Wolf Alice se consolida com o potente e ambicioso, 'Blue Weekend'

Wolf Alice injeta folk ao seu terceiro álbum de estúdio
 

Wolf Alice

Blue Weekend
⭐⭐⭐⭐⭐ 5/5

Por  Lucas Scaliza 


Ellie Rowsell não conseguiria compor em lockdown. Por isso, quando o quarteto inglês ficou ilhado em um estúdio de Bruxelas quando a pandemia de Covid-19 pegou e obrigou os países da Europa a fecharem suas fronteiras, decidiram ficar por lá mesmo e terminar de gravar as músicas novas em que estavam trabalhando desde 2019. Era o mesmo estúdio onde gravaram o segundo EP da carreira, logo depois de assinarem com uma gravadora independente. Tinha algo de nostálgico nessa decisão de usar o mesmo estúdio daquele momento feliz da banda. E tem algo de nostálgico e Blue Weekend também, o terceiro disco de Wolf Alice. Mas não se engane: apesar da nostalgia, essa não é uma banda de uma nota só, nem de um único gênero. Sobretudo, é uma banda que mira o futuro.


Ainda é um grupo de guitarra, mas o som do instrumento agora tem menos a ver com o punk e o grunge que parecia influenciá-los quando tinham 20 e poucos anos. Blue Weekend, de forma geral, parece adentra um espectro sonoro mais largo, unindo diversas influências filtradas pelo rock, agora que os integrantes beiram os 30. Shoegaze com certeza é uma delas, embora cheguem ao efeito shoegaze por vias diferentes. Há dream pop também, mas turbinado. Trip hop, talvez? Definitivamente não é uma banda de música eletrônica, mas você percebe como essa influência também se insere no trabalho. "Play The Greatest Hits" é um punk que não pede licença, enquanto "Safe From Heartbreak" é um flerte com o folk.


"No Hard Feelings" é basicamente baixo e vozes, muitas camadas de vozes, e teclas que enredam essas vozes, dando uma natureza celestial a elas. Você pode esperar pelo momento em que a banda toda vai entrar, mas ele nunca chega. É só isso mesmo. E isso basta. E é um single do álbum. Em 2021, é o pesadelo de qualquer gravadora ou selo. Mas Wolf Alice confia em si mesma. Como nos versos da excelente "Smile": "Sou o que sou e sou boa nisso. Se você não gosta, bom, que se dane".


Se dividindo entre a guitarra e a voz, 
Ellie Rowsell era toda garganta e entranhas nos idos do primeiro álbum. Cantava com muita vontade e pouca técnica e funcionava muito bem para a energia jovem de uma banda inglesa de rock que estava despontando. Quando o segundo disco chegou, Visions of a Life (2017), era nítido como a frontwoman tinha aprendido a cantar com mais consciência, de forma mais treinada (e daí se devem diversas músicas como "Don't Delete The Kisses" e "Beautifully Unconventional"). Neste terceiro álbum, ela agarra de vez o papel de cantora e assume a voz como instrumento importantíssimo não só para as composições, mas como a principal forma de se expressar. Em "The Last Man on Earth" Ellie tem um dos momentos em que mostra como se tornou uma vocalista de peito cheio, que vai do sussurro à voz de cabeça para se abrir com um estádio inteiro se for preciso.


Com poucas exceções, é como se o disco fosse uma grande experiência cinematográfica (ou onírica), com sintetizadores, pedais de expressão e truques de pós-produção dando a Blue Weekend suas texturas tão fortes e marcantes - que acabaram vazando para a representação visual do álbum tanto nos clipes lançados como no material promocional e nos vinis. "Lipstick On The Glass" e "Feeling Myself" provavelmente são duas impossíveis de ouvir sem pensar que ficariam ótimas em uma tela widescreen. Sério. Feche os olhos e deixe a música te guiar.



"How Can I Make It OK" pode lembrar imediatamente o pop oitentista, mistura de A-ha e Tears For Fears filtrada pelas Haim, mas conforme avança ganha corpo e ultrapassa as expectativas. "Smile", uma das mais fortes do disco, é uma canção de riffs, moderna e que encapsula o que é a banda em 2021: rock com timbres bem calibrados, com groove, melodia e crueza, distorção e um cheiro de elemento sintético. Ao vivo, consegue escapar da limpeza da produção e chega a soar quase como uma faixa de metal.


O produtor Markus Dravs (que já ajudou Coldplay e Arcade Fire, por exemplo) é o cara que trabalhou nos dois últimos discos do Kings of Leon, dando direção à banda quanto ao novo curso que deviam seguir para o reposicionamento no cenário pop. No caso de Blue Weekend parece vir dele o toque de veludo e as luzes neon, os sintetizadores e os teclados, todo esse esforço épico para que o álbum seja mais ambicioso no final das contas. Contudo, a direção a ser seguida continuou sendo ditada por Joff Oddie (guitarra), Joel Amey (bateria), Theo Ellis (baixo) e Ellie.


Seja cinema ou sonho, dream pop ou riffs distorcidos, Blue Weekend soa como um disco de consolidação e que em apenas 40 minutos mostra o Wolf Alice em todo o seu potencial. Uma das joias da música inglesa de 2021.

Lucas Scaliza

Jornalista, músico sem banda e estrategista de marca. Não abre mão de acompanhar os sons do agora. Joga tarô e já foi host de podcast.

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