foi host de podcast.

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